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A ocorrência de um crime é um acontecimento público, e suas respectivas investigação e punição se transformam em assunto de interesse da sociedade, bem como se faz de interesse público também a maneira como os órgãos responsáveis pela realização do poder estatal, incluindo o Poder Judiciário, funcionam a agem diante da referida situação. Soma-se a isso o fato de que as Autoridades Policiais, os membros do Ministério Público,

Juízes e servidores da justiça são todos agentes públicos e, de tal forma, estão sujeitos à livre crítica pública, mesmo que ácida ou as vezes ofensiva, desde que se refiram aos assuntos de interesse público.

Nesse aspecto Simone Schreiber esclarece que

Tais premissas, por si, legitimam a livre veiculação pela mídia, não só de fatos, mas também de opiniões, sobre julgamentos criminais em curso, incluindo manifestações críticas sobre a atuação dos juízes e demais pessoas que de alguma forma participem desses julgamentos. Sob outro ângulo, o exercício desse direito exige que se dê amplo acesso aos jornalistas ao conteúdo dos processos em curso, pois se tal não ocorrer, a liberdade de informar e opinar sobre o tema ficará esvaziada.

Contudo, isso não impede a constatação de que o exercício pela imprensa do direito de acesso a informações pertinentes a feitos criminais, bem como livre veiculação de notícias e opiniões, apresenta pontos de tensão com outros direitos e interesses de estatura constitucional, como são os direitos de personalidade dos réus, vítimas e testemunhas, o direito fundamental da presunção de inocência, o interesse público na boa condução da investigação criminal e na boa administração da justiça e, finalmente, o direito a um julgamento justo (2008, p. 264).

A atuação militante da mídia no recolhimento de dados sobre delitos cujas circunstâncias ainda não foram esclarecidas, quer estejam ou não sendo objetos de inquérito policial ou processo criminal, merece especial atenção.

Neste tipo de atuação, o profissional da imprensa não exerce apenas a atividade informativa, pelo contrário, atribui a si próprio o papel de coadjuvante da Autoridade Policial e do judiciário, exercendo a função de apurar os fatos, bem como incentivar a punição dos réus, sob o discurso de “fazer a justiça funcionar”.

Não são raras as vezes em que os jornalistas precipitam-se à inauguração dos respectivos autos investigatórios e, por conta própria, colhem informações sobre o acontecimento de determinado crime intitulando este comportamento de jornalismo investigativo. Por trás dessa atividade há o amparo do discurso enaltecedor da imprensa cidadã que se volta contra a criminalidade e repudia a impunidade, “ainda que isso lhe custe o sacrífico de alguns mártires, cujo exemplo mais contundente é o do jornalista Tim Lopes” (SCHEREIBER, 2008, p. 269).

Em que pese a cativante falácia de luta contra o crime explicada acima, a atividade jornalística com viés investigatório fere direitos fundamentais das pessoas que estão envolvidas no assunto que é objeto da investigação pela mídia. A colisão entre o direito à liberdade de expressão e o direito a um julgamento justo e imparcial, advém do fato de que os procedimentos investigativos adotados pela imprensa traduzem-se na procura pela verdade estando dissociados dos parâmetros do devido processo legal.

Soma-se a isso o fator de interferência que aspectos produzidos e propagados pela mídia, e não introduzidos de forma legal no processo, possam ter sobre a decisão final prolatada nos autos, especialmente no que diz respeito ao tribunal do júri que funciona através do julgamento popular.

[...] essa atuação militante de imprensa também se manifesta no chamado jornalismo investigativo, que consiste na coleta de informações, por jornalistas, sobre crimes ainda não desvendados, estejam ou não sendo apurados pela polícia. O problema que decorre daí é a ausência de limites aos métodos utilizados para coleta de informações e, muitas vezes, a impossibilidade utilização válida das provas produzidas pelos jornalistas nos processos judiciais, acirrando a imagem de ineficiência do Judiciário e reafirmação da imprensa como defensora da cidadania, e ainda do risco de consideração indevida das provas que não foram colhidas sobre o processo legal no veredicto judicial (SCHREIBER, 2008, p. 364).

Para a autora, o problema de que o juiz seja influenciado – de forma consciente ou não – pelas informações não inseridas de forma válida no processo, embora possa atingir juízes togados, é agravado nos processos do tribunal do júri, pelo simples fato de que os jurados não têm obrigação de motivar sua decisão. No Brasil o conselho de sentença delibera respondendo aos quesitos que são lidos pelo juiz em votação plebiscitária, o que não viabiliza o controle do caminho racional percorrido por cada julgador para chegar ao veredicto.

Segundo a autora, só esse fator já impede eventual verificação sobre se os jurados decidiram com base estritamente na prova apresentada no processo, sem que seja necessário discorrer sobre outros motivos geralmente apontados como de maior vulnerabilidade dos juízes leigos em frente à publicidade opressiva de julgamentos criminais, tais quais, falta de preparo técnico, falta de compreensão do alcance das normas constitucionais de garantir, falta de prerrogativas que dão à magistratura togada independência funcional, entre outros (2008, p. 371).

O fato de os jurados terem contato mínimo com as provas produzidas no processo e apresentadas no plenário, e, por outro lado, estarem permanentemente expostos e sujeitos ao bombardeio de informações e notícias trazidos pela imprensa, caracteriza uma situação desproporcional que faz com que suas ideias e percepções estejam repletas de informações externas, e sejam menos sensíveis aos argumentos e provas demonstrados no debate que ocorre perante o tribunal.

4.3 A DIFERENÇA ENTRE A VERDADE JORNALÍSTICA E A VERDADE

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