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Capítulo IV – O modelo teórico e o percurso metodológico O incontornável mano a

1. Abordagem teórico-conceptual de um modelo de trabalho

1.2. A Sociologia da Experiência

Em 1994 é dada à estampa a 1º edição de Sociologie de l’Expérience. Aí, o sociólogo

francês François Dubet, lança os alicerces do que numa sociedade pós-moderna deve ser entendido como sendo o indivíduo e quais as explicações das suas atitudes por oposição à sociedade hodierna. Num sistema social que balança entre um determinado tipo de explosão

causada pela imensa quantidade de informação veiculada em sound bites, de fácil compreensão

e de características particularmente demagógicas, onde todos podem estar em todo o lado praticamente ao mesmo tempo e em tempo cada vez mais real, uma sociedade globalizada, ao alcance de um clique, o agente social vê-se, por outro lado, e quase paradoxalmente, vítima de uma dada sensação de implosão que o obriga a auto-segregar-se, o individualiza, o faz desconfiar de tudo e de todos contribuindo assim para a criação, não de um determinado tipo de individualidade, mas de individualismo, fruto da «distância subjectiva que os indivíduos mantêm em relação ao sistema. Os actores parecem nunca estar plenamente na sua acção, na sua cultura ou nos seus interesses, sem que esta distância possa surgir por isso como um defeito de

Contexto da Contexto da

estratégia política produção de texto

Contexto dos resultados /efeitos Contexto da

socialização. Eles conservam constantemente uma reserva e uma distância crítica» (Dubet, 1996: 16-7). Esta distância crítica tem a ver com a ruptura que se vem a verificar de o sujeito, cada vez mais indivíduo, cada vez mais autónomo, não mais estar integrado no sistema mas de integrar o sistema. Dubet não se limita a um jogo de palavras. A concepção do sujeito social é toda outra. Na primeira, esse agente tem uma visão de dentro. Ele é o sistema e o sistema é formado pela soma dos indivíduos. Agora trata-se de uma visão de fora, menos comprometida, heterogénea, de representação mais ou menos consciente de um papel (que Dubet refere ser mais uma estratégia do que um papel. Vide supra, pág. 104), de uma representação, de um jogo de máscaras, como dirá Machado Pais a propósito dos investimentos dos jovens na sua imagem: «encerrados na imagem de si mesmos abrem[-se] aos outros através de máscaras que simbolizam essa pluralidade de si mesmos» (Pais, 2003b: 369), ou, de acordo com Dubet e Martuccelli, sobre os docentes, a verdade é que «”o actor sozinho em cena” não é nunca o

mesmo porque o público muda, como mudam os humores116» (Dubet & Martuccelli, 1996:

234).

Aparece uma nova concepção de indivíduo social, a noção de actor social que vive a “sua” experiência numa lógica diferente da «da concepção “clássica” da acção [na qual] a personalidade é um efeito do papel e se mantém recuada, [enquanto] aqui o papel é vivido como o produto da “personalidade” definida como a capacidade de governar a sua experiência, de a tornar coerente e significativa» (Dubet, 1996: 16). Surge então a noção de “experiência” que Dubet prefere à de “acção” pois se tratam de lógicas autónomas, uma vez que o autor considera que existe, hoje em dia, uma alietoriedade na ligação entre estas duas noções (Idem, ibidem: 114). E é aqui que tentamos a articulação entre a abordagem do ciclo de políticas e esta dimensão de liberdade dos actores sociais que implica – ou pode implicar – uma incompleta socialização e, portanto, uma dinâmica de liberdade no seu isolamento e no seu distanciamento sociais, que faz com que as lógicas de implementação de imposições sociais (neste particular em termos de políticas educativas) aumente a sua (dos actores sociais) força e autonomia, aumentando também a dinâmica de conflito inerente à não-aceitação passiva de papéis sociais a ser impostos e desempenhados e mostrando que «a experiência social não é uma “esponja”, uma maneira de incorporar o mundo (…), [mas, justamente,] uma maneira de construir o mundo» (Idem, ibidem: 95). Remata Dubet dizendo que: «os papéis, e as posições sociais e a cultura não bastam já para definir os elementos estáveis da acção porque os indivíduos não 116 Aspas no original.

cumprem um programa mas têm em vista construírem uma unidade a partir dos elementos vários da sua vida social e da multiplicidade das orientações que consigo trazem» (Idem, ibidem: 16).

não remete para os mod

Porque «a sociologia da experiência social só pode ser uma sociologia dos actores» (Idem, Ibidem: 262) é particularmente atraente a sua convocação para sustentar teoricamente esta investigação que é um trabalho de compreensão das construções de escola, do «ofício de aluno» e da “profissão” docente e, com isso, da construção de um dado tipo de sucesso. Isso, fomo-lo vendo, vai acontecendo à revelia de uma retórica académica que apela a valores de justiça, de equidade, de emancipação cultural, de democracia, de igualdade de acesso e de sucesso, de Liberdade e de Humanidade e a gosto de uma outra retórica que valida sucessos políticos em função dos sucessos estatísticos assinalados nos e pelos resultados escolares. O ponto de vista é o da «experiência» de alguns dos seus actores, «em que as condutas não correspondem às expectativas e aos papéis atribuídos, em que a subjectividade

elos das atitudes e das representações propostas» (Idem. Ibidem: 262).

Procurámos perceber o ponto de vista dos professores. Dubet e Martuccelli mostram-nos, no estudo que fizeram da escola pública em França, que a transmissão desse “saber especializado” que é comummente designado por profissão docente se deve muitas vezes consideravelmente mais às saídas profissionais por excelência das licenciaturas ou a “acasos”

da vida, do que a uma genuína vocação para o exercício do seu métier (Dubet & Martuccelli,

1996: 215). Entendemos a utilização da palavra “acaso” por parte dos franceses como uma clara assumpção das contingências a que o actor está sujeito, que não consegue contornar, mas às quais não consente entregar a sua total adesão mantendo sempre uma atitude de «reserva e de distância crítica» (Dubet, 1996: 17). Essa ausência de motivação junta-se a todos os

problemas que a massificação do ensino117 acarretou e mantém, criando uma espiral de

“cepticismo”, de “esgotamento do optimismo”, de frustração sobre frustração (Dubet & Martuccelli, 1996: 230). Por fim, e em articulação, debatem-se os docentes com uma contradição que se tem assumido insanável e cuja responsabilidade a sociedade insiste em colocar nos seus ombros: por um lado, a escola de massas exigiu uma redefinição da forma 117 Queremos aduzir aqui um esclarecimento que nos parece de relevância. Convocamos, para tal, Eurico Lemos Pires na distinção que este autor fez de “massificação do ensino” por oposição a “ensino de massas” e que mostra bem que Dubet e Martuccelli se referem, de facto, à “massificação do ensino” com as consequências que daí advêm: «A diferença entre um ensino de massas e uma massificação do ensino consiste em que aquele representa uma nova concepção de ensino, a que corresponde uma mudança qualitativa intencionada, enquanto esta é apenas o resultado de uma simples expansão quantitativa do sistema de ensino sem que essas mudanças qualitativas intencionais se tenham produzido» (Pires, 1988: 28).

como eram considerados os níveis de exigência, enquanto que, ao mesmo tempo, a consciencialização por parte dos alunos e das famílias relativamente à importância da escolaridade como veículo de ascensão social aumentaram e continuam a aumentar consideravelmente. Os pais não compreendem porque é que o nível não acompanha as exigências do mercado em termos de qualificações. Estes problemas, angústias, dúvidas são encontr

s pais falam crescentemente de direitos mas esquecem-se, muito também, dos seus deveres.

ados com grande acuidade na escola portuguesa e deles fomos dando conta.

Cada vez é maior a importância de que a escola se reveste para mais pais, alunos, famílias. A tendência é para que – felizmente, dizemos nós – esse fenómeno continue a crescer de maneira cada vez mais pujante. Afirmámo-lo repetidamente ao logo do trabalho e essa é uma das conclusões que tiraremos deste estudo em termos de prioridade a assumir pela escola do presente e do futuro. Mas isso não se faz sem consequências. A educação é um bem escasso, afirmámo-lo. Esse bem tem um preço e a sua tradução passa pelo sucesso. Real ou aparente, essa é outra questão. A verdade é que de forma crescente a preocupação de pais e encarregados de educação passa pela garantia de uma escola de qualidade para os seus filhos. A qualidade, conceito polissémico, levar-nos-ia longe na sua compreensão. Qualidade é sinónimo, para muitos, para a maioria, atrevemo-nos a afirmar, de bons resultados escolares. Como competir nesse mercado de escolas de primeira e escolas de segunda qualidade, medida também pelo estatuto sócio-económico da sua população estudantil? Uma das possibilidades é dar conta de que a qualidade se reflecte nas notas que as pautas mostram. Mas o problema não é de fácil apreensão e resolução. As variáveis que o motivam são imensas. Dubet é claro nesse sentido: «Ao ofício de alunos, corresponde o ofício de pais e (…) as transformações da competição escolar, ligadas à massificação e à redução do mercado de emprego, deram a esta lógica «económica» uma verdadeira autonomia» (Dubet, 1996: 209). Mas esta lógica tem sido experienciada por parte dos docentes como uma “majoração” das suas responsabilidades, lado a lado com uma crescente diminuição das responsabilidades das famílias que se vão demitindo de Educar, na assumpção de que é à escola e aos professores que compete fazê-lo: «os pais são ao mesmo tempo “consumidores de escola” que só se preocupam com a carreira dos filhos e

deixam de assegurar o seu papel de educadores passando-o para a escola118» (Dubet &

Martuccelli, 1996: 218). Fazendo articulações, esta contradição tem sido vista como um dos problemas maiores que a escola enfrenta. Os docentes afirmam que o

Finalmente os alunos. São eles as personagens principais de toda esta investigação. É sobre eles, em última instância, que os problemas acabam sistematicamente por cair. Chamados a assumir responsabilidades que não pediram a ninguém para ter, vivem entre a imposição aprisionadora e a irreverência libertadora. Num dos extremos encontram-se os que aceitam a regra mais facilmente. Machado Pais caracteriza-os como sendo os “marrões”. Na extremidade oposta encontram-se os que se rebelam contra esse estado de coisas. O mesmo

autor definiu-os como sendo os “baldas” (Pais, 1993). Entre estes dois pólos de um continuum

analítico há vida, há estratégias, há actores que gerem, como podem – mais do que como querem – a sua experiência escolar, o seu «ofício de alunos». Concluímos com Dubet e Martuccelli que nos dizem que, «claro que a escola não se alterou, as desigualdades mantiveram-se ou aumentaram até e os alunos não parecem hoje mais felizes do que ontem» (Dubet & Martuccelli, 1996: 230-1).