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Convergência entre as Duas Noções de Refutabilidade acima Definidas

Capítulo II Sistemas Lógicos de Dedução Natural – Parte I

1. Sistemas Minimais sem Dedução Indireta

1.10. Convergência entre as Duas Noções de Refutabilidade acima Definidas

Acima, definimos uma noção de refutabilidade condicional representada dentro do sistema para preservação da verdade/provabilidade que consistia em mostrar que um determinado parâmetro proposicional B se seguia de um determinado conjunto de hipótese Γ,A, tal que B não estaria presente em Γ,A. Neste caso, dizíamos que A é refutável sob as hipóteses Γ. Por outro lado, também definimos um conceito de refutabilidade representado dentro do sistema para preservação da falsidade/refutabilidade tal que uma fórmula A seria considerada refutável a partir de um conjunto Γ de fórmulas refutáveis se derivássemos A diretamente de Γ (lembrando que estamos supondo a falsidade/refutabilidade das fórmulas de Γ). Queremos agora investigar as conexões entre as duas noções.

O símbolo ⊢ tem se prestado a algumas interpretações diferentes, que distam da sua concepção original como sinal de asserção. Um desses sentidos mais comuns é o de derivabilidade, a qual, em geral, é considerada uma noção sintática. Do nosso ponto de vista, duas leituras distintas poderiam ser empregadas sobre este símbolo, dependendo de que tipo de derivabilidade estamos tratando: derivabilidade em um sistema para a preservação da verdade ou derivabilidade em um sistema para preservação da falsidade.

Normalmente, admitimos a ocorrência de uma multiplicidade de fórmulas do lado esquerdo de ⊢, representando, com essa multiplicidade, uma lista de hipóteses, e, do lado direito, uma única fórmula, a conclusão. A razão parece ser a de que as derivações são pensadas como a representação de um argumento e nos argumentos, embora possamos ter várias premissas, sempre temos uma única conclusão. Considerando agora o sistema minimal para preservação da verdade, poderíamos interpretar a expressão Γ⊢MA de duas maneiras distintas.

(i.V) se todas as fórmulas de Γ forem verdadeiras/demonstráveis, então a fórmula A será verdadeira/demonstrável.

129 Esse sistema pode ser considerado como uma forma de apresentar o conceito de falsidade construtiva de Nelson [Nel49]. Na verdade, Nelson não dá regras de dedução, mas a definição 1, à pág. 17, pode ser interpretada como uma caracterização de regras de introdução. Notamos também que Prawitz formula regras de dedução natural similares às regras do sistema recém-definido, usando, entretanto, o operador de negação, em [Pra65], Apêndice B. Ou seja, o sistema Prawitz é um sistema para preservação da verdade. Talvez não seja demasiado, também, notar que as regras que Prawitz apresenta são uma reformulação das regras que F.Fitch apresentou em seu livro Symbolic Logic, de 1952. Segundo Prawitz, a noção capturada por Fitch seria uma extensão da noção de falsidade construtiva de Nelson.

(ii.V) se a fórmula A for falsa/refutável, então pelo menos uma das fórmulas de Γ será falsa/refutável.

A seguir, de modo similar, as interpretações que daríamos à mesma expressão de derivabilidade dentro do sistema minimal de preservação da falsidade/refutabilidade, Γ⊢MfA, seriam:

(i.F) se todas as fórmulas de Γ forem falsas/refutáveis, então a fórmula A será

falsa/refutável.

(ii.F) se a fórmula A for verdadeira/demonstrável, então pelo menos uma das fórmulas de

Γ será verdadeira/demonstrável.

Ora, vemos que as cláusulas que tratam da transmissão da verdade em cada um dos sistemas, ou seja, (i.V) e (ii.F), são bastante assimétricas entre si, assim como as cláusulas que tratam da preservação da falsidade, (ii.V) e (i.F), o são. Podemos dizer que a forma pela qual um sistema representa a transmissão da verdade é bastante distinta da forma pela qual o outro a representa. O mesmo vale para a transmissão da falsidade. Isso, nos parece, indicaria que as duas noções de refutabilidade definidas em cada um dos sistemas são de fato noções distintas. Todavia, não poderemos dizer que sejam irreconciliáveis. Mostraremos por que.

Se admitíssemos uma multiplicidade de fórmulas à direita do símbolo de derivabilidade, as interpretações que deveríamos dar à expressão Γ⊢∆ para o sistema de preservação da verdade seriam:

(iii.V) se todas as fórmulas de Γ forem verdadeiras/demonstráveis, então pelo menos uma

das fórmulas de será verdadeira/demonstrável.

(iv.V) se todas as fórmulas de forem falsas/refutáveis, então pelo menos uma das

fórmulas de Γ será falsa/refutável.

As interpretações para o sistema de preservação da falsidade seriam:

(iii.F) se todas as fórmulas de Γ forem falsas/refutáveis, então pelo menos uma das

fórmulas de ∆ será falsa/refutável.

(iv.F) se todas as fórmulas de ∆ forem verdadeiras/demonstráveis, então pelo menos uma das fórmulas de Γ será verdadeira/demonstrável.

A partir das cláusulas para seqüentes múltiplos dos dois lados do símbolo ⊢ apresentadas anteriormente, ao fim da secção 1.8, se houvesse derivabilidade Γ⊢∆, então, da esquerda para a direita, teríamos uma expressão de derivabilidade no sistema para preservação da verdade e, da

direita para a esquerda, a derivabilidade no sistema para preservação da falsidade. Além disso, as interpretações (iii.V) e (iv.F) convergiriam, assim como convergiriam as interpretações (iv.V) e

(iii.F).130

Logo, se amalgamássemos os dois sistemas, para a verdade e para a falsidade, em um só, poderíamos relacionar as duas noções de refutabilidade definíveis em cada um dos sistemas.

Se uma fórmula A for refutável no sistema para preservação da falsidade, a partir de uma lista de fórmulas refutáveis Γ, então valeria a seguinte relação de derivabilidade (considerando que, da esquerda para a direita, temos a leitura do sistema para preservação da verdade e, da direita para a esquerda, a preservação da falsidade): A⊢Γ. Se, além disso, A fosse refutável tout

court no sistema para preservação da falsidade, então Γ seria vazio. Logo, teríamos A⊢, ou seja, A

seria refutável no sistema para preservação da verdade. De outro lado, se A for refutável no sistema para preservação da verdade, a partir de um conjunto de hipóteses Γ, então valeria a seguinte relação de derivabilidade: Γ,A⊢. Novamente, se Γ fosse vazio, A seria refutável tout

court, A⊢, no sistema para preservação da verdade. Conseqüentemente, lendo a relação de

derivabilidade da direita para a esquerda, A seria refutável (ou seja derivável) no sistema para preservação da falsidade.

Contudo, é preciso notar, embora não apareça explicitamente, a possibilidade de amalgamar os dois sistemas em um só é resultado de haver admitido uma multiplicidade de fórmulas do lado direito do símbolo. Mas isso equivale a admitir um princípio lógico que não aparece explicitamente nas cláusulas. Esse princípio é um princípio de dedução indireta131 e, em dedução natural, corresponde à regra P. A propriedade de simetria da relação de derivabilidade equivale à admissão de um princípio de dedução indireta.