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Durante a primeira metade do século XX, foi sobretudo no cinema que se elaborou o mito de Drácula. O Nosferatu de Murnau constituíra a primeira adaptação do romance, mas foi o cinema falado que impôs definitivamente a imagem do vampiro junto do grande público, com o Drácula de Tod Browning.

O sucesso da peça de Hamilton Deane e John Balderston, que só na América rendera dois milhões de dólares, tinha atraído a atenção dos produtores de Hollywood. Seriam necessários dois anos de intensas negociações entre Florence Stoker, Hamilton Deane, John L. Balderston e três companhias de produção cinematográfica para que os direitos de adaptação do romance e das duas peças fossem finalmente vendidos à firma Universal, em 1930, pela módica quantia de 40 mil dólares. Uma versão inglesa de Tod Browning, com Bela Lugosi no papel principal, e uma grande versão espanhola de George Melford, com Carlos Villarias, foram rodadas simultaneamente com os mesmos cenários e a mesma decoração, em 1931. Foi evidentemente o filme de Tod Browning que fez entrar Drácula na lenda. As duas adaptações teatrais de Drácula tinham permitido ao vampiro tornar-se muito popular junto do público anglo-saxônico; o filme iria celebrizar a personagem pelo mundo inteiro.

Bela Lugosi teve o mérito de dar à personagem imaginada por Stoker um rosto seguramente muito diferen- te daquele que é descrito no romance. Enquanto este último nos apresenta o vampiro como um homem muito idoso com cabelos desgrenhados e um grande bigode, Lugosi surgia como um homem na casa dos quarenta, dee rosto seráfico e cabelos negros cuidadosamente empas- tados, de acordo com a moda da época. Com o seu traje de noite, laço ao pescoço e, principalmente, a grande capa negra, que Raymond Huntley ostentara em cena antes dele e cujas abas agitava como se fossem duas enormes asas de morcego,

gou até 1958, ano em que o ator britânico Christopher Lee retomou o papel, dando-lhe uma interpretação completamente diferente. Até esta data, todos os filmes onde aparecia Drácula eram mais ou menos fiéis à imagem dada por Lugosi no filme de Tod Browning. Por uma curiosa ironia do destino e contrariamente a uma ideia feita, Lugosi só muito raramente representou o papel de Drácula no ecrã. Este, tendo sido sucessivamente retomado por John Chaney Jr. e John Carradine, teve de esperar até 1948 para ver Lugosi reaparecer como Drácula, e tão só em filmes medíocres como Abbot and Costello Meet

Frankenstein e Mother Riley Meets the Vampire. Seja como for, para milhões de espectadores e leitores de Drácula, o rosto de Bela Lugosi permaneceu durante duas décadas indissociado do do conde. Literalmente vampirizado pelo papel que celebrizara, o ator faleceu em 1956, minado pela droga e pelo álcool, pedindo que o vestissem no seu caixão com a célebre capa negra que usara na tela.

O Drácula de Tod Browning alcan- çou um enorme sucesso nos Estados Uni- dos da América. Do mesmo modo que a personagem do romance havia fascinado os vitorianos, para quem simbolizava to- dos os males de que padecia a Grã-Breta- nha nos últimos anos do século, o Drácu- la personificado por Lugosi era, aos olhos dos Americanos, a figura emblemática do estrangeiro vindo da longínqua Europa para semear a confusão num país em bus- ca de identidade. A xenofobia ambiente era exacerbada pela crise econômica que dilacerava a América após o crash da bol- sa de Wall Street, em 1929, e, como em todos os períodos de recessão e de desem- prego, foi necessário encontrar um bode

Bela Lugosi faz entrar a personagem de Drácula na lenda (Drácula, Tod Browning, 1931).

expiatório; os estrangeiros estão geralmente na melhor posição para desempenhar esta função. Com o seu acentuado sotaque húngaro, o seu porte excêntrico e o olhar inquie- tante, Lugosi possuía os ingredientes necessários para cristalizar sobre a sua pessoa todo o ódio mais ou menos inconsciente dos espectadores. O vampiro era a partir de então o vilão a quem se apontava o dedo e ele iria representar este papel em diversas exibições, nos pe- ríodos conturbados que a América iria atravessar. Numa obra interessantíssima publicada em 1972, The Dracula Myth, Gabriel Ronay, jornalista húngaro refugiado na Grã-Bretanha após o levantamento de 1956, demonstrou de um modo convincente como Drácula pôde personificar no inconsciente coletivo americano a ameaça do nazismo, durante a Segunda Guerra Mundial, e mais tarde a do comunismo, durante o período denominado de guerra fria e, particularmente, durante os anos sombrios do macarthismo.

Na década de cinquenta, tal como em 1931, é o cinema que vai subitamente dar um novo impulso ao mito de Drácula; no entanto, desta vez, o empurrão não é dado em Hollywood, mas em Londres, nos estúdios da firma Hammer, especializada em filmes de terror e decidida a fazer reviver quase simultaneamente o monstro de Frankenstein e Drácula. A estreia de O Horror de Drácula, em 1958, filme conhecido em França como Le

Cauchemar de Dracula, é um verdadeiro acontecimento histórico, já que é a partir deste momento que o vampiro imaginado por Stoker se torna a personagem mítica que hoje em dia se conhece.

Com Christopher Lee, Drácula muda completamente de rosto. O vampiro passa a ser um homem de alta estatura, cujos cabelos espessos já não se apresentam empastados de brilhantina – como eram os de Lugosi – e que, sempre que ri ou se prepara para morder as suas vítimas, revela um par de caninos anormalmente longos e afiados (pormenor anatô- mico desconhecido nos filmes anteriores, mas que fará escola). O filme a cores faz realçar os olhos injetados de sangue do ator (em outros filmes, chega-se ao extremo de colocar lentes de contato vermelhas para acentuar esta impressão). De Bela Lugosi, Christopher Lee conserva o porte aristocrático, mas, em vez de se exprimir com um forte sotaque es- trangeiro, fala num inglês bastante eloquente. Enquanto o ator americano personificava um Drácula cauteloso e de aspecto algo frágil, Christopher Lee, ao contrário, transmite

uma sensação de força física e moral. Em O Horror de Drácula, o realizador Terence Fisher insistiu, mais que os seus antecessores de Hollywood, no caráter erótico da história. Ele apresenta complacentemente as personagens femininas em trajes transparentes com de- cotes estonteantes. O próprio Drácula surge como uma espécie de Don Juan simultanea- mente sensual e brutal. Enquanto Bela Lugosi dava à sua personagem um caráter malévolo, leia-se repugnante, Christopher Lee é um belo aristocrata cuja presença seduz imediata- mente as damas.

Num único filme, o ator inglês conseguiu executar um duplo “golpe de rins”8: fazer esquecer Bela Lugosi e impor de uma forma definitiva a sua nova interpretação da personagem de Drácula. A partir de 1958, dezenas e dezenas de filmes foram rodados no mundo inteiro. Christopher Lee e o seu inseparável parceiro Peter Cushing, no papel de Van Helsing, rodaram juntos uma dezena de filmes que faziam reviver Drácula nos seus cenários originais. Tal como Bela Lugosi, Christopher Lee impôs o seu estilo pessoal, frequentemente imitado em seguida. Para as gerações que não conheceram o cinema anterior à guerra, Drácula passa a ter o rosto de Christopher Lee, e foi necessária muita temeridade da parte de Francis Ford Coppola para mudar radicalmente o curso das coisas em 1992, apresentando um Drácula totalmente novo e original.