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A DIFERENÇA ENTRE A VERDADE JORNALÍSTICA E A VERDADE

A imprensa e o Poder Judiciário exercem suas atividades de maneiras totalmente distintas, principalmente no que diz respeito ao fator tempo. É impossível que o Poder Judiciário, ou a Autoridade Policial realizem o trabalho de elucidação de fatos do mesmo modo e com a mesma rapidez que a mídia, pois a atividade jornalística é feita com “pressa”, visto que no referido ramo mais importante do que dar a notícia, é dar a notícia rápido.

O ritmo veloz de produção gera ainda outras consequências importantes: obriga o repórter a divulgar informações sobre as quais não tem certeza; reduz, quando não anula, a possibilidade de reflexão no processo de produção da notícia, o que não apenas aumenta a probabilidade de erro como, principalmente e mais grave, limita a possibilidade de matérias com ângulos diferenciados de abordagem, capazes de provocar questionamentos no leitor; e, talvez mais importantes, praticamente impossibilita a ampliação do repertório de fontes, que poderiam proporcionar essa diversidade (MORETZSOHN, 2002, p. 70).

Desta forma é inviável que o Poder Judiciário atue na mesma velocidade que a imprensa, o que faz nascer no público em geral a sensação de incapacidade da justiça em atender as demandas com celeridade. Aqui a noção de demora é totalmente distorcida, pois a mídia tem a faculdade de repercutir os fatos sem submete-los a um juízo de verificação, ou, sem permitir o amadurecimento das informações através de uma análise minuciosa dos elementos de convicção encontrados.

De outro lado o Poder Judiciário é obrigado a averiguar os fatos com muito mais cautela, baseando-se nas regras do devido processo legal, o que faz com o que o ritmo de trabalho empregado seja mais demorado do que aquele exercido pela imprensa diante dos mesmos acontecimentos.

A boa justiça é concebida em tempo lento, onde se pensa, medita-se até encontrar a melhor solução ou os melhores argumentos para a conclusão, porque o processo é a pesquisa da verdade. [...] O tempo para a conclusão de um processo de conhecimento depende da complexidade do problema deduzido, da argumentação das partes e do tipo de prova que a verdade exige. [...] Essa demora necessária à solução dos conflitos passou a ser o alvo preferencial das críticas em tempo de “velocidade máxima”. [...] A pressa ou velocidade na justiça só produz o acordo cada vez menos satisfatório, levando a pessoa ao ponto de desistir da justiça institucional. [...] A velocidade não é apenas um pseudovalor, utilizado para qualificar de antiquado e ruim tudo o que não estiver no seu compasso. A valorização que se lhe atribui produz na mesma escala a desvalorização do papel da justiça, onde os argumentos essências não são utilizados, bastando repetir à exaustão que ela é morosa para cair na rejeição popular e ficar pacífica a sua inutilidade. Assim, o enaltecimento da velocidade não é apenas mais uma campanha de venda de um produto, mas uma tarefa política, através da qual condenam-se instituições,

modelos, pessoas e coisas, sem qualquer reflexão prévia, debate ou conscientização. A velocidade passou a ser não apenas a “sentença” de sobrevivência da justiça, mas também o elemento principal para seu desmonte de esgotamento (MACCALÓZ, 2002, p. 161-171).

Neste contexto, fica clara a inviabilidade de o Judiciário averiguar e responder às demandas criminais com soluções tão rápidas quanto as midiáticas, o que contribui para que a imprensa adote o papel de “instituição eficiente” que tem a capacidade de atender às expectativas da sociedade.

No mesmo sentido:

Está-se diante de um terreno bastante propício para a repercussão da ideia da “responsabilidade social da imprensa” [...], com a particularidade de que aqui não se trata apena de cumprir sua missão tradicional de “esclarecer os cidadãos”, constatando-se a tendência de a mídia se substituir às instituições públicas responsáveis pela apuração e julgamento de crimes, ora para coadjuvar a polícia na atividade investigativa, ora para fazer a justiça funcionar como deveria (SCHREIBER, 2008, p 359).

A asserção a respeito do papel que a mídia representa, de grande instrumento da luta contra a impunidade, principalmente em casos de corrupção, é bem explicada por Ana Lúcia Menezes Vieira, que sobre o assunto dispõe:

Hoje, em virtude do crescimento da criminalidade organizada e corrupções de toda ordem envolvendo pessoas detentoras do poder econômico e político, tornaram-se difíceis a investigação e o combate dessas condutas delituosas pelos órgãos competentes, dada a complexidade intrínseca à elas. Isso cria um sentimento público de impunidade e acaba gerando uma crença na opinião pública de que são os meios de comunicação de massa, muitas vezes, que trazem à tona os fatos criminosos, e não os órgãos normais da persecutio criminis, que só posteriormente exercem seu mister de investigar e punir (2003, p. 203, grifo nosso)

A necessidade de tempo para correta avaliação dos fatos é imprescindível para a formação da chamada “verdade processual”. A prolação de uma sentença é resultado do decurso do tempo no qual se dá a valoração das provas e teses trazidas aos autos. Assim, a justiça trata os elementos levados ao seu conhecimento de uma maneira diversa daquela adotada pela imprensa.

Assim “o necessário distanciamento da verdade apreendida fora do processo e o amadurecimento das questões sob julgamento são essenciais para que se chegue ao veredicto processualmente válido e justo” (SCHREIBER, 2008, p. 368).

Desta forma, não obrigatoriamente a demora na obtenção do resultado processual é consequência de um mau andamento da justiça, e do mesmo modo não é correta a afirmação de que a verdade colhida pela imprensa é melhor do que a verdade resultante do processo,

baseando-se na diferença do lapso temporal para o exaurimento de ambas, visto que, conforme citado anteriormente, se confrontadas, a atividade jornalística e atividade judiciária ocasionam a distorção da noção de tempo, já que são eminentemente diferentes em suas regras e seus propósitos.

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