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A Definição Formal do Conceito de Conseqüência Dedutiva

Capítulo I O Conceito de Dedução e o Problema da Negação

1. Os Conceitos de Prova, Argumento e Conseqüência Dedutiva

1.4. A Definição Formal do Conceito de Conseqüência Dedutiva

A seguir, definiremos formalmente o conceito de conseqüência dedutiva de modo exatamente paralelo à definição das derivações em dedução natural. Para a definição das derivações em dedução natural, reenviamos o leitor ao Apêndice.

Comecemos observando que a base da definição do conceito de derivação está dada pelas derivações simples, onde uma única ocorrência de fórmula é ocorrência topo e ocorrência final da derivação, ao mesmo tempo. Esse tipo de derivação estará correlacionado às suposições. Uma única ocorrência de fórmula será uma derivação onde a ocorrência topo é uma suposição ou ponto de partida e ela é idêntica à ocorrência de conseqüência (ou conclusão). Em outros termos, faz sentido dizer que uma proposição é conseqüência dedutiva de si mesma. Já dissemos que não vemos nenhum sentido em dizer que uma única ocorrência de fórmula é um argumento onde assumimos uma proposição que ao mesmo tempo é a conclusão do argumento. Assim, consideraremos que as derivações simples são constructos que representam uma situação de conseqüência dedutiva elementar.

Definição I-1 - Definimos o conceito (a relação) de conseqüência dedutiva (⊩) como a

seguir, onde Γ,∆,∆1,∆2 estão sendo aqui considerados como conjuntos finitos de fórmulas

(eventualmente vazios):

(i) Γ∪{A}⊩A.

(ii) caso Γ⊩A1 e ⊩A2, então Γ∪∆⊩A1A2.

(iii) caso Γ∪{A1}⊩A2, então Γ⊩A1A2.

(iv) caso Γ⊩A e o parâmetro a não ocorre nas fórmulas de Γ, então Γ⊩∀xA[a/x].

(v) caso Γ⊩A1 ou Γ⊩A2, então Γ⊩A1∨A2.

(vi) caso Γ⊩A[a/τ], então Γ⊩∃xA[a/x].

(ix) caso Γ⊩A1A2, então Γ⊩A1 e Γ⊩A2.

(x) caso Γ⊩A1 e ⊩A1A2, então Γ∪∆⊩A2.

(xi) caso Γ⊩∀xA[a/x], então Γ⊩A[a/τ], onde τ é um termo.

(xii) caso Γ⊩A1∨A2, ∆1,A1⊩C e 2,A2⊩C, então Γ∪∆1∪∆2⊩C.

(xiii) caso Γ⊩∃xA[a/x] e ∆∪{A}⊩C tal que o parâmetro a não ocorre nas fórmulas de e

O conceito de conseqüência dedutiva foi definido na dependência do conceito de

conjunto finito e da operação de união de conjuntos. Porém, poderíamos tê-lo definido

empregando uma lista de suposições, com algumas alterações adicionais.

A cláusula (i) representa o fato de que uma proposição é conseqüência dedutiva de si mesma e, além disso, o fato de que uma proposição será dedutível de um conjunto de proposições quando ela for dedutível de um de seus subconjuntos. Sob esse aspecto, haveria uma diferença com respeito às regras de dedução natural. Essa diferença surgiria, segundo nossa opinião, da diferença que há entre mostrar (dedução natural) e enunciar (cláusulas de conseqüência dedutiva). Com respeito às demais cláusulas, não é difícil perceber que (ii)-(vi) correspondem às regras de introdução, assim como (ix)-(xiii) correspondem às regras de eliminação. Note-se que há um espaço na numeração para a introdução posterior de cláusulas envolvendo a negação.

O símbolo ∇ será usado para representar uma derivação em dedução natural e consideramos que ele representa o ato de mostrar a relação de conseqüência dedutiva, ao passo que o símbolo ⊩ estará sendo usado para falar da relação de conseqüência dedutiva. A definição acima é também uma forma de apresentar o conteúdo das regras de dedução natural, com a diferença de que nesse caso haveria uma menção explícita à relação de conseqüência dedutiva. Cada expressão da forma Γ⊩A pode ser asserida, ou seja, ⊢(Γ⊩A).

Para qualquer derivação em dedução natural, não é difícil ver que, se temos Γ⊩A e

∆∪{A}⊩B, então teremos Γ∪∆⊩B por composição de derivações, desde que tenhamos alguns cuidados com os parâmetros. Infelizmente, isso não é tão facilmente visualizável na definição clausal acima. Ou seja, essa propriedade requereria uma prova, que nos dispensaremos de apresentar, baseados na intuitividade do caso das derivações de dedução natural.63

Quanto às regras de dedução indireta, trataremos delas, com mais detalhes, no capítulo seguinte. Inicialmente, basta notar que a regra P a seguir é uma regra de dedução indireta64:

P: [A→B]i ∇ A — A Figura I-665

63 Essa propriedade corresponde à regra de corte do cálculo de seqüentes. Curry apresenta a prova da validade dessa regra. Ele o chama de teorema da eliminação, cf. [Cur63] págs. 22, 188, 208-213, 250, 265-267, 329, 363, 368. 64 Ver o Apêndice.

Nos sistemas em que uma regra dessa natureza tenha sido admitida, o conceito de conseqüência dedutiva deverá ter um caráter distinto, representado por uma cláusula adicional:

(xvi) casoΓ∪{A→B}⊩A, então Γ⊩A.

Com essa cláusula, a relação de conseqüência poderia ser estabelecida de forma indireta, o que também afetaria o conceito de argumento. Se, efetivamente, um argumento consiste em justificar a asserção de uma conclusão a partir das asserções das premissas, mostrando como se dá a relação de conseqüência dedutiva entre as premissas e a conclusão, torna-se mais problemático determinar o que estaria sendo mostrado quando a cláusula (xvi) fosse empregada. A priori, uma interpretação razoável seria a de dizer que, com essa regra, ao mostrar que A decorre de

Γ∪{AB}, então A deveria decorrer só de Γ, embora não tenha sido mostrado como isso se dá. A

justificativa para essa ilação é a de que não seria possível mostrar que A decorre de AB, exceto no caso em que a fórmula A já seja, ela mesma, válida. Seja como for, após a adição dessa cláusula, só poderíamos dizer que os argumentos mostram a relação de conseqüência dedutiva se modificarmos o sentido que normalmente atribuímos a palavra mostrar.

Acerca da disputa sobre a validade ou a invalidade da regra P, queremos primeiro destacar o fato de que a fórmula A→B é uma suposição no sentido mais usual da palavra. Ou seja, a leitura que fazemos da regra não é a leitura que um intuicionista faria. Para ele, a regra implicaria que, se houvesse uma prova hipotética de A a partir de A→B, então haveria uma prova de A. Mas essa leitura torna a regra indefensável. Podemos concordar que, se a prova hipotética fosse pensada como uma construção que transforma uma prova de A→B em uma prova de A, realmente seria difícil ver por que isso constituiria uma prova de A. Porém, se A→B for interpretada como uma suposição no sentido usual da palavra, então a regra informaria que A tem de ser conseqüência dedutiva de Γ caso tenhamos mostrado que ela se segue de Γ e da suposição de que A implica uma outra sentença qualquer. Essa interpretação mostra por que é relevante considerar um outro arcabouço conceitual para as regras de dedução natural, diferente do intuicionista. Parece-nos que, com este outro arcabouço, que foi justificado de forma independente, podemos dar algum sentido às regras de dedução indireta.

Como vimos, o conceito de conseqüência dedutiva foi definido por meio das cláusulas como uma relação e não como um predicado. Porém, em casos especiais, as derivações em dedução natural podem ter uma conclusão que não depende de nenhuma suposição. Nessas

65 Notamos que a suposição AB aparece sublinhada com um pontilhado. Com isso, pretendemos representar a possibilidade de que várias ocorrências topo distintas sejam descartadas pela regra. Para maiores detalhes, ver o Apêndice.

situações, pareceria não haver uma verdadeira relação de conseqüência dedutiva, pois um dos elementos da relação estaria faltando. Todavia, dado que, em geral, para qualquer relação de conseqüência ∆⊩A sempre será possível obter Γ⊩A tal que Γ⊇∆, segundo a cláusula (i), então, quando ⊩A, diremos que a proposição ou forma proposicional A é conseqüência dedutiva de

qualquer conjunto finito de formas proposicionais/proposições, ou ainda que ela é conseqüência dedutiva de forma absoluta, ou também que A é uma proposição/forma proposicional necessária.