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Se Bram Stoker não tivesse feito da sua personagem mais do que uma personificação do mal absoluto, ela não teria provavelmente conhecido uma tão longa posteridade. Ora, o que suscita todo o interesse por Drácula é que, sendo detestável, brutal e perverso, ele tem um carisma incontestável. Esta personagem que Jonathan Harker descreve como um homem de bela presença, apesar da sua aparente idade avançada, dispõe, qual senhor do Oriente, de um verdadeiro harém, uma vez que detém no seu castelo três vampiras que lhe são totalmente dedicadas. O romance não nos conta como foi que conseguiu penetrar à noite no quarto de Lucy, mas todas as suposições são permitidas, inclusive o direito de pensar que utilizou os seus poderes de sedução para atingir os seus fins. Por outro lado, Drácula era visto como personificando a quinta-essência da virilidade: fisicamente, é muito grande, é dotado duma força hercúlea e, graças à estada revigorante que teve em Londres, não tarda a rejuvenescer de uma forma espetacular, assumindo o aspecto de um

homem na força da idade. Intelectualmente, é superior à média dos homens e, moralmente, é de uma coragem indômita que força a admiração dos seus adversários. Após ter recor- dado, por diversas vezes, os elevados feitos de armas de Drácula em vida, o próprio Van Helsing rende homenagem à sua inteligência e à sua tenacidade:

Admirai a sua persistência, a sua resistência. No seu espírito de criança, há muito que concebera a ideia de vir a uma grande cidade. E que faz ele? Escolhe o local, em todo o mundo, que lhe parece mais prometedor. Seguidamente, coloca tudo em ação para cumprir os seus projetos. Cal- cula, com uma paciência maravilhosa, as forças de que dispõe, os pode- res que detém. Estuda línguas estrangeiras, uma nova vida social, novos costumes, deveras estranhos para ele, assimila a política, a legislação, a economia, as ciências, os hábitos de um outro povo, de um outro país que cresceu e conquistou o seu brilho após o seu próprio país.16

Van Helsing lamenta que esta criatura sobre-humana, que triunfou sobre a morte, não tenha colocado a sua força e a sua inteligência ao serviço do bem:

Oh! Se uma tal criatura pudesse provir de Deus, não do Maligno, que força o Bem ganharia na Terra!17

Por detrás da figura diabólica que personifica, Drácula é, portanto, um grande sedutor que atinge um estatuto heroico. Representa em negativo a imagem de um Don Juan imortal que não teme nem Deus nem os homens, mas à qual nenhuma mulher consegue resistir. É lícito pensar que, para as jovens leitoras vitorianas, Drácula tenha sabido personificar a imagem ambígua de uma sexualidade interdita, simultaneamente desejada e receada. Em contrapartida, os contemporâneos de Stoker não parecem ter sido muito sensíveis a esta dimensão da personagem e é somente na segunda metade do século XX que este aspecto é verdadeiramente descoberto.

É notável verificar que, até a década de cinquenta, o cinema ocultou deliberadamente o caráter carismático de Drácula. O Nosferatu de Murnau, incarnado por Max Schreck, é um homem de pequena estatura, que dá uma sensação de fraqueza e que é mortificado por

uma fealdade monstruosa. O Drácula de Tod Browning, mais próximo do modelo original, tem um físico desagradável e, apesar dos seus hábitos noturnos e da sua delicadeza gelada, inspira mais mal-estar do que admiração. É apenas com a interpretação de Christopher Lee, no filme de Terence Fisher, que o vampiro reencontra a sua altivez e o encanto ambi- valente de que o seu criador o tinha dotado.

Na segunda metade do século XX, marcada pela libertação sexual e pelo desaparecimento progressivo de toda a forma de censura, Drácula tornou-se aquilo que nos nossos dias se designa por um sex symbol. À parte Klaus Kinski, que retomou a máscara hedionda de Nosferatu, os atores que incarnam Drácula no ecrã, quer se trate de Christopher Lee, de David Niven, de John Badham ou de Louis Jourdan, ostentam a pose de um sedutor. Não obstante, será necessário esperar por Coppola para reconciliar no mesmo filme as duas faces de Drácula, a do velho diabólico e a do efebo sedutor. Drácula torna-se o equivalente feminino da mulher fatal. No mundo contemporâneo, onde a sexualidade é onipresente, tanto na literatura como no cinema e na publicidade, esta característica de Drácula bastará por si só para explicar o enorme sucesso de que goza. Sendo um vampiro, Drácula é muito mais que um simples Don Juan. A própria noção de vampirismo que privilegia a oralidade tem uma forte conotação sexual, e já foi frequentemente sublinhado o isomorfismo do dente longo e duro que se afunda na carne tenra e do pênis em ereção. O vampiro opera simultaneamente por mordedura e por sucção, onde os lábios e a língua desempenham um papel essencial que é particularmente sugestivo de certas práticas, tais como o fellatio. O cinema explorou fortemente a dimensão erótica de Drácula. Nos filmes em que Christopher Lee representa o papel, as vítimas, todas do sexo feminino, são permissivas e assiste-se a cenas eróticas onde elas se apresentam muito despidas. Certos filmes colocam deliberadamente a tônica no erotismo, como Andy Warhol’s Dracula (Sangue

Virgem para Drácula) (1974), de Paul Morrissey, onde o herói epônimo personificado por Udo Khier, efebo de cabelos negros empastados como os de Bela Lugosi, se apodera de três raparigas da mesma família, o que serve de pretexto para numerosos episódios onde as “vítimas” não escondem nenhum dos seus encantos.

O mercado do cinema pornográfico classe X tem muito frequentemente utilizado a personagem de Drácula em produções em que o mínimo que se pode afirmar é que não primam pelo bom gosto. Podem-se referir, entre outros, filmes como Draculas Lusterne

Sex Vampire, de Mario d’Alcala (Suíça), em 1970, Dracula Sucks, de Philip Marshak (EUA), em 1979, Graf Dracula in Oberbayern, de Carlo Ombra (Alemanha), em 1979, Blood Lust, de Russell Gay, (Grã-Bretanha), em 1980, Dracula exotica, de Walter Evans (EUA), em 1981 etc. Em certos filmes, destinados ao que se convencionou designar por “público informado”, introduzem-se variantes mais ou menos engenhosas: em The Bride’s Initiation (1976), de Duncan Stewart (EUA), Drácula alimenta-se de esperma e não de sangue e em

Gayracula (sic), (1982), de Roger Earl (EUA), Drácula, como o título indica, é homossexual. As novelas e romances contemporâneos que fazem reviver Drácula contêm igualmente cenas eróticas por vezes bastante audaciosas. O burguês virtuoso e moralizador, adepto da censura, que era Bram Stoker, ficaria surpreendido com estes desvios para onde levaram a sua personagem.