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A deriva secular e a confluência de motivos no PB

Mapa 4: Línguas com valor de identidade de formas na África – dados do WALS

2.1 A LÍNGUA PORTUGUESA NO BRASIL

2.1.3 Hipóteses para a formação do português brasileiro

2.1.3.1 A deriva secular e a confluência de motivos no PB

A deriva secular como responsável por mudanças linguísticas no PB é defendida por Naro e Scherre (2007). Os autores afirmam que a variabilidade na concordância nominal e verbal do PB, considerada como sendo de origem pós-crioula ou resultante de um aprendizado imperfeito de L2, como se verá nas seções a seguir, já estava prefigurado no novo sistema mais analítico da LP, antes mesmo de sair da Europa. Para os autores, tal estado de coisas se torna bastante plausível dada a deriva secular das línguas românicas, e indo- européias de maneira geral, em direção à uniformização morfológica, com a sobrevivência apenas das formas irregulares mais salientes. (NARO; SCHERRE, 2007, p. 32). Desse modo, o PB é caracterizado como uma continuação do PA com algumas alterações, já que, para os autores da hipótese, ainda não foram encontrados traços do PB que já não tenham ocorrido no PA/PE.

Naro e Scherre retomam o conceito de deriva do linguista norte-americano Edward Sapir (1921), para quem as línguas são geneticamente aparentadas por serem de uma mesma origem – o proto indo-europeu – assim, não se movem no tempo e no espaço de forma aleatória, mas são resultantes de uma deriva (LINS, 2009, p. 285). Desse modo, a fundamentação da hipótese da deriva secular está principalmente em documentos do PA. Naro e Scherre buscam nesses documentos evidências dos mesmos fenômenos encontrados no PB, e analisam, dentre outros, a concordância verbal e nominal do PB.

No que se refere à concordância verbal, Naro e Scherre argumentam que a redução morfológica se deve a um fenômeno fonológico – a perda da nasalização da vogal não acentuada final –, o que também ocorre em Portugal na fala popular. Os autores afirmam que, sem influências ameríndia ou africana, o mesmo fenômeno observado no Brasil ocorre em Portugal, e vão além, afirmando que o mesmo fenômeno aparece também em textos medievais portugueses. Quanto à concordância nominal, os autores apresentam dados da variação no latim clássico e nas línguas românicas modernas e consideram que “o processo da queda do -s final no português do Brasil [teve] seu início no português dialetal da Europa, que, por sua vez, estava apenas dando continuidade a uma deriva pré-românica”.

Para Naro e Scherre (2007, p. 25), tanto a história interna como a história externa apontam para a hipótese da mudança linguística natural. Com base em dados de estudos dialetológicos, afirmam que a variação na concordância nominal no PB é um “fenômeno geral, independente de localização geográfica” e concluem que as variáveis sociais mais relevantes para o entendimento desse fenômeno são a escolarização e o contraste rural/urbano.

Para os autores, a língua portuguesa vinda da Europa já possuía uma força que a impulsionava para uma dada direção/desenvolvimento, e, no Brasil, encontrou-se com forças da América e outras vindas da África e “juntas se reforçaram para produzir o português popular do Brasil”. Daí o termo “confluência de motivos”, cunhado pelos autores para dar conta dessas forças linguísticas e sociais.

Naro e Scherre (2007, p. 67) negam que tenha havido crioulização no Brasil e afirmam que não existem evidências que apontem para um pidgin prévio de base portuguesa que tenha contribuído com particularidades estruturais: “rejeitamos explicitamente a posição de que o português popular do Brasil é um semicrioulo, tem uma história crioula ou tem a ele subjacente uma leve crioulização”. A influência cultural das línguas indígenas e das línguas africanas não é negada por Naro e Scherre, porém, a influência gramatical de línguas africanas ou de quaisquer outras que não a portuguesa é rejeitada (LINS, 2009, p. 287).

A proposta da deriva secular tem recebido algumas críticas. De acordo com Lucchesi (2012):

Naro e Scherre concentram todos os seus esforços, não para reunir evidências empíricas que apoiassem a hipótese da deriva, mas em coletar fatos que servissem como contra-exemplo da participação do contato linguístico na formação do português popular do Brasil. (LUCCHESI, 2012, p. 268 e 269).

O autor critica ainda o fato de que admitir que a variação do PB não está associada ao contato entre línguas, como argumentam Naro e Scherre, não significa dizer que esteja associada à deriva secular. Lucchesi (2012, p. 263) também contesta os argumentos que Naro e Scherre utilizam para explicar a variação na concordância verbal no PPB, afirmando que tal processo não poderia ter sido desencadeado por conta de uma desnasalização já existente no PE, como afirmam Naro e Scherre.

Para Lins (2009, p. 288), “a documentação escrita, notadamente do PA, de que se vale Naro e Scherre para traçar suas análises, reflete apenas as tendências (...) e não sinaliza para uma quantidade expressiva de ocorrências”. Lins também considera incoerente a generalização de que os traços encontrados no PB têm sempre um ancestral no PE, e acrescenta que

O que realmente precisa ficar mais delineado no trabalho desses estudiosos é o modo que esse “confluir de motivações” lida com a influência africana e indígena, e ainda com o multilinguísmo, a mobilidade populacional, a “sociodemografia histórica” e a presença e ausência da escolarização no Brasil, haja vista serem esses aspectos significativamente consideráveis na conformação do PB (LINS, 2009, p. 290).

Por sua vez, Mattos e Silva (2006, p. 233) chama a atenção para a necessidade de estudos fundamentados na sintaxe do PA para o português moderno “não apenas no que se refere à concordância, como também a outras características sintáticas que distinguem PE e PB, como aspectos referentes ao sistema pronominal e à ordem sintática”.

Na subseção seguinte, apresenta-se outra hipótese que tem sido formulada para dar conta das particularidades do PB. Nesse caso, considera-se o contato linguístico fundamental para a formação da variante brasileira.