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Capítulo IV – O modelo teórico e o percurso metodológico O incontornável mano a

2. Percurso metodológico

2.3. Os processos de recolha de informação

A análise feita foi, sobretudo, de índole qualitativa. Importa debruçarmo-nos um pouco sobre as razões que implicam essa opção metodológica, em detrimento de uma abordagem de ordem eminentemente quantitativa. Como já referimos, sendo nós actores do processo educativo que queremos estudar e vivendo o fenómeno diariamente, convivendo com todos os outros actores envolvidos nesse processo dinâmico – e, portanto, em constante mutação – parece-nos

que teria sidobastante redutor fazer um estudo em que a componente essencial fosse de ordem

estatística e matemática. Aquilo que nos interessou estudar foi o sentir e a forma de agir de

alunos e professores e não ‘apenas’143 elaborar listas mais ou menos extensas de dados

quantitativos com a frieza e o distanciamento que os números imprimem a qualquer leitura. Porém, a necessidade que vemos na também utilização de uma análise quantitativa é corroborada por uma série de investigadores que percebem que a lógica tem que ser a de inclusão de processos de análise que se completem e não de exclusão e de segregação criando

barreiras de ordem metodológica que redundam claramente em prejuízo para a investigação144.

No entanto, tivemos em grande conta a perspectiva de autores pós-modernos que referem o perigo que uma tendência para a formalização quantitativa pode ter na condução da investigação

142 Esta relação entre quem ensina, o que ensina e como ensina e quem é alvo desse ensino é deixada clara por François Dubet quando afirma que «a primeira qualidade daquele que ensina é a sua eficácia, a sua capacidade de obter resultados competitivos adaptando de modo preciso o seu ensino às provas; os alunos querem exercícios, explicações, rigor. Também querem justiça porque estão em rivalidade latente, e o professor é um árbitro na competição pelos lugares raros» (Dubet, 1996: 2009).

143 As comas justificam-se pois não deixaremos de fazer também uma análise quantitativa que, entroncando com aquela de ordem qualitativa, ajude a melhor perceber o fenómeno que nos propomos estudar.

144 A oposição entre metodologias quantitativas e metodologias qualitativas tem cada vez menos sentido, até pelas formas “quantitativas” de tratamento do “qualitativo”. Neste sentido, preferimos apelidar de “metodologias compreensivas ou indutivas” as metodologias que se socorrem de quadros de referência weberianos e de “lógico-dedutivas ou cartesianas” as metodologias que se socorrem de quadros de interpretação sistémicos ou funcionalistas. (Guerra, 2006: 7).

que eles defendem dever ser «uma abordagem mais criativa, aberta e “experimentalista” na escrita e análise de dados». (Bogdan & Biklen, 2006:43).

Nesta abordagem de ordem qualitativa fizemos uso de técnicas de observação participante e outras não-participante. Sobre as primeiras já discorremos o bastante para justificar a sua opção. Queremos no entanto reafirmar aqui que – sobretudo no que às entrevistas diz respeito – as vantagens evidentes são a proximidade que temos com os vários actores e a confiança que temos com eles e que nos dão certas garantias de honestidade aquando do trabalho empírico. Além disso, o conhecimento profundo dos meandros de uma qualquer escola assume-se como uma mais-valia e permite abrir portas e aproximarmo-nos de quem de direito e com interesse para realizarmos de forma rápida e correcta o nosso trabalho de investigação empírica. Por outro lado, e ainda quanto às entrevistas, percepcionávamos como sendo uma desvantagem o facto de, conhecendo como conhecemos a realidade, corrermos o

risco de falta de isenção e de distanciamento145. Outro elemento de desvantagem, não menos

importante e preocupante, implicava essa mesma confiança, e o facto de esse ‘à vontade’ se traduzir em respostas (e isto pode parecer paradoxal com o que atrás referimos) algo ou totalmente de circunstância e diplomáticas, não correspondendo de todo à verdade até porque, conhecendo a maior parte das pessoas que entrevistámos, a nossa proximidade profissional podia pôr em causa a sinceridade nas respostas que, por vezes, o desconhecimento dos entrevistados permite. Tentámos resolver a questão elaborando um guião de entrevista direccionada mas, em vez de nos sentarmos e gravarmos as respostas ou tomarmos apontamentos sobre elas, optámos por entregar a cada uma das pessoas que se disponibilizaram para connosco colaborar uma cópia com as perguntas e pedir que as respostas fossem dadas por escrito sob a capa do anonimato. Para que a segurança fosse total para as pessoas sugerimos que todas as respostas fossem dadas utilizando o tipo de letra Arial em corpo 10 e que fossem deixadas as respostas impressas em folhas de papel a colocar num local previamente combinado (cf. o guião das repostas e a forma que sugeríamos para as respostas no apêndice II, p. 231). Na prática, a maior parte dos colegas entregaram-nos em mão as suas respostas dizendo que não os preocupava o que eu pudesse fazer com elas pois assumiam inteiramente as afirmações que aí faziam.

145 Tivemos, no entanto, sempre em mente que «há sempre o perigo de o factor parcialidade se imiscuir nas entrevistas. O entrevistador pode, com a sua maneira de ser, influenciar os entrevistados» (Bell, 2004: 141); e que se «se está consciente de ter opiniões fortes acerca de determinado aspecto do assunto, terá de pôr um cuidado especial na maneira como formula certas questões» (Idem, ibidem: 143).

Mas não entrevistámos apenas professores. Os alunos tiveram uma palavra a dizer sobre o seu percurso escolar e qual o seu envolvimento em actos de estudo empenhado que os levassem à transição de ano. A utilização de elementos, frases, palavras, citações retirados de entrevistas foram um elemento forte de prova do que nos propúnhamos demonstrar. A dificuldade maior era conseguir, com um gravador ‘em punho’, que os entrevistados fossem completamente honestos nas suas afirmações. Além disso, queríamos entender, comparando técnicas diversas de recolha de informação, as coerências e disparidades que poderíamos encontrar. Tínhamos decidido passar um extenso inquérito por questionário aos alunos que frequentavam o 9º ano, em 2008/09.

Que fazer para triangular os dados que possuíssemos quer fossem dados principais (as entrevistas aos professores ou os inquéritos por questionário), quer se tratasse de dados complementares, documentais (as actas dos conselhos de turma, o Projecto Educativo da Escola, por exemplo)? Decidimos procurar ainda outra vertente e colher as opiniões de actores que já tivessem terminado o 9º ano, no ano lectivo transacto, e frequentassem agora o 10º ano de escolaridade. Pedimos o apoio de um grupo de alunos e tivemos 7 voluntárias disponíveis para

falar connosco146. Aí, entendemos que a melhor estratégia seria a entrevista em grupo,

designada frequentemente por “focus group”. Esta «técnica tornou-se extensamente conhecida por investigadores da área de Ciências Sociais, para a abordagem de determinados temas com mais profundidade, revelando certas características de um grupo e dos indivíduos que o compõem, que outras técnicas não permitem alcançar» (Galego & Gomes, 2005: 175-6). Qual era a percepção destes alunos do que tinha sido o seu percurso escolar? Sentiam eles que a escola agia correctamente quanto à forma como os discentes são avaliados e como vai sendo feita a construção do sucesso que se traduz nas estatísticas de aprovação/não aprovação?

Sabíamos que Carla Galego e Alberto Gomes entendiam que «podemos usar o focus group para

compreender a relação entre causa e efeito, perguntando às pessoas coisas acerca desse relacionamento. Podemos também fazer esta aplicação para nos ajudar a clarificar resultados invulgares, assim como para verificar conjecturas. Por fim, pode ser usado como interpretação alternativa aos resultados da pesquisa» (Galego & Gomes, 2005: 177). Foi isso que tentámos fazer. A entrevista usada em “focus group” teve um carácter estruturado (cujo guião consta na parte dos apêndices com o número III, pág. 269 e as respostas apêndice III – A, pág. 271) tendo,

146 Percebemos que a aquilo que queríamos saber era susceptível de encontrar hesitações e renitências por parte dos envolvidos. Sobretudo porque tínhamos em mente que «Às vezes, quando a participação na pesquisa é exigente, ou por razões éticas, o tema abordado for delicado, apelar-se-á a uma ‘amostra de voluntários’, fazendo um apelo para reunir pessoas que aceitem participar» (Laville & Dionne, 1999: 170).

porém a noção de que se houvesse necessidade não impediríamos as entrevistadas de enveredar por caminhos que pudessem ter interesse tornando assim a abordagem algo flexível e a entrevista acabou tendo um carácter semi-estruturado. Ao mesmo tempo abordámos um grupo de alunos de 11º ano com opções escolares ao nível do ensino profissional. Aqui, porque se tratava de uma turma com 28 alunos, percebemos que a entrevista individual não seria exequível, o “focus group” incluiria um número excessivo de alunos para surtir efeito e, assim, entendemos que seria melhor pedir-lhes um depoimento escrito, anónimo, onde nos falassem das suas experiências e percursos escolares. A receptividade foi total e todos os alunos da turma responderam, tendo-nos os textos sido entregues pelo delegado da turma em questão.

Como daqui decorre, os assuntos que pretendemos estudar saíram enriquecidos com

esses tipos de abordagem pois professores e alunos deram conta do seu sentir e da sua praxis

que é algo que não pode ser bem entendido sem recurso a eles próprios147. Isto é, apesar de

termos opiniões sobre aquilo que íamos estudar, precisávamos da opinião dos actores para entender se e até que ponto é que as nossas premissas tinham validade. Surpreendeu-nos mais a abertura encontrada nas respostas dos professores enquanto sentimos uma certa circunstancialidade e, citando Almeida & Pinto, até um certo “evitamento defensivo” (2005: 77) no assumir da construção e existência de percursos escolares mais ou menos sinuosos nas suas vidas escolares, aquando da entrevista de “focus group”.

Outras das técnicas privilegiadas de recolha de dados a estudar foi, já o referimos, o inquérito por questionário. Este tipo de abordagem interessava-nos de forma particular pois o público a quem passámos inquéritos era bastante numeroso prestando-se, esta técnica, de

forma ideal a grandes conjuntos de pessoas148. No entanto, é sabido que o que o inquérito por

questionário permite e facilita em termos de quantidade tem como desvantagem a ausência de profundidade que é possível conseguir com a entrevista. O questionário tem a grande vantagem de permitir a fácil análise estatística e, logo, quantitativa, da informação conseguida e, como já referimos anteriormente, ser um dos meios para que se faça a articulação entre métodos de

investigação predominantemente qualitativos e métodos essencialmente quantitativos149.

147 Essa importância é referida por Bogdan & Biklen (2006: 44) quando afirmam que «…às entrevistas em profundidade, os investigadores qualitativos tomaram seriamente em consideração actores sociais e categorias de comportamento…».

148 Almeida & Pinto mostram-no claramente (1995: 113) «…torna esta técnica adequada ao estudo ‘extensivo’ de grandes conjuntos de indivíduos…».

149 Veja-se a relevância que é dada à estatística e à sua aplicação em todas as formas de tratamento de dados de investigação: «As técnicas estatístico-matemáticas são instrumentos utilizados em praticamente todos os processos de pesquisa e integram certos “momentos” de boa parte das técnicas disponíveis» (Almeida & Pinto, 1995: 113).

O que se pretendeu com o recurso a variadas ferramentas de captação de dados foi exactamente fazer aquilo a que Taylor & Bogdan (1984: 68) se referem como «uma forma de o investigador se salvaguardar dos seus preconceitos e verificar relatos provenientes de várias fontes. Utilizando outros tipos de dados e provenientes de origens diversas, os observadores ganham ainda em profundidade e em clareza de compreensão do ambiente e das pessoas que estão a ser estudadas». Dito de outra forma, estamos aqui a falar de um procedimento frequente

designado por triangulação que se assume como a forma mais completa de um investigador

perceber se as informações provenientes de uma determinada técnica de recolha de informação podem ou não ser consideradas exactas em termos de conclusões a retirar do processo de investigação.

Este trabalho de ‘desbastar a pedra' procurando a estátua que nela se encerra –

relembrando aqui o produtivo tropo retirado do Sermão do Espírito Santo do Pe. António Vieira –

ou, se usarmos a metáfora cara a Stephen Stoer e a Luiza Cortesão, de a «levantar» procurando, na praia ou no bosque, toda a vida que debaixo dela se esconde, foi o ponto de partida do que adiante se segue. Sem este quadro metodológico nada do que fomos percebendo teria acontecido.

Capítulo V – a final pra ké keu bou xtudar?…

A fin de cuentas, la razon más probable de que el caballo no beba es que no tenga sed.

(Guy Claxton. Vivir y aprender. Psicología del desarrollo y del cambio en la vida cotidiana, p.215)

1. A Escola do ‘Bom Sucesso’