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Capítulo IV – O modelo teórico e o percurso metodológico O incontornável mano a

2. Percurso metodológico

2.1. A definição do campo de investigação

É consensual que alunos e professores se sentem cansados e desiludidos. Há alunos que afirmam não querer nem precisar de estudar para passar de ano e que a escola não lhes serve para nada. Por outro lado, alguma investigação empírica levanta questões quanto à validade de tal tipo de generalizações e quanto ao carácter erróneo de alguns mitos que se vão criando, baseados no saber comum que rodeia a escola. Os professores contestam que não

conseguem ensinar porque não têm público interessado e emocionalmente disponível121e dizem,

concomitantemente, que a política educativa vai no sentido de que a retenção, sendo a excepção, leva a que, na prática, a transição se verifique muitas vezes sem que os objectivos mínimos de ano e/ou de ciclo sejam atingidos. Mas será que é exactamente assim? De que lado está a razão? E, desde logo, será que existe uma só razão? Será que os articulados legais são consentâneos

120 Itálico no original.

121 Note-se o que Dubet refere a propósito: «Eles falam, não do seu papel, mas da sua experiência, porque consagram o essencial do que dizem para afirmarem que não são personagens e que se constituem como indivíduos muito mais pela distância em relação ao seu papel que pela sua adesão total. Porquê assim? De facto, a experiência deles flutua entre dois universos de referência disjuntos e entre duas lógicas de acção específicas. Por um lado, eles falam em termos de estatuto, como membros de uma organização que fixa condutas, relações com os outros, modos de argumentação e de legitimação. Por outro lado, falam em termos de profissão e, na medida em que não achem nos alunos as atitudes e as expectativas que correspondem à sua definição de estatuto, a profissão é vivida como um ensaio da personalidade, como uma experiência mais íntima que privada, na qual os critérios de referência e de reconhecimento por outrem estão dissociados da ordem dos estatutos. Mais ainda, a profissão só se afigura possível no esquecimento do estatuto e na sua negação» (Dubet, 1996: 97).

com as condições de ensino existentes nas escolas? Seria possível fazer mais e, principalmente, melhor? Qual a opinião dos principais actores deste complexo processo social?

Importa começar por delimitar o objecto de análise. Interessou-nos abordar o 3º ciclo do Ensino Básico e a transição para o 10º ano, tentando entender se o facto de cessar a obrigatoriedade de frequentar a escola, em conjunto com o começar a perceber no horizonte os exames nacionais e o ensino superior, acarretaria alguma alteração na postura dos discentes. Fizemos o acompanhamento de todos os alunos de uma escola secundária com 3º ciclo do ensino básico, desde o 7º ano de escolaridade, passando pelo 8º ano e culminando no 9º ano (com uma amostra de 144 alunos neste último ano) e tentámos perceber de que forma os seus hábitos de estudo bem como as atitudes dos professores face ao material humano com que lidavam iam construindo um determinado tipo de sucesso. E que muda – se alguma coisa muda – nessa fase de transição da escolaridade obrigatória para o ensino secundário? Sabíamos que a resposta não estaria ao dobrar da primeira dificuldade mas tentámos levantar questões que

ajudassem a dilucidar os problemas em análise122.

Por outro lado, era nossa intenção perceber de que forma o triângulo escola – família – sociedade (sendo que, no tocante à sociedade, haveria a equacionar sobretudo a(s) influência(s) da educação não formal sobre o percurso académico dos jovens) seriam responsáveis pela forma como os alunos da escola que estudámos encaravam e materializavam o seu o percurso

académico123.Sabíamos que, como Pedro Abrantes afirmara, «…este é um objecto vasto e

complexo, muito sensível a vertigens ideológicas, metafísicas ou empiristas» (Abrantes, 2003: 45).

2.2. Metodologia

Havia que tentar a maior neutralidade possível mesmo sabendo que a objectividade enquanto dado definitivo é uma impossibilidade como nos diz Weber: «Não há nenhuma análise científica absolutamente “objectiva” da vida cultural, ou – para empregar uma expressão de

122 Convocamos aqui Max Weber para dar conta do tipo de dificuldades que esperávamos encontrar: «(…) uma coisa é certa: quanto “mais geral” é o problema em análise, ou seja, quanto maior for o alcance do seu significado cultural, tanto menos acessível ele se torna a uma resposta unívoca a partir dos recursos do saber empírico, e tanto maior é a interferência dos axiomas últimos, eminentemente pessoais, da crença e das ideias de valor» (Weber, 2004b: 609). (Aspas e itálico no original).

123 E essa gestão é tanto mais exigente e complexa quanto mais numerosas forem as linhas de força que enformam um percurso académico «…os actores são obrigados a gerir simultaneamente várias lógicas da acção que remetem para diversas lógicas do sistema social, que não é então já “um” sistema, mas a co-presença de sistemas estruturados por princípios autónomos» (Dubet, 1996: 94). (Aspas no original).

sentido mais restrito mas cujo significado não é, para o nosso objectivo, essencialmente

diferente – dos “fenómenos sociais”, que seja independente de pontos de vista especiais e

«unilaterais» segundo os quais – explícita ou implicitamente, consciente ou inconscientemente – esses fenómenos são seleccionados como objecto de investigação, analisados, organizados e

apresentados»124 (Weber, 2004b: 623).

A propósito da absoluta necessidade de uma intransigente preocupação com uma tão grande objectividade e neutralidade quanto possível, há toda uma investigação académica que recomenda de forma inequívoca que «os investigadores se mantenham afastados de ambientes com os quais tenham uma relação directa ou profissional. Há uma tendência para que investigadores com pouca experiência queiram estudar locais conhecidos e familiares. Quando o investigador se encontra directamente envolvido num ambiente é provável que veja as coisas de um único ponto de vista. No quotidiano as pessoas assumem as suas formas de ver as coisas como dados adquiridos» (Taylor & Bogdan, 1984: 19). Este é o dado que nos fazia considerar a necessidade de estudar uma escola que não conhecêssemos. Permita-se-nos, agora, que aduzamos argumentos no sentido da escolha que acabámos por fazer relativamente à escola onde exercemos o nosso ofício de professor. Reafirmamos aqui as palavras de Max Weber que acima citámos, segundo as quais a total objectividade e neutralidade, enquanto materializações, não são susceptíveis de ser conseguidas. Por outro lado, há uma componente incontornável em processos de investigação da natureza de um mestrado que não podemos deixar de invocar. Os impreteríveis prazos de conclusão da investigação. Para além disso, os mesmos autores que usámos para mostrar que talvez não fosse a melhor opção a escolha de um ambiente familiar para investigar referem, no seguimento dessa afirmação, que «há alguns espantosos estudos escritos por pessoas que eram participantes dos ambientes que observaram» (Taylor & Bogdan, 1984: 30). Não temos a presunção nem a arrogância de nos querermos comparar a Howard S. Becker ou a J. Roth (são os exemplos apresentados por Taylor e Bogdan) mas não deixamos de entender ser possível imparcialidade no estudo de ambientes familiares ao investigador. Mas há mais. Dizem-nos Robert Bogdan e Sari Biklen que «na investigação qualitativa a fonte directa de dados é o ambiente natural, constituindo o investigador o instrumento principal: os investigadores introduzem-se e despendem grandes quantidades de tempo em escolas, famílias, bairros e outros locais tentando elucidar questões educativas» (Bogdan & Biklen, 2006: 47). É o nosso caso. Está-se perante uma investigação com contornos que a aproximam das abordagens

de carácter etnográfico e tentou-se que a familiaridade funcionasse como um tipo de mimetismo reduzindo o risco de que os actores vissem o investigador como alguém estranho ao ambiente a investigar. Diz-nos António Firmino da Costa que «é frequente dizer-se que a observação directa, a conversa informal, a observação participante, usadas na pesquisa de tipo etnográfico, são procedimentos não-interferentes, discretos (“unobstrusive measures” [Taylor & Bogdan, p. 15]), por comparação com o carácter intrometido, indiscreto, interferente dos questionários e entrevistas formais» (Costa, 2005: 134). E Raúl Iturra, a propósito justamente da observação directa e participante, afirma, de forma que nos parece lapidar e justificativa da nossa opção, que «a observação participante significa ser um Outro para entender o Eu no meio dos Outros (Iturra, 2000: 29). Por outro lado, este investigador chileno permite-nos considerar o estudo que fizemos na escola que investigámos como próximo do trabalho de campo de carácter etnográfico, precisamente pelo envolvimento verificado em termos de observação participante: «ninguém duvida que observar, participando na estrutura da cultura que se estuda como uma maneira de a apreender para elaborar o documento, seja um método científico, uma vez que permite abstrair os factores constantes da conduta, e compará-los com outras variáveis. Mas um tal procedimento é também uma forma de construir o objecto de pesquisa por meio da aculturação progressiva e da endoculturação permanente do investigador, na aprendizagem do conhecimento do grupo que estuda como se fosse membro do grupo em questão» (Iturra, 2005: 157). E não são estes fenómenos de aculturação e de endoculturação formas de um estranho, um «outsider», se ir assumindo como alguém de ‘dentro’, ‘da casa’? E, veja-se o que nos diz

Firmino da Costa: «o método da pesquisa do terreno supõe, genericamente, presença

prolongada do investigador nos contextos sociais em estudo e contacto directo com as pessoas e

as situações125». Para logo a seguir nos dar conta de que: «para além de “pesquisa de terreno”

outras expressões são usadas para designar este estilo de pesquisa: “trabalho de campo”, “estudo de caso”, “estudo de comunidade”, “análise intensiva”, “método qualitativo”, “etnografia”, “observação participante”. É claro que alguns destes termos não são exactamente sinónimos uns dos outros» (Costa, 2005: 129).

Como argumentos de conclusão, e por todos, ainda Firmino da Costa e Raúl Iturra. «Um dos aspectos a tomar em consideração é o do peso relativo do impacto, na unidade social em estudo, da presença do investigador e das acções de recolha de informação por ele desenvolvidas. (…) Para que o impacto seja, de facto, negligenciável, é necessário que o

investigador faça parte daquele contexto social ou esteja com ele fortemente familiarizado por socialização ou aproximação prévias» (Costa, 2005: 135). Se «…a aprendizagem do que é ser Lozi, Masim, Barasana, Buruya, Kachin, camponês, emigrante, operário, é um factor irrecusável da construção do objecto de estudo» (Iturra, 2005: 157) como pode haver melhor percepção do que é a escola do que, sendo professor, ir fazendo a aprendizagem diária do que é ser professor? Caminante, son tus huellas / el camino, y nada más; / caminante, no hay camino, / se hace camino al andar. / Al andar se hace camino, / y al volver la vista atrás / se ve la senda que

nunca / se ha de volver a pisar. / Caminante, no hay camino, / sino estelas en la mar126.

Apesar da importância de que o investigador se reveste em todo este processo, não podemos esquecer que, num trabalho com a intencionalidade que este teve, interessaram-nos as pessoas e o seu relacionamento com a organização-escola e com outras organizações que interviessem no seu processo ensino/aprendizagem/socialização, sendo que a abordagem foi feita intentando, de forma muito clara, uma deslocação do objecto a estudar para os actores, seguindo as indicações de Isabel Carvalho Guerra que afirma que se «verifica a deslocalização do objecto de pesquisa das instituições para os sujeitos e a deslocalização do centramento do investigador para o actor/utente» (Guerra, 2006: 8).

Houve, no entanto e de facto, uma relação grande de proximidade, de cumplicidade e de intimidade – apesar de reafirmarmos uma preocupação de distanciamento crítico que nos permitisse níveis de isenção que respeitassem a verdade da investigação e, sempre na esteira de Weber, tendo particular cuidado pois «…a distinção entre a constatação empírica e a avaliação prática é “difícil”. É-o, realmente. Todos nós, (…) nos encontramos constantemente face a

ela»127 (Weber, 1977: 126). Mesmo assim, para perceber como o tentar, servimo-nos do que

diz José Madureira Pinto: «a objectividade dessas “construções de segundo grau” elaboradas pelas ciências sociais nunca, em bom rigor, está garantida antes de se demonstrar que as interpretações em causa são consistentes com o ponto de vista dos próprios actores implicados

nas situações sociais descritas»128 (Pinto, 1993: 119). Uma palavra apenas para explicar que

tendo como base de concepção determinados pressupostos que o investigador pretende comprovar há que «conceber as relações entre teoria e pesquisa observacional na perspectiva

de um racionalismo alargado ou de 2º grau». (Almeida & Pinto, 2005: 59). Está-se perante o que

Raymond Quivy e Luc Van Campenhouldt definem como sendo o «modelo de análise». Segundo

126 Este poema do sevilhano António Machado encontra-se em MACHADO, António (1999). Antologia Poética. Lisboa: Editorial Cotovia. 127 Aspas no original.

estes autores, «a conceptualização, ou construção dos conceitos, é uma construção abstracta que visa dar conta do real. Para esse efeito não retém todos os aspectos da realidade em questão, mas somente aquilo que exprime o essencial dessa realidade do ponto de vista do investigador» (Quivy & Campenhouldt, 1998: 150). E isso porque o ponto de partida de um processo de investigação funda-se numa realidade com uma clara componente de ordem ideológica, uma sociedade "em acto", cujos protagonistas alteram de forma (in)consciente, não elaborada – tal como na imagem de um tabuleiro de xadrez em que a mudança de uma peça implica a alteração da relação de todas as peças entre si – e em que a teoria que pretende explicar essa realidade deve ser suficientemente ampla para abarcar todas essas potencialidades

de alteração, mantendo ainda assim um padrão geral que não deixe de agregar semelhanças129.

Daqui decorre que há que «...constituir em objecto de análise as relações dos produtos científicos com as suas condições teóricas de produção, a partir de uma determinada situação da problemática e em relação aos problemas por esta designados...» (Almeida & Pinto, 1995: 69). Esta construção (porque é disso mesmo que se trata, de uma construção) é um processo lento, com avanços e recuos que não se destinam a manipular o real mas antes a produzir instrumentos que, de forma indirecta, permitam que se faça esse trabalho de conhecimento

através da observação da realidade130. Claro está que na sua atitude de observador, o

investigador não capta a realidade, senão um (ou no melhor dos casos, alguns, poucos) dos significados dessa mesma realidade. E a expressão “construção” é utilizada porque, além de naturalmente parcelar, essa apreensão contém a subjectividade própria do ponto de vista (que é

sempre e só «a vista de um ponto»131) de quem a realiza132. De referir a consciência de que os

resultados obtidos com essa observação terão de ser considerados incompletos ainda que de

129 Confira-se o que, a este propósito, nos refere Isabel Carvalho Guerra: «Confronta-se de alguma forma uma sociedade «em acto» ou, dito de outra forma, confronta-se a «produção social» quotidiana com a «reprodução social» gerada pelo funcionamento das estruturas e regras de jogo do funcionamento societal. (…) o conhecimento das regularidades do funcionamento societal não é suficiente para dar conta das complexidades das dinâmicas sociais e, sobretudo, dos processos de mudança, pois é através desses processos que se criam assimetrias e interagem inúmeras racionalidades, já que os actores agem de forma diferenciada, têm acessos diferenciados aos recursos, possuem diferentes competências para interpretar e intervir no contexto em que se inserem. (Guerra, 2006: 9-10).

130 Isso mesmo nos dizem Ferreira de Almeida e Madureira Pinto quando afirmam que: «...a construção da teoria, é um processo com a sua própria lógica interna de desenvolvimento. (…) … acentua[ndo] o carácter de construção que o conhecimento científico reveste: o trabalho teórico não consiste na manipulação directa dos objectos reais, não consiste na abstracção - extracção de «essências» do real mas antes na produção de objectos de conhecimento capazes de servir de instrumentos para apropriação cognitiva (indirecta) desse real» (Almeida & Pinto, 1995: 69). 131 Considerámos interessante a ideia veiculada por Leonardo Boff de que «todo o ponto de vista é a vista de um ponto». (Boff, 1997: 9) 132 De novo apelamos a Almeida e Pinto (1995: 88-9) para esclarecer o que afirmamos: «…é possível mostrar (...) que não há observação sem categorização do observado e, portanto, sem referência a elementos (prévios, embora reformuláveis) de natureza ideológica ou teórica; que os dados são «captados», ou seja, que não são a realidade ela própria nem o seu registo passivo, antes transportam e impõem significações e constituem resultados/ pontos de partida da prática científica.

importante capacidade heurística susceptível de futuros e mais amplos desenvolvimentos (cf. o que já fora dito supra, pp. 103-4). O produto final é a resultante dos vários aspectos parcelares que constituirão um quadro, uma imagem que, de novo, – apesar de mais extensiva – apenas dará conta de parte da realidade. Trata-se de um «vaivem» que, em maior ou menor grau e, estabelecendo «um diálogo entre a teoria e a empiria», contribui para que se encontre matéria que contribua para «a integração dos resultados parciais, que envolve[ndo] igualmente recurso a operações lógico-diversas, (…) constituirá o último passo necessário à obtenção de um conhecimento científico novo, ou seja, à construção de objecto(s) (…) apto(s) a dar conta da «zona» de problemas e eventualmente integrável na matriz. (Almeida & Pinto, 1995: 88). No nosso trabalho tentámos perceber se a «realidade se aproxim[ava] ou se afast[ava] do modelo teórico». Corríamos o risco de que as nossas conclusões fossem infirmadas pelas teorias que as suportavam. Isso criou tensões e, até, contradições. Essa possibilidade, no entanto, mais do que um elemento de ruído constituiu um aspecto positivo pois, «uma tese muito consensual tende a desprezar tudo o que não está de acordo com o que é dito», como afirmou Almerindo Afonso.

Na nossa tarefa de recolha de dados, o trabalho empírico partiu de uma «perspectiva

compreensiva»133. Max Weber alerta-nos para o facto essencial a ter em conta de que «…é

“racionalista” o método da sociologia “compreensiva”. Este processo não pode, porém, naturalmente, compreender-se como preconceito racionalista da sociologia, mas meramente como recurso metodológico, importando pois não lhe dar interpretação diferente, nomeadamente no sentido da crença no efectivo predomínio do racional na vida. Pois nada nos adiantará sobre a medida em que, na realidade, considerações racionais dirigidas em finalidade

determinam ou não a acção efectiva134» (Weber, 2004a: 587). Foi nossa interpretação das

palavras de Weber que devíamos ter em conta a 'vida' diária de alguns dos principais intervenientes no processo ensino/aprendizagem para perceber o fenómeno social que leva a que, muitas vezes, os alunos passem – pelo menos – nove anos na escola, tenham

aproveitamento, e haja um tão elevado índice de «analfabetismo funcional»135. E porquê?

133 Essa opção por uma perspectiva compreensiva pode ser explicada da seguinte forma: «…a especificidade das perspectivas compreensivas é, sobretudo, a sua orientação para a identificação das práticas quotidianas e das emergências de novos fenómenos sociais, que elucidam ou transformam, no 'hic et nunc' das dinâmicas sociais, as regras ou as instituições existentes». (Guerra, 2006: 9).

134 Itálico no original.

135 Diz-nos o Conselho Nacional de Educação no seu parecer sobre Democratização e Qualidade de Ensino que «…a democratização do ensino não pode ignorar os saberes e conhecimentos, para além dos títulos escolares. O iletrismo [ou analfabetismo funcional] (incapacidade total ou parcial de ler ou escrever, seja porque nunca se utilizou o que se aprendeu, seja porque as aprendizagens foram deficientes) aparece nos últimos

Porque querer fazer sociologia é pretender «compreender interpretativamente a acção social, para deste modo a explicar causalmente no seu desenrolar e nos seus efeitos» (Weber, 2004a: 584). Partimos do abstracto para o concreto, da teoria para a prática. A teoria comandou a investigação, pelo que partimos da abstracção (que toda a teoria é) para a realidade que

queríamos investigar136. Na abordagem indutiva que realizámos, tentámos, utilizando as

ferramentas metodológicas já existentes, obter informação que fosse produtiva para o nosso

trabalho137.

Segundo Isabel Guerra, «a perspectiva compreensiva torna-se mais pertinente para explicar os períodos de crise» (Guerra, 2006: 8) tanto mais que, «a especificidade das perspectivas compreensivas é, sobretudo, a sua orientação para a identificação das práticas quotidianas e das emergências de novos fenómenos sociais» (Idem, ibidem: 22) e estes, geralmente, não são nem pacíficos nem consensuais. Ora, é de “crise” que se fala quando se aborda a escola. A investigação não é consensual. Encontramos desde quem pretenda «alertar para os “riscos” que correm as nações ou para o “massacre” do ensino quer, ao contrário, para

o facto que “le niveau monte”138 (Ch. Baudelot, R. Establet, 1991)» (CNE, 1994: 126). A

clarificação das questões educativas que nos propusemos trabalhar passava pela atenção, não das regularidades e simetrias que encontrássemos no fenómeno social mas, sobretudo, «dos processos de mudança, pois é através desses processos que se criam assimetrias e interagem inúmeras racionalidades, já que os actores agem de forma diferenciada, têm acessos diferenciados aos recursos, possuem diferentes competências para interpretar e intervir no contexto em que se inserem» (Guerra, 2006: 8).

Sendo este um capítulo metodológico, não deixaremos de falar d«os outros dois meios