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A CULTURA E OS ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS

No documento “Cuide-se ... porque você vale muito” (páginas 43-47)

Capítulo 4 – Metodologia e análise das estratégias encontradas nos anúncios publicitários de cosméticos brasileiros e argentinos:

2 TEORIA DA PROPAGANDA

2.5 A CULTURA E OS ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS

19 As que são feitas para serem publicadas em diferentes sociedades e culturas e às vezes inclusive

em mídias diferentes. Essas peças de propaganda não sofrem nenhum tipo de ajuste cultural ou social, tendo somente os seus enunciados traduzidos ao idioma local. Termo “cross-cultural”

baseado nos estudos de Weirzbicka (2003).

20 “Just do it” - NIKE, “mil e uma utilidades” – BOM BRIL, “as legítimas” – HAVAIANAS, “Keep Walking” – Johnnie Walker.

Nelly de Carvalho em seu livro Publicidade, a linguagem da sedução (2000), mesmo grupo cultural. O leitor, em específico, deve ser culturalmente competente a ponto de interpretar, mesmo que sem se dar conta, e se identificar (se fizer parte do seu grupo) com as imagens, o léxico e os sentimentos transmitidos pela peça para que essa adquira sentido e possa ser capaz de persuadi-lo. Carvalho (2000) ainda afirma ser importante “capitalizar a relação que existe entre a organização das sociedades e a questão de identidade, levando o leitor ou ouvinte a tomar consciência de tais associações” (2000, p. 106) através da escolha do léxico. Ou seja, que através da escolha das palavras adequadas, o anúncio tem o papel de equalizar a forma como a sociedade se comporta, seus anseios e sonhos com a identidade do leitor, de forma que ambas confluam em um mesmo sentido e criem uma imagem (cultural) adequada a persuasão, o que é muito importante para a composição do ouvinte [a platéia, segundo Dascal(2006)]21 para quem esse discurso será digirido.

Foley (1997), porém, nos lembra que a sociedade não se constitui de um grupo único de pessoas culturalmente iguais e que essas diferenças influenciam diretamente a forma como as pessoas se relacionam com os enunciados, com a ideia transmitida, e consigo mesmo. Algumas variáveis são: gênero, classe social, etnia, tipo de trabalho, grau de escolaridade, etc.

If culture is the domain of cultural practices, those meaning-creating practices by which humans sustain viable trajectories of social structural coupling, it is obvious that culture should not be understood as a unified domain whose contents are shared by all’22 (FOLEY, 1997, p. 21)

A maneira como os enunciados devem ser compostos pode diferir consideravelmente dependendo de quem é o público alvo. Ou seja, não vai ser o

21Como será melhor explicitado na sessão 4.5.(A composição estratégica do macro-ato de anunciar)

22 Se a cultura é o domínio das práticas culturais, as práticas significativas pelas quais os seres humanos sustentam trajetórias viáveis de conexão sócioestrutural, é evidente que a cultura não deve ser entendida como um domínio unificado, cujo conteúdo é partilhados por todos. (tradução minha).

mesmo para uma mulher que trabalha catorze horas por semana (dentro ou fora de casa) e para uma mulher que não trabalha. Não somente os fatores intrínsicos aos leitores influenciam na composição do enunciado, como também a relação que esses leitores têm com esses fatores e com os estereótipos que advém deles.

Por definição, estereótipo é uma generalização, seja social, cultural ou religiosa, que categoriza a realidade construída a partir de ou de acordo com uma compreensão preliminar do que existe. Como são baseadas em conceitos transmitidos, fragmentados ou em experiências isoladas, estes são normalmente falhos. Já que, “One reason for stereotypes is the lack of personal, concrete familiarity that individuals have with persons in other racial or ethnic groups. Lack of familiarity encourages the lumping together of unknown individuals” (HURST, 2007, p. 6)23.

Eles existem em todas as raças, cores, etnias, religiões, sexos, graus de escolaridade, etc, sendo inerentes ao ser humano. Os estereótipos são repassados de geração em geração, povoando o imaginário de um grupo social e/ou cultural e por isso não há a preocupação em saber se os mesmos condizem ou não com a realidade.

Nesse sentido, as peças de propaganda trazem à tona muitos estereótipos que povoam o imaginário dos leitores e que se fossilizaram como parte da culura.

Como exemplo, podemos citar o culto à juventude como à única forma de beleza e o envelhecimento como uma decadência, temas que se encontram presentes em muitos dos anúncios analisados [“Pele jovem depois dos 40?” – (Cma50) / Sumate a la lucha por no arrugar- (Oab39)]. Existem vários aspectos a serem levantados:

quando se é considerado velho nessa cultura? Qual é o estereótipo que se tem, que faz com que envelhecer deva ser um fenômeno a ser combatido? Qual é a carga

23 Uma das razões para a existência dos estereótipos é a falta de uma familiaridade real e pessoal

que indivíduos têm com pessoas de outros grupos raciais e étnicos. A falta de familiaridade leva ao amontoamento de indivíduos desconhecidos em um mesmo grupo.

aparecem nas capas e nas matérias das revistas femininas. Essas mulheres seriam representações das mulheres reais ou representariam o estereótipo de mulher que um grupo dessa sociedade sonha em ser? Outro ponto interessante é o papel social nos quais as mulheres são representadas: mães, profissionais liberais e mulheres fatais. Esses papéis são dados culturalmente e acabam por ser estereotipados no contexto interno dos anúncios a fim de aproximar a leitora da possibilidade de ser o que lhe é requerido pela sociedade. O apelo à sensualidade [No hay prenda más sensual que tu piel – (Oma34)], ao seu papel de mãe (anúncios da Natura Naturé) e a profissional liberal que deseja o melhor [profesional y accesible – (Ojn38)]. Essas escolhas são determinadas pela cultura de um determinado grupo para o qual esse anúncio está destinado e segue os padrões desenvolvidos por ela, uma vez que

A cultura, nesse sentido, está longe de ser um sistema estruturado e fixo de valores ou formas de comportamento: ela é um processo dinâmico de produção de sentidos possíveis, aceitáveis, legítimos, mantido e reforçado tanto por coletividades (instituições sociais como a família, a religião, a escola) quanto por indivíduos. (JORDÃO, 2006, p. 5).

Não há como dissociar o estudo da língua em uso e a cultura do povo ou grupo que a utiliza. De acordo com Kramsch (1998, p. 3), a língua está intimamente ligada ao exercício social, uma vez que é através da língua que nos comunicamos e intercambiamos ideias, impressões e compartilhamos o que somos e sentimos. Por isso, mesmo este não sendo um estudo orientado à sociologia, ou à antropologia, é impossível que ele não seja também um estudo sóciocultural, uma vez que

“Language symbolizes cultural reality” (KRAMSH, 1998, p. 3)24 e, como o nosso objeto de estudo é a língua no seu uso específico, nos anúncios publicitários, não há como estudá-la sem estudarmos o que ela simboliza,ou seja, a cultura. Estamos conscientes, porém, das limitações que a teoria da polidez de Brown e Levinson (1987) traz para os estudos sócioculturais e principlamente das limitações deste trabalho em si, dentre essa: o conceito de universalidade dos traços de polidez, o engessamento das super-estratégias não prevendo que essas possam se sobrepor, a suposição de que algumas estratégias são mais polidas do que outras, independentemente da cultura na qual se encontram ,etc. Por isso, pensamos que seria interessante, como uma etapa posterior a este, procurar teorias, possivelmente interdisciplinares, que expliquem a causa de tais especificidades que circundam os

24 A língua representa a realidade cultural (Tradução minha).

anúncios dirigidos ao público feminino e das diferenças encontradas como resultado das análises feitas.

No documento “Cuide-se ... porque você vale muito” (páginas 43-47)