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1 A INCLUSÃO ESCOLAR DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: UMA BREVE

2.2 A DEPENDÊNCIA FINANCEIRA ENTRE OS ENTES FEDERADOS

A distribuição de receita tributária entre a União, os Estados e Municípios é feita pelo produto da arrecadação dos tributos17, cada um dos entes federativos tem competência para

instituir legislação específica conforme a CF/88 no artigo 145 e o Código Tributário Nacional, Lei nº 5.172/66, no artigo 6º e parágrafo único: “Os tributos cuja receita seja distribuída, no todo ou em parte, a outras pessoas jurídicas de direito público pertencerá à competência legislativa daquela a que tenham sido atribuídos” (BRASIL, 2012a, p. 61). Apesar disso, o sistema tributário tem estabelecido uma dependência dos entes federativos, visto que a participação ocorre em formato distinto conforme os dados da tabela 3.

Tabela 3 – Brasil – Participação dos entes federativos na composição do sistema tributário

ENTE FEDERADO

SÉRIE CRONOLÓGICA DE ANOS

2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 Federal 69,25% 69,21% 70,00% 69,38% 68,81% 68,94% 69,99% 69,06% 68,92% 68,39% 68,26% Estadual 25,58% 25,68% 24,85% 25,46% 25,71% 25,53% 24,47% 25,15% 25,27% 25,40% 25,37% Municipal 4,90% 5,11% 5,16% 5,16% 5,48% 5,53% 5,54% 5,79% 5,81% 6,21% 6,37% Fonte: BRASIL (2017d). Elaboração própria.

Fica evidenciado que os entes federativos enfrentam distorção de arrecadação e consecutivamente acaba em ausência de autonomia financeira entre si. Os dados apresentados na tabela 3 sobre o sistema tributário demonstram que na série histórica dos anos de 2005 até 2015, em um prazo de onze anos, houve pouca oscilação nos percentuais de participação na

17 O Código Tributário Nacional em seu art. 3º versa que “tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em

moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída por lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada” (BRASIL, 2012, p. 60).

arrecadação e com a predominância da receita tributária destinada à União, em seguida com repasse aos fundos de participação dos Estados e por fim os Municípios, sendo que estes ficam com arrecadação bem reduzida.

Outro elemento que se destaca para o entendimento das condições financeiras dos entes federativos é o modo que o sistema tributário brasileiro reúne a principal arrecadação dos tributos e a repartição das receitas, que ocorrem de forma indireta ou direta conforme os impostos previstos na Constituição Federal de 1988 detalhado no quadro 2.

Quadro 2 – Brasil – Classificação dos impostos que compõe o Sistema Tributário Brasileiro

Ente Federado CLASSIFICAÇÃO DOS IMPOSTOS

União

Art. 153, CF/88

II – Imposto sobre a Importação de Produtos Estrangeiros

IE – Imposto sobre a Exportação de Produtos Nacionais e Nacionalizados IR – Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza

IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados

IOF – Imposto sobre Operações de Credito, Cambio, Seguro, ou Relativas a Títulos ou Valores Mobiliários

ITR – Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural

IGF – Imposto sobre Grandes Fortunas (sem regulamentação)

Estados e do Distrito Federal

Art. 155, CF/88

ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviço de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação

IPVA – Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores

ITCMD – Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de quaisquer Bens ou Direitos

Municípios

Art. 156, CF/88

IPTU – Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana ISS – Imposto sobre Serviços

ITBI – Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis Inter Vivos Fonte: BRASIL (2012a). Elaboração própria.

A União divide um percentual da arrecadação das receitas tributárias com os Estados e Municípios. E os Estados também dividem parte de suas receitas com os municípios. Entretanto, o Brasil tem apresentado urgência e carência de uma reforma no sistema de arrecadação com o intuito de atender a demanda da descentralização dos entes federativos, uma vez que prevalece um sistema de arrecadação que prima por prerrogativas para a propriedade privada e de renda do capital, enquanto a principal arrecadação fica centralizada em pessoas de menor poder aquisitivo de rendimento do consumo e da condição trabalhista.

No Brasil, os tributos pesam efetivamente sobre os ombros dos cidadãos, especialmente os assalariados e consumidores, mas, paradoxalmente, são eles os que menos conhecem a respeito do intrincado e complexo Sistema Tributário. Portanto, reformar o sistema para torná-lo mais justo, simples e transparente é um requisito para alavancarmos o desenvolvimento econômico e social do país e dar resposta a uma demanda da sociedade em face a crescente conscientização sobre os direitos de cidadania (BRASIL, 2009, p. 43).

Há uma distorção relacionada aos municípios devido ao tipo de arrecadação do tributo, que segue indireto e regressivo que é o Imposto sobre Serviço, tais fatores são tidos como motivos de baixa arrecadação. Essa situação advém pela pouca condição de infraestrutura e qualificação técnica, ou seja, não dispõe de autonomia fiscal para expandir a arrecadação e acaba por onerar os custos financeiros para população e obtenção de poucos recursos públicos voltados especialmente às políticas sociais.

É importante frisar que os entes federativos são constituídos de distribuição territorial autônoma, heterogeneidade socioeconômica, certa capacidade de formulação e de articulação para criação e defesa de políticas próprias ou conjuntas através de programas e ações para setores específicos. Entretanto, essa estrutura é assimétrica em relação aos recursos financeiros e a política administrativa.

Apesar de a constitucionalização de número significativo de questões limitar o espaço de manobra dos grupos políticos e dos governos, o constitucionalismo brasileiro muitas vezes não foi capaz de sustentar o regime democrático, nem tampouco de encaminhar soluções para um dos problemas cruciais da prática do federalismo no Brasil, que são as desigualdades econômicas entre as regiões [...] A síntese que pode ser feita é que a solução para os principais problemas que afetam o federalismo brasileiro depende menos de como o federalismo está hoje desenhado na Constituição e das instituições que o modelam do que (a) do encaminhamento de conflitos políticos mais amplos, em que o das desigualdades regionais inscreve se, e (b) da redefinição de prioridades governamentais – tema, portanto, do território das políticas públicas e não da Constituição (SOUZA, 2005, p. 118-119).

Assim sendo, as disparidades regionais entre os entes federativos acabam em correlações de forças diante das desigualdades econômicas e sociais. Em relação a descentralização faz com que os estados e municípios fiquem em constante negociação com o governo federal, expressando uma dependência política.

Os entes federativos que detém melhor organização político administrativa acabam com maior influência nas tomadas de decisões para a obtenção de recursos financeiros e propiciam as melhores condições para implementação das políticas públicas, logo, com maiores possibilidades de amenizar as desigualdades sociais. Enquanto, os entes federativos com menor capacidade de barganha ou técnica muitas vezes têm ficado apenas com o arranjo de atender o interesse do sistema econômico e execução dos compromissos firmados pela União (CABRAL NETO, 2014). Isso agrega condições administrativas dispendiosa para o setor público, desvantagem de certos entes federativos por motivo de localização territorial, infraestrutura econômica e social de menos desenvolvimento.

Dessa forma, provoca uma disputa que aparece fortemente de modo competitivo entre os entes federativos como forma de atrair investimentos com a oferta de benefícios e incentivo

fiscais, tal fator ocorre devido à escassez de recursos por parte dos Estados e de alguns Municípios. Assim, promove um acirramento por novas fontes de financiamento e resulta até mesmo em processo de judicialização e distanciamento entre os entes federativos, que nem mesmo o Conselho Nacional de Política Fazendária tem resolvido este dilema (SOUZA, 2005). A Constituição Federal de 1988 descentralizou a arrecadação tributária, entretanto, não aconteceu de modo que haja garantia aos entes federativos, especialmente aos municípios, condição para efetivar os compromissos com as políticas sociais, e nem mesmo garantia que as decisões tomadas pela União não provoquem deterioração, o desmonte dos serviços públicos e tributação subserviente ao governo federal. Como exemplo dessa situação, podemos citar a dívida pública brasileira que a União assume como prioridade diante da execução das políticas sociais.

Pagamento de juros e amortizações resulta em quase 50% da arrecadação do Tesouro Nacional ano a ano, levando a sociedade brasileira a remunerar credores e investidores estrangeiros, cuja identidade não é conhecida, e que detêm a maior parcela do estoque da dívida (mais de 62%)” (MARIANO, 2017, p. 272-273).

Ainda nessa perspectiva do gasto público pela União, Reis (2017), menciona que:

No período de 2003 a 2014, continuando a política economia de Fernando Henrique Cardoso, os governos Lula e Dilma trataram como prioridade absoluta a destinação de recursos públicos para honrar o pagamento da dívida pública [...] Os governos Lula e Dilma destinaram cumulativamente, por meio do Orçamento da União, R$ 11,643 trilhões para a dívida pública (juros, amortização e refinanciamento). Esse montante de recursos destinados à dívida pública representou 18 vezes mais que os recursos destinados para a educação (R$ 638,031 bilhões) e, aproximadamente, 12 vezes mais que os recursos destinados à saúde (R$ 938,940 bilhões) (REIS, 2017, p. 28).

De tal modo, o pagamento da dívida continua sendo a prioridade para alocação dos recursos do fundo público. Em contrapartida o sistema tributário continua com arrecadação contínua da população, enquanto os direitos sociais são negados uma vez que os gastos públicos não têm sido prioritários para esse fim. Importante ressaltar que a atuação do Estado voltada para realidade brasileira [participação dos entes federativos] é extremamente necessária para que haja políticas sociais e enfrentamento da desigualdade estrutural do nosso país. No entanto, as áreas que objetivam o desenvolvimento humano e social têm recebido investimentos públicos aquém do almejado.

O país tem emitido títulos da dívida pública para pagar juros, endividando-se sucessivamente, inclusive em operação vedada pela lei, pois os juros são considerados despesas correntes pela Lei federal nº. 4.320/64, e a Constituição Federal, no art. 167, veda a emissão de títulos da dívida para pagamento das despesas correntes. Enquanto metade do orçamento federal é consumido com o pagamento de juros e amortizações da dívida, destina-se 0,27% para ciência e tecnologia, 0,01% para saneamento básico,

0,04% para a cultura, 0,56% para os transportes, 0,34% para segurança pública, 0,03 % para desporto e lazer, 0,87% para agricultura, 0,05% para urbanismo, 4,41% para a saúde e 3,91% para a educação (MARIANO, 2017, p. 273).

Esses índices demonstram que as decisões advindas da União afetam todo o sistema federativo, consecutivamente acaba conduzindo em efeito paradoxal diante da descentralização e até mesmo em ataque e violação dos direitos sociais constituídos como soberano no país pela Constituição Federal.

Compreendemos que para efetividade do desenvolvimento humano, em todos os aspectos inclusive o econômico, a educação pública deve ser prioridade de investimento financeiro público. Nesse sentido, as políticas públicas educacionais estão em constante contraste com a condição de dignidade humana e geram as tensões sociais como movimento de luta para subversão desta lógica econômica.

Países desenvolvidos gastam em torno de 3 (três) vezes mais para assegurar serviços públicos de qualidade, inclusive as economias de livre mercado. Nos países europeus, onde impera o Estado de Bem-Estar Social, a média gira em torno de 49,9% do PIB. A França gasta 57%, a Alemanha 44,1% e a Finlândia, líder no ranking, 58,1%, e é um dos maiores destaques em educação pública de qualidade. Nos Estados Unidos, gasta-se 38,8%. Ou seja, até mesmo em uma economia onde o Estado tem um peso menor do que na Europa, há um modelo de compromisso mínimo com a população, nem que seja limitado por lá à educação, à defesa e outros serviços essenciais (MARIANO, 2017, p. 268).

De tal modo, defendemos a necessidade da vinculação de receitas à educação pública como forma de garantia da oferta dos serviços educacionais para que haja um ensino público gratuito e de qualidade. Diante do que está posto o desafio é a repartição das receitas tributárias de maneira que os entes federativos possam garantir o compromisso social voltado ao bem comum das pessoas. Porque não basta uma designação de competência formal aos entes federativos, mas que haja o cumprimento das ações que gerem condições de vida humana material na realidade concreta.

Segundo Nogueira e Rangel (2011), o regime de colaboração mútua aliada à descentralização, conforme o documento constitucional, demonstram o compartilhamento de responsabilidade pela União e consecutivamente em menor compromisso de sua receita voltada para a política educacional. Ainda argumentam que o Estado aproveitou a oportunidade para compartilhar suas responsabilidades também com a sociedade civil, com legitimação de participação social e cidadã.

O Estado brasileiro na sua condição de sistema federativo concebe a educação como competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, instituída na Carta Magna no artigo 23, inciso V “proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à

ciência”. Dessa forma, fica inegável o compromisso do Estado pelo ensino obrigatório, público e gratuito estendido a todas as pessoas no território. Agora, a forma de organização fica designada como regime de colaboração mútua, mas com prioridade e limitação de responsabilidade para cada governo subnacional, segundo o artigo 211 e parágrafos:

Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino (EC nº 14/96, EC nº 53/2006 e EC nº 59/2009).

§ 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.

§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil.

§ 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio.

§ 4º Na organização de seus sistemas de ensino, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório.

§ 5º A educação básica pública atenderá prioritariamente ao ensino regular (BRASIL, 2012, p. 118-119).

Desse modo, a educação é tratada de maneira setorial administrativa e política, em que as diretrizes definidas pela União conduzem a composição da estrutura educacional estabelecida pelo pacto federativo (CABRAL NETO, 2014). A referência para organização da educação brasileira está condicionada a CF/88 no artigo 211, que, a União os Estados, o Distrito e os Municípios deverão organizar o ensino em regime de colaboração.

O documento constitucional deixa claro a competência comum dos entes federativos com a educação, entretanto, a organização do ensino fica definida de maneira geral e sem o detalhamento, isto permite que ocorra ações sobrepostas, sobretudo, com a necessidade de complemento advindo de emendas constitucionais, como exemplo, as Emendas Constitucionais Nº 14/96 e Nº 59/09, que estabeleceram competências aos entes federativos por etapas da educação básica.

O marco de repercussão da colaboração para a educação foi a elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei nº 9.394/96, que regulariza a organização do ensino em consonância com a CF/88, porém, no período que foi promulgada houve uma interferência das ideias neoliberais e resultou em simplificação do arcabouço legal, de maneira que permaneceu o compromisso público com a educação, mas consentiu a presença do interesse privado (CABRAL NETO, 2014).

Os entes federados estão articulados por funções normativas, ações, estratégias de gestão, avaliação, o financiamento como redistribuição e o caráter supletivo para arcar com

custos educacionais. Nesse sentido, têm-se os Planos Nacionais de Educação, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e os programas implementados pela União voltados para etapas e modalidades de ensino da educação básica.

Na atualidade, a união se coloca como centralizadora e definidora das políticas que serão executadas em níveis locais, contribuindo para aumentar a situação de dependência em relação ao centro. Como consequência dessa postura, os municípios continuam com autonomia limitada para a elaboração de suas políticas educacionais e passam a depender, cada vez mais, da assistência técnica e financeira da União, que utiliza o discurso de modernização gerencial para induzir a participação dos municípios na implementação e execução de políticas concebidas fora do âmbito local (CABRAL NETO, 2014, p. 66).

De maneira geral, para a organização de um sistema de educação na perspectiva do federalismo brasileiro é necessária regularização com a previsão de colaboração instituída como política de estado. “O grande desafio para a constituição de um sistema nacional de educação, que respeite o princípio da igualdade de todo brasileiro quanto ao direito à educação, independentemente de questões territoriais ou de coletividades políticas típicas do federalismo” (ARAÚJO, 2010, p. 240). A próxima seção, trata da política de fundos concebida para execução dos gastos na área da educação básica.