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A década de noventa: uma renovação espetacular

Somente em 1992, ano da rodagem do filme de Francis Ford Coppola, é que Drácula conhece uma espetacular renovação de interesse em todo o mundo e já não apenas nos países anglo-saxônicos. O fato de um realizador tão conceituado ter decidido rodar uma superprodução com um grande orçamento a partir do romance de Stoker, com atores conhecidos, suscitou uma enorme curiosidade. Contrariamente a realizadores como Wes Craven ou Steven Spielberg, que são desde logo especializados no fantástico e no terror, Coppola, cujas pérolas são O Padrinho (O Poderoso Chefão) (1972), Apocalypse Now (1979), e Cotton Club (1984), não está verdadeiramente catalogado nestes dois gêneros e surge a interrogação de como irá interpretar o romance. A rodagem decorre no maior segredo e não faltam conjecturas para se saber qual o ator que personificará o vampiro. O filme, anunciado com uma grande operação de publicidade, irá conhecer um enorme sucesso, ainda que a crítica se mostre muito dividida. Há quem veja no filme uma obra-prima que constitui um marco na história do cinema, enquanto outros, nostálgicos dos filmes de Tod Browning ou de Terence Fisher, são extremamente severos e acusam Coppola de se ter excedido em efeitos fáceis. O fato de se poder amar ou detestar este filme é, em todo o caso, uma prova de que ninguém lhe fica indiferente.

O Drácula de Coppola é um filme que se distingue de todos os que o antecederam, uma vez que a trama do romance de Stoker é escrupulosamente respeitada. Os aconteci- mentos sucedem-se nos mesmos lugares e pela mesma ordem que no romance. Todas as personagens imaginadas por Stoker estão presentes e desempenham bem o papel definido pelo romancista. Em contrapartida, e é aqui que reside uma habilidade diabólica, o realiza-

dor acrescentou um prólogo e um epílogo da sua autoria que modificam totalmente o significado da história. A personagem de Stoker era uma criatura cruel e orgu- lhosa que se tornou vampiro para desa- fiar Deus e triunfar sobre a morte. A sua destruição no final do romance surgia como uma punição merecida e marcava a vitória do bem sobre o mal. O Drácula de Coppola é um homem que caiu no deses- pero em consequência da morte daquela que amava apaixonadamente. Tendo de- safiado Deus, é maldito, devendo por isso viver eternamente sob a forma de um vampiro. Quando Mina, que é a reencar- nação da esposa morta, lhe aplica o golpe fatal, fá-lo para o libertar da sua maldição e lhe devolver a salvação. Assim sendo, Drácula é salvo pelo amor. Coppola deu

do vampiro uma representação física totalmente diferente da que lhe deram todos ao seus atores anteriores. Gary Oldman, que representa o papel, surge na primeira parte do filme como um velho cruel e excêntrico, de rosto seráfico, penteado com um enorme carrapito e vestido com uma espécie de roupão cujo desenho é inspirado nas telas de Klimt.

Após a sua chegada a Inglaterra, é totalmente irreconhecível, uma vez que, de dia, surgia com os traços de um jovem dandy romântico, o rosto ornado com um bigode e uma barba curta, timidamente cortejando Mina; e à noite, apresentava o aspecto de um animal feroz que vem torturar Lucy. Coppola diverte-se a baralhar as pistas, nomeadamente na oposição que é feita entre o mal e o bem. No romance, Van Helsing era um patriarca virtuoso que, qual arcanjo Miguel, tinha por missão destruir Drácula, indivíduo demoníaco.

Cartaz para o filme Bram Stoker’s Dracula, de Francis Ford Coppola (1992).

No filme, a simpatia do espectador centra-se principalmente na personagem de Drácula, amante inconsolável, ao passo que Van Helsing, interpretado por Anthony Hopkins, é um homem violento, brutal e trocista.

Ao contrário de Bela Lugosi e de Christopher Lee, Gary Oldman não impôs um novo rosto de Drácula susceptível de se reproduzir indefinidamente, na medida em que o filme de Coppola é inimitável. Posteriormente, outros filmes sobre Drácula foram rodados, como Dracula, Dead and Loving it (1995), de Mel Brooks, que retoma a trama do romance de Stoker de um modo burlesco. Será a última aparição do conde vampiro nas grandes telas? Nada é mais duvidoso, já que, como o revela um passado recente, esta personagem parece destinada a sobreviver contra tudo e contra todos.

Se não suscitou seguidores, o filme de Coppola contribuiu fortemente para devolver Drácula às luzes da ribalta. O vampiro voltou a ser, como na década de setenta, um verdadeiro produto para o consumo do “grande público”. Vendeu-se toda a espécie de objetos com a efígie de Drácula na ocasião da estreia do filme. Fizeram-se numerosas reedições do romance de Stoker em todo o mundo, enquanto o romance extraído da encenação do filme de Coppola, escrito por Fred Saberhagen e James Hart, os dois encenadores, e intitulado, como o filme, Bram Stoker’s Dracula, foi publicado no próprio momento do lançamento do filme. Esta recuperação da moda da personagem de Stoker encorajou os editores a publicar toda a espécie de compilações de novelas, de histórias em quadrinhos e de romances.

Surgiram duas antologias inteiramente consagradas à personagem de Drácula: uma em 1991, no momento da rodagem do filme de Coppola, Dracula, Prince of Darkness, de Martin H. Greenberg; a outra em 1992, no momento da saída do filme, The Ultimate

Dracula, de Byron Preiss. O conde vampiro continua a inspirar romances como I Am Dracula (1993), de C. Dean Anderson, narrado na primeira pessoa em que Vlad Tepes explica como se transformou no vampiro Drácula, ou ainda Drakulya (1994), de Earl Lee, igualmente narrado na primeira pessoa, onde o conde conta a sua versão dos acontecimentos descritos por Stoker e informa-nos, entre outras coisas, que ele não é, como durante muito tempo se acreditou, Vlad Tepes dito Drácula, mas o seu irmão mais velho Mircea Drakulya. Ou- tros romances apresentam descendentes de Drácula, como é o caso da trilogia de Jeanne

Kalogridis: Covenant with the Vampire (1994), Children of the Vampire (1995) e Lord of the

Vampires (1996). O herói, Arkady Tsepesh, descendente de Vlad Dracula, nascido em 1820, encontra-se em luta contra o seu terrível antepassado. Num outro romance, The Secret Life

of Lazlo, Count Dracula (1994), de Roderick Anscombe, que nada tem a ver com vampirismo, o herói, outro descendente do Drácula histórico, médico húngaro discípulo de Charcot, conta numa narração na primeira pessoa como se tornou um assassino em série.

Os louros da originalidade recaem incontestavelmente sobre o escritor britânico Kim Newman que, num romance delirante, Anno Dracula, dado à estampa no mesmo ano que o filme de Coppola, rescreve com uma verve feroz a história da Grã-Bretanha no século XIX. Ele imagina que Drácula, de regresso a Inglaterra e desejoso de se vingar de Van Helsing e dos seus amigos, acaba por seduzir a rainha Vitória. Feito príncipe consorte, exerce uma verdadeira ditadura sobre o país que recai na barbárie, mandando empalar nas muralhas da Torre de Londres todos aqueles que tentam opor-se a ele. Kim Newman deu seguimento a este romance em The Bloody Red Baron (1995), no qual Drácula, apeado do poder e refugiado na Alemanha, é o chefe do estado-maior dos exércitos prussianos e austríacos durante a guerra de 1914-1918. Estes dois invulgares romances, que combinam alegremente a ficção e a realidade, revelam todas as possibilidades que se podem extrair ainda da personagem.

O interesse suscitado ao longo dos últimos anos por Drácula, o vampiro, fez nascer uma grande curiosidade relativamente a esse herói menos conhecido que é o Drácula histórico. Vlad Tepes que tende cada vez mais a confundir-se com a personagem de Stoker, como se viu em certos romances recentes, inspirou numerosos estudos biográficos, dos quais o mais sério é a tese de Matei Cazacu A História do príncipe Drácula na Europa central e

oriental (1988). Outra escritora francesa de origem romena, Béatrice Lungulescu, publicou em 1991 uma apaixonante biografia romanceada de Vlad Tepes, Drácula e a diaba vermelha, que narra o que foram as relações do voivoda com a sua esposa, a “boiarda” Ruxandra de Lotru, apelidada de “diaba vermelha”.