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PARTE I – PRINCÍPIOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

CAPÍTULO 2 – REFERENCIAL TEÓRICO

2.4 A Didática Crítica Intercultural

Candau (2012e, p. 126) diferencia os termos multiculturalismo e interculturalismo assumindo que a especificidade da abordagem intercultural “está em colocar a ênfase na interação entre distintos grupos socioculturais, favorecendo o diálogo entre seus sujeitos, seus saberes e práticas sociais”. Tal interação permite enfrentar “a conflitividade inerente a essas relações. Favorece os processos de negociação cultural, a construção de identidades de 'fronteira', 'híbridas', plurais e dinâmicas, nas diferentes dimensões da dinâmica social" (CANDAU, 2012b, p. 51). Essa abordagem “envolve muito mais que a tolerância ao outro diferente de mim. Implica o reconhecimento do outro; o diálogo entre os diferentes grupos sociais ou

culturais; a construção de um projeto comum, no qual as diferenças sejam integradas, fazendo parte do patrimônio comum” (LIMA, 2016, p. 58).

Para além da oposição reducionista entre o monoculturalismo e o multiculturalismo surge a perspectiva intercultural. Esta emerge no contexto das lutas contra os processos crescentes de exclusão social. Reconhece-se o sentido e a identidade cultural de cada grupo social. Mas, ao mesmo tempo, valoriza-se o potencial educativo dos conflitos. E busca-se desenvolver a interação e a reciprocidade entre grupos diferentes, como fator de crescimento cultural e de enriquecimento mútuo (FLEURI, 2001, p. 69).

A perspectiva intercultural se diferencia de outras abordagens que buscam preservar as diferenças porque, além de reconhecê-las, busca também “promover uma relação democrática entre os grupos involucrados e não unicamente uma coexistência pacífica num mesmo território. Esta seria a condição fundamental para qualquer processo ser qualificado de intercultural" (CANDAU, 2012b, p. 46). O reconhecimento do “outro” e o diálogo com ele, numa perspectiva de “negociação cultural”, é o cerne da didática intercultural, “capaz de favorecer a construção de um projeto comum, pelo qual as diferenças sejam dialeticamente integradas" (id., p. 51). Dessa forma, reconhece que os processos de hibridização cultural são frequentes nas diversas sociedades.

Em outras palavras, a interculturalidade prevê que o contato entre duas culturas pode modificar a ambas, favorecendo o nascimento de uma terceira que seria híbrida. Como diz Hall (1997, p. 3): “o resultado do mix cultural, ou sincretismo, atravessando velhas fronteiras, pode não ser a obliteração do velho pelo novo, mas a criação de algumas alternativas híbridas, sintetizando elementos de ambas, mas não redutíveis a nenhuma delas”. Nesse sentido, a cultura não é vista como algo estático, ou apenas como um conjunto de características imutáveis atribuídas a determinados grupos e às pessoas que pertencem a eles (CANDAU, 2012b) e, nesse sentido, reconhece que as identidades são abertas e em constante construção. Da mesma forma, Pérez Gómez (1994) e Canen (2004) defendem a necessidade de não se considerar as identidades como algo estático e acabado, pois, além da hibridização decorrente do contato entre duas culturas, uma mesma cultura possui, dentro de si, contradições e variantes, não se caracterizando como homogênea.

Para que haja, então, um diálogo entre as diferentes culturas – uma “negociação cultural”, como se refere Candau – Santos (2014) aponta uma condição primordial, a saber, o reconhecimento, por todas as partes envolvidas, da incompletude de sua cultura. Esse reconhecimento, paradoxalmente, só pode ocorrer quando se “olha” o mundo a partir da cultura do outro, “com um pé numa cultura e outro noutra”, visando “ampliar ao máximo a consciência de incompletude mútua através de um diálogo” (id., p. 31). Assim, “o reconhecimento de incompletudes mútuas é condição sine qua non de um diálogo intercultural” (id., p. 33).

A incompletude provém da própria existência de uma pluralidade de culturas, pois, se cada cultura fosse tão completa como se julga, existiria apenas uma só cultura. A ideia de completude está na origem de um excesso de sentido de que parecem enfermar todas as culturas, e é por isso que a incompletude é mais facilmente perceptível do exterior, a partir da perspectiva de outra cultura. Aumentar a consciência de incompletude cultural até ao seu máximo possível é uma das tarefas mais cruciais para a construção de uma concepção multicultural de direitos humanos (id., p. 29).

Candau (2010; 2012e; 2014) se utiliza da palestra proferida por Catherine Walsh23 na abertura do XII congresso da Association pour la Recherche Interculturelle (ARIC)24 para distinguir três concepções principais de educação intercultural: a relacional, a funcional e a crítica25. Embora todas assumam o diálogo entre sujeitos, seus saberes e suas práticas sociais, a primeira, que Walsh denomina de relacional, não leva em consideração a assimetria de poder entre pessoas e grupos de culturas diferentes, minimizando, assim, os conflitos que surgem a partir de suas relações interpessoais. A funcional seria, na verdade, uma estratégia para a manutenção das relações de poder vigentes, em que o diálogo entre os diferentes visaria, em verdade, assimilar os grupos socioculturais subalternizados à cultura hegemônica.

Tanto Candau como Walsh, então, defendem uma didática que, além de ser intercultural, tenha o atributo de ser “crítica”, ou seja, busca colaborar com processos de transformação estrutural da sociedade, questionando e afetando a sua lógica

23 Professora da Universidad Andina Simon Bolívar (sede do Equador) cujo foco de trabalho é a interculturalidade crítica e a descolonização. Mais informações sobre seu foco de trabalho podem ser encontradas no seguinte endereço: <http://catherine-walsh.blogspot.com.br>. Acesso em: 19/08/2015.

24 Realizado em Florianópolis no ano de 2009.

25 A interculturalidade funcional e a crítica são explicadas por Walsh a partir do trabalho de Tubino (2005).

básica e com o objetivo de empoderar os grupos socioculturais que foram historicamente inferiorizados (CANDAU, 2010; 2012e; 2014). Assim, por “teoria crítica”, adotarei a compreensão de Santos (2002, p. 23), a saber:

[...] toda a teoria que não reduz a "realidade" ao que existe. A realidade, qualquer que seja o modo como é concebida, é considerada pela teoria crítica como um campo de possibilidades e a tarefa da teoria consiste precisamente em definir e avaliar a natureza e o âmbito das alternativas ao que está empiricamente dado. A análise crítica do que existe assenta no pressuposto de que a existência não esgota as possibilidades da existência e que, portanto, há alternativas susceptíveis de superar o que é criticável no que existe. O desconforto, o inconformismo ou a indignação perante o que existe suscita impulso para teorizar a sua superação (SANTOS, 2002, p.23).

Para McLaren (2000, p. 96), uma das tarefas da pedagogia crítica é possibilitar a reflexão de como instituições dominantes podem ser transformadas de modo que não favoreçam dinâmicas de indiferença, de valorização de uma determinada estética, de dependência econômica e cultural e de relações assimétricas de poder. Para se atingir esse objetivo, Candau propõe ações em sala de aula para promover uma educação intercultural na perspectiva crítica e emancipatória, a serem articuladas em quatro eixos: desconstruir, articular, resgatar e promover. O primeiro,

desconstruir, diz respeito às ações de reconhecer os preconceitos e discriminações

presentes na sociedade, inclusive em nós mesmos, e questionar o caráter monocultural e etnocentrista que impregna as instituições educativas (CANDAU, 2012b).

O eixo articular diz respeito ao ato de articular igualdade e diferença, conforme explicado, tanto em políticas públicas como em práticas pedagógicas, valorizando-se a diversidade cultural e o direito à Educação de todos. Já o eixo resgatar diz respeito aos processos de construção de identidades, tanto pessoais como coletivas, com especial atenção aos processos de hibridização cultural e de criação de novas identidades. Candau (2012b, p. 48) ressalta mais uma vez a necessidade de se trabalhar a partir de um “conceito dinâmico e histórico de cultura, integrando raízes históricas e novas configurações, evitando-se uma visão das culturas como universos fechados e em busca do 'puro', do 'autêntico' e do 'genuíno' como uma essência pré-estabelecida e um dado que não está em contínuo movimento".

Por fim, o eixo promover visa às experiências de interação sistemática com os “outros”, com o intuito de sermos capazes de relativizar nossa própria maneira de

situar-nos diante do mundo e atribuir-lhe sentido. Nesse eixo, a autora inclui a ação de reconstruir a dinâmica educacional, reforçando a necessidade de não relegar a interculturalidade a algumas situações ou atividades pontuais e nem com foco em apenas alguns grupos culturais específicos. Inclui ainda favorecer processos de “empoderamento de atores sociais que historicamente tiveram menos poder na sociedade, que “começa por liberar a possibilidade, o poder, a potência que cada pessoa tem para que ela possa ser sujeito de sua vida e ator social" (id., p. 50).

A partir disso, a autora afirma que essas ações todas se ancoram na premissa central de que os conhecimentos e saberes trabalhados nas instituições de ensino não são neutros e absolutos – ou seja, “dados inquestionáveis” – mas sim ligados a universos culturais e sociais plurais e permeados por relações de poder. Assim, “não há verdades absolutas e nem certezas definitivas que superem a passagem do tempo e espaço, apenas certezas relativas, situacionais, construídas aqui e agora a partir de argumentos e contraste empírico e simbólico” (PÉREZ GÓMEZ, 1994, p. 83 – tradução nossa) 26. Dessa forma, Candau (2012e, p. 130) advoga a necessidade de se entender os conhecimentos e saberes27 como construções localizadas social e historicamente:

Parto da afirmação da ancoragem histórico-social dos diferentes saberes e conhecimentos e de seu caráter dinâmico, o que supõe analisar suas raízes históricas e o desenvolvimento que foram sofrendo, sempre em íntima relação com os contextos nos quais este processo se vai dando e os mecanismos de poder nele presentes [...] o importante é reconhecer a existência de diversos saberes e conhecimentos no cotidiano escolar e procurar estimular o diálogo entre eles, assumindo os conflitos que emergem desta interação.

Da mesma forma com que Candau se posiciona contra uma suposta “universalidade” do conteúdo ensinado, McLaren (2000) chama a atenção para os interesses materiais de determinados grupos – em especial os brancos europeus – na construção de “efeitos de verdade” por meio dos conhecimentos trabalhados nas

26 No original: “No hay verdades absolutas, ni certidumbres definitivas que superen el paso del tiempo

y el espacio solo certezas relativas, situacionales, construidas aquí y ahora a partir de argumentación y el contraste empírico y simbólico”.

27 A autora ressalta que alguns autores empregam os termos “saberes” e “conhecimentos” como sinônimos, enquanto outros os diferenciam e problematizam a relação entre eles. Ela entende por conhecimentos os “conceitos, ideias e reflexões sistemáticas que guardam vínculos com as diferentes ciências. Estes conhecimentos tendem a ser considerados universais e científicos, assim como a apresentar um caráter monocultural. Quanto aos saberes, são considerados produções dos diferentes grupos socioculturais, estão referidos às suas práticas cotidianas, tradições e visões de mundo. São concebidos como particulares e assistemáticos” (CANDAU, 2012e, p. 130).

instituições de ensino. Porém, diversos autores, como Pérez Gómez (1994) e Santos (2014), por exemplo, alertam para a necessidade de não se cair no outro extremo, o de um “relativismo cultural” em termos do que se ensinar. Segundo Candau (2012b, p. 28):

A Educação como instituição está construída tendo por base a afirmação de conhecimentos e valores considerados universais, uma universalidade muitas vezes formal que, se aprofundarmos um pouco, termina por estar assentada na cultura ocidental e europeia, consideradas como portadoras da universalidade. A questão colocada hoje supõe perguntarmos e discutirmos que universalidade é essa, mas, ao mesmo tempo, não cairmos num relativismo absoluto, reduzindo a questão dos conhecimentos e valores veiculados pela Educação formal a um determinado universo cultural, o que nos levaria inclusive a negar a própria possibilidade de construirmos algo juntos, negociando entre os diferentes, e à guetificação. A questão do conhecimento e dos valores transculturais - preferimos esta expressão - faz com que nos situemos de uma maneira crítica em relação aos conhecimentos e valores universais tal como estamos acostumados a considerá-los, assim como em relação ao relativismo cultural radical. 28

A visão dos conhecimentos e saberes escolares – ou, no caso desta pesquisa, saberes universitários de Música – como algo que não seja neutro, universal e destituído de uma ancoragem sócio-histórica leva a outra premissa tida como central da Didática Crítica Intercultural proposta por Candau (2012a), a saber, a necessidade de se negar a padronização de alunos, evitando-se trabalhar em sala de aula com um "aluno médio" hipotético. Para a autora:

A cultura escolar dominante em nossas instituições educativas, construída fundalmentamente a partir da matriz político-social e epistemológica da modernidade, prioriza o comum, o uniforme, o homogêneo, considerados como elementos constitutivos do universal. Nesta ótica, as diferenças são ignoradas ou consideradas um "problema" a resolver (CANDAU, 2012d, p. 83 – grifos nossos).

Com isso, Candau quer dizer que “os/as alunos/as estão exigindo de nós, educadores/as, novas formas de reconhecimento de suas alteridades, de atuar, negociar, dialogar, propor e criar. Estamos desafiados a superar uma visão padronizadora de suas identidades” (CANDAU, 2012c, pg. 60).

28 Diversas pesquisas que abordam a problemática do relativismo cultural foram realizadas por membros do Grupo de Estudos sobre Cotidiano, Educação e Culturas (GECEC), coordenado pela Profa. Vera Candau, e por membros do Grupo de Estudos sobre Inter/multiculturalidade e Formação de Professores (GEIFoP), liderado pela Profa. Emília Freitas de Lima, cujo vice-líder é o Prof. André Luiz Sena Mariano. Para mais informações sobre as pesquisas do GECEC, consultar a página do grupo na internet: <www.gecec.pro.br>. Para mais informações sobre as pesquisas realizadas pelo GEIFoP, vide Lima e Mariano (no prelo).

É interessante ainda notar, conforme grifo meu no excerto anterior, que a autora coloca em dúvida alguns pressupostos de matriz modernista em que as instituições de ensino estão ancoradas atualmente – incluindo-se aí as universidades. Em suas palavras, “a Educação escolar, configurada a partir da modernidade, está instada a ser ‘reinventada’ para enfrentar as questões atuais de um mundo complexo, desigual, diverso e plural" (CANDAU, 2012e, p. 111). Dessa forma, a autora reconhece que o pós-modernismo pode oferecer alguns subsídios que podem contribuir para a superação desses pressupostos, porém reconhecendo a complexidade e falta de consenso sobre o significado do termo:

[...] partimos do pressuposto de que a crítica pós-moderna oferece elementos importantes para se repensar a pedagogia e a didática na perspectiva crítica, no contexto de sociedades cada vez mais marcadas por condições de vida que trazem as marcas da nossa contemporaneidade. Portanto, se trata de trabalhar as possíveis articulações e de, sem negar o horizonte emancipador da perspectiva crítica, incorporar novas questões que emergem da perspectiva pós-moderna, como as relativas à subjetividade, à diferença, à construção de identidades, à diversidade cultural, à relação saber-poder, às questões étnicas, de gênero e sexualidade, etc. A categoria cultura é, sem dúvida, central nesta perspectiva (CANDAU, 2002, p. 153).

Salientando que essa posição pode suscitar debates e controvérsias, a autora reconhece os limites que o pós-modernismo impõe:

Suas preocupações [do pós-modernismo] com a diferença e a subjetividade dão elementos para perguntarmos pelas bases que sustentam o ideal moderno de uma vida boa e humana, levantam questões sobre a construção de narrativas e seu significado e papel regulador, questionam a dependência do modernismo em relação a teorias totalizantes baseadas no desejo de certezas e de absolutos, propõem um discurso capaz de incorporar a importância do contingente, do específico, do histórico como aspectos centrais de uma pedagogia libertadora, entre outras contribuições. Talvez se possa afirmar que a principal contribuição da perspectiva pós- moderna à Educação seja uma visão mais rica, complexa e abrangente das relações entre cultura, conhecimento e poder. No entanto, esta afirmação não quer dizer que não sejamos conscientes dos limites da visão pós- moderna, particularmente no plano epistemológico e no nível da radicalização de processos democráticos (id., ibd.).

As ressalvas em relação ao pós-modernismo podem ser mais bem entendidas a partir de McLaren (2000), que identifica duas tendências teóricas distintas a partir do conceito, cada uma recebendo uma nomenclatura distinta, a depender do autor que a ela se refira. A primeira, que pode receber os nomes de pós-modernismo lúdico, espectral, cético ou reconfortante, dentre outros, não se preocupa com

opressões, desigualdades, injustiças etc. na ordem social vigente, não chegando mesmo a ter como preocupação qualquer tipo de ruptura ou mudança, limitando-se a aceitar todos os discursos, signos, linguagens etc. e a combiná-los.

Há, porém, outro tipo de pós-modernismo que, antagonicamente ao anterior, reconhece os diversos conflitos sociais oriundos da modernidade e propõe mudanças estruturais na ordem social presente. Segundo McLaren (2000), esta linha teórica pode ser denominada pós-modernismo oposicional, crítico, “teoria crítica radical” ou “Educação pós-moderna”, dentre outros. O autor prefere o termo pós- modernismo de resistência e se alinha a esta tendência. Boaventura de Souza Santos (2002) cunha o termo pós-modernismo inquietante ou de oposição e, em meu entendimento, as premissas da pós-modernidade com as quais Candau (2012a) dialoga se alinham a ele.

Para Santos (2002), as grandes promessas da modernidade não foram cumpridas ou seu cumprimento redundou em efeitos perversos. Com isso, o autor reconhece a existência dos problemas que a modernidade aponta, mas acredita que sua solução passa por procedimentos pós-modernos, ou seja, que fujam à lógica paradigmática da modernidade.

[...] enfrentamos problemas modernos para os quais não há soluções modernas. Segundo uma posição, que podemos designar por pós- modernidade reconfortante, o facto de não haver soluções modernas é indicativo de que provavelmente não há problemas modernos, como também não houve antes deles promessas da modernidade. Há, pois, que aceitar e celebrar o que existe. Segundo outra posição, que designo por pós-modernidade inquietante ou de oposição, a disjunção entre a modernidade dos problemas e a pós-modernidade das possíveis soluções deve ser assumida plenamente e deve ser transformada num ponto de partida para enfrentar os desafios da construção de uma teoria crítica pós- moderna (SANTOS, 2002, p. 29).

Um dos problemas da modernidade apontado pelo autor diz respeito ao fato de que a sua busca por ordem acabou sobrepujando a busca por solidariedade, entendida como emancipação. Nisso, teria sido criado um estado de ignorância no qual o outro é visto como um objeto e não como um sujeito. Nesse caso, sair deste estado de ignorância e atingir o conhecimento inclui reconhecer o outro, progredir no sentido de elevá-lo da condição de objeto à condição de sujeito. Isso seria a solidariedade que Santos (2002, p. 30) propõe: “estamos tão habituados a conceber o conhecimento como um princípio de ordem sobre as coisas e sobre os outros que

é difícil imaginar uma forma de conhecimento que funcione como princípio de solidariedade. No entanto, tal dificuldade é um desafio que deve ser enfrentado".

Continua o autor dizendo que a primeira implicação de se conceber o conhecimento como solidariedade, como emancipação, é justamente a necessidade de se caminhar do monoculturalismo para o multiculturalismo. E explica: “como a solidariedade é uma forma de conhecimento que se obtém por via do reconhecimento do outro, o outro só pode ser conhecido enquanto produtor de conhecimento. Daí que todo o conhecimento-emancipação tenha uma vocação multicultural” (SANTOS, 2002, p. 30).

Santos aponta, então, duas ações que devem ser combatidas na lógica do conhecimento emancipador. A primeira é o silenciamento a que as culturas desprezadas pela cultura dominante foram submetidas. Contra isso, defende a necessidade de comparação entre os discursos hegemônicos e contra hegemônicos, e a análise da hierarquia que existe entre eles e os “vazios” que tais hierarquias produzem. A segunda é a superação das diferenças existentes entre as culturas por meio de uma “tradução” de uma para outra, pois a não inteligibilidade de práticas, necessidades, visões de mundo, valores etc. de uma cultura por outra levaria à indiferença.

Pérez Gómez (1994) reforça a necessidade de as culturas dialogarem, afirmando que quando isso não ocorre há terreno para o fortalecimento de posturas nacionalistas e fundamentalistas que provocam opressões a determinados segmentos culturais. Além disso, continua o autor, sem esse diálogo a humanidade abre mão de um dos pilares fundamentais de seu progresso, que é o enriquecimento através da comunicação de distintas experiências, sejam elas sucessos ou fracassos, por diferentes grupos humanos.

Outro aspecto importante de uma didática que seja crítica e se baseie na interculturalidade, de acordo com Candau (2012a, p. 132-133), diz respeito ao fato de os educadores terem que levar em consideração as novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) nos processos de ensino e aprendizagem: “a chamada cultura digital vem configurando subjetividades, provocando novas formas de desenvolvimento da cognição e favorecendo lógicas diferenciadas de construção de conhecimentos". Esse aspecto é particularmente importante no ensino de Música, uma vez que as TICs, e em especial a internet, revolucionaram as formas como ouvimos e produzimos Música atualmente (GOHN, 2013).

Por fim, Candau ressalta um aspecto que considero particularmente importante e que já foi discutido neste trabalho: o fato de o professor em geral – e o professor universitário em especial – ser formado como um especialista em sua área de conhecimento, sem uma formação pedagógica adequada.

A identidade docente tem estado fortemente ancorada no domínio de um conhecimento específico do qual o/a professor/a é considerado/a especialista. A posse deste chamado "conteúdo" não é colocada em