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Tribunal do júri: publicidade opressiva e colisão de direitos

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Academic year: 2021

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LETÍCIA DOS SANTOS INÁCIO

TRIBUNAL DO JÚRI:

PUBLICIDADE OPRESSIVA E COLISÃO DE DIREITOS

Araranguá 2018

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TRIBUNAL DO JÚRI:

PUBLICIDADE OPRESSIVA E COLISÃO DE DIREITOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Renan Cioff de Sant’Ana, Esp.

Araranguá 2018

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O instituto do Tribunal do Júri é objeto de uma velha controvérsia no cenário jurídico brasileiro, e um grande motivo para isso diz respeito aos jurados que formam o Conselho de Sentença e o quanto eles podem, ou não, serem influenciados por fatores externos quando do julgamento. Assim, tendo em vista a vasta possibilidade de discussão acerca da temática, o presente trabalho tem o objetivo de analisar as nuances da influência midiática sobre a formação de opinião dos jurados, e de que forma eventual influência pode prejudicar aqueles que são submetidos à julgamento perante seus semelhantes no Tribunal do Júri.

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The Jury Trial institute is the object of an old controversy in the Brazilian juridical cenary, and a big reason for this lies on the concern about the juries that form the sentence council and how much they can, or not, be influenced by external factors when it comes to judge. By this way, in view of the vast possibility of discussion about this theme, the present academic work has the objective to analyze the nuances of media influence in the juries opinion formation, and in which form eventual influence can be able to harm those who will be submitted to the trial towards their similar in a trial by jury.

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1 INTRODUÇÃO...12

2 O TRIBUNAL DO JÚRI...15

2.1 BREVE RELATO HISTÓRICO...17

2.2 FUNCIONAMENTO DO INSTITUTO DE ACORDO COM A CRFB/88...18

2.2.1 Princípios constitucionais do tribunal do júri...19

2.2.1.1 Plenitude de defesa...20

2.2.1.2 Sigilo das votações...20

2.2.1.3 Soberania dos vereditos...21

3 A MÍDIA...24

3.1 CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DAS LIBERDADES DE EXPRESSÃO E INFORMAÇÃO...27

3.1.1 A posição de preferência da liberdade de expressão...28

3.1.2 Veiculação de fatos x explicitação de opiniões...29

4 COLISÃO DO DIREITO A UM JULGAMENTO JUSTO E IMPARCIAL E O DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO E INFORMAÇÃO...32

4.1 MEDIDAS QUE VISAM GARANTIR A IMPARCIALIDADE DOS JURADOS...32

4.2 A COLISÃO DE DIREITOS...35

4.3 A DIFERENÇA ENTRE A VERDADE JORNALÍSTICA E A VERDADE PROCESSUAL...38

4.4 TRIAL BY MEDIA...40

4.4.1 “Goleiro Bruno” – um dos mais recentes casos de trial by media no cenário jurídico nacional contemporâneo...42

4.5 FREE PRESS VS. FAIR TRIAL...44

5 PROPOSTA DE SOLUÇÃO PARA O CONFLITO...48

6 CONCLUSÃO...51

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1 INTRODUÇÃO

A mídia atualmente faz parte de quase todos os aspectos de nossas vidas. Hoje em dia temos acesso à notícias vinte e quatro horas por dia, através dos canais de televisão, das revistas, jornais, bem como das redes sociais. Com tanto acesso a notícias de TV, jornais e mídia social, como os jurados são afetados por estes fatores? E como isso afeta os veredictos nos julgamentos criminais pelo tribunal do júri?

Em primeiro lugar, a forma como o sistema legal é apresentado na mídia pode afetar a decisão dos jurados. Muitas pessoas assistem a programas de TV, novelas e filmes sobre casos criminais, e esses programas e filmes de TV podem representar, de certa forma, juízes, advogados, testemunhas e outras pessoas envolvidas em um caso, e observá-los pode influenciar os preconceitos e expectativas dos jurados sobre o sistema legal. Por exemplo, um psicólogo em um filme que está dando um testemunho sobre o réu poderia ser retratado como não sendo bom em seu trabalho, e seu testemunho poderia ser a peça chave que faz com que os jurados cheguem a uma conclusão. A pessoa que assiste a este filme pode supor que nem todos os psicólogos são os melhores em seus empregos, e se eles são selecionados para fazer parte de um júri em um caso que envolva o testemunho de um psicólogo, sua decisão pode ser influenciada pelo o que eles viram naquele filme.

Além disso, com fácil acesso a sites de mídia social como o facebook e o twitter, bem como a sites de notícias, os jurados podem conhecer os diversos fatores que envolvem um caso. Isso poderia afetar ainda mais a possibilidade de seleção de um júri imparcial, visto que grande parte da sociedade tem acesso a esses sites, e encontrar uma pessoa que não tenha ouvido falar sobre um caso de grande repercussão é uma tarefa difícil, se não quase impossível.

Os jurados em um processo com extensa cobertura publicitária provavelmente terão desenvolvido alguns preconceitos sobre o caso com base nas informações da mídia às quais eles já foram expostos. Se os jurados são previamente expostos à mídia que veicula incansavelmente notícias sobre o caso em questão, isso faz com que se crie um problema quando se trata de chegar a um veredicto. Essas pessoas tomarão a decisão certa e serão capazes de pensar criticamente sobre as evidências e fatos sobre um caso que lhes é apresentado?

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O aspecto único dos deveres desempenhados por homens e mulheres comuns no sistema de justiça criminal no tribunal do júri revela fatores cruciais sobre o papel da mídia. A lei penal tenta desempenhar o papel proteção dos jurados quanto à influências ou pressões por conta da publicidade opressiva, mas não são raras as ocasiões em que verificamos a impossibilidade de um réu obter um julgamento justo por causa da mídia. Essas situações devem ser levadas muito a sério pelos juízes e também pelos repórteres e editores que são responsáveis pela propagação de reportagens sobre os processos criminais.

Como a maioria do povo tem pouca experiência direta com o sistema judiciário, o conhecimento público e as visões da lei e do sistema legal são amplamente dependentes das representações da mídia, e esta, por sua vez, fornece muitas ilusões sobre lei e justiça. Os noticiários de televisão e os dramas policiais e criminais são responsáveis por uma quantidade substancial de aprendizado incidental sobre a natureza do sistema legal e seu funcionamento. Jornais e filmes também contribuem para o conhecimento e atitudes do público sobre o direito e o ordenamento jurídico.

A mídia exerce enorme influência em nossa sociedade. Jornais, rádio, televisão e novas mídias em redes sociais, não apenas disseminam informações, mas também ajudam a determinar de quais tópicos e histórias as pessoas falam. Muitos crimes recebem ampla cobertura midiática, o que representa um desafio para os promotores, bem como para os réus e advogados de defesa e juízes, quando se trata de julgar um caso.

Devemos supor que os jurados são imparciais ao decidir um caso, apesar da cobertura de notícias que possam ter encontrado antes do julgamento, pois este é o ideal de julgamento justo. Outrossim, na prática é quase impossível verificar se houve imparcialidade ou a falta dela. No mesmo sentido, policiais que investigam casos criminais podem ficar cercados pela mídia que tenta a todo custo obter informações sobre os fatos, o que pode prejudicar o andamento das diligências investigativas. A cobertura de um julgamento pela imprensa, bem como a presença de câmeras de televisão no tribunal, pode afetar o comportamento de testemunhas e jurados.

Em um mundo onde as notícias e a mídia estão tão presentes e enraizadas na vida cotidiana das pessoas, pode ser difícil manter valores e práticas tradicionais. Isto é particularmente pertinente em relação ao impacto de tais fatores no sistema de julgamento pelo júri e sua imparcialidade.

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Neste sentido, o tema do presente trabalho tem relação com as matérias de direito constitucional e direito processual penal, no que diz respeito ao procedimento especial do Tribunal do Júri, objetivando analisar a colisão do direito a um julgamento justo e imparcial e o direito à liberdade de expressão e informação, através da publicidade opressiva e da influência da mídia nas decisões do Conselho de Sentença no âmbito do referido instituto, bem como verificar como ocorre e quais são as consequências da influência da mídia nas decisões do Tribunal do Júri.

Para isso, o presente trabalho será divido em quatro capítulos, tratando o primeiro deles sobre as questões atinentes ao instituto do tribunal do júri, sua evolução histórica e funcionamento de acordo com a CRFB/88. Por sua vez, o segundo capítulo tratará da mídia e suas nuances referentes às liberdades de expressão e informação. Já no terceiro capítulo, o presente trabalho abordará os aspectos da colisão entre o direito a um julgamento justo e imparcial e o direito às liberdades de expressão e informação, discorrendo, ainda, brevemente sobre as medidas que visam garantir a imparcialidade dos jurados, a diferença entre verdade midiática e verdade processual, trazendo, também, a conceituação do fenômeno do “trial by

media” e considerações sobre a divergência “free press vs. fair trial”. Por fim, o quarto

capítulo abordará a proposta de solução para o conflito evidenciado nos capítulos anteriores, observando-se as opções disponíveis no ordenamento jurídico pátrio.

Para a consecução dos fins narrados acima, no presente trabalho foi utilizado o método de pesquisa bibliográfica e documental, através de consulta à doutrina especializada, legislação correspondente e jurisprudência sobre o tema.

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2 O TRIBUNAL DO JÚRI

A figura do Tribunal do Júri tem uma larga história que caminhou no decorrer das épocas, com certas peculiaridades em cada país, porém sempre observando um mecanismo parecido no qual reúnem-se julgadores togados e julgadores leigos com a finalidade de efetuar o deslinde de demandas dotadas de relevante seriedade bem como alta reverberação no meio social.

O Tribunal do Júri no Estado brasileiro foi criado em 1822 estando atualmente previsto na Constituição Federal em seu artigo 5º, XXXVIII, e compõe-se, de acordo com o artigo 447 do Código de Processo Penal, de “[...] 1 (um) juiz togado, seu presidente e por 25 (vinte e cinco) jurados que serão sorteados dentre os alistados, 7 (sete) dos quais constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento” (BRASIL, CPP, 2018).

O referido Conselho de Sentença terá a atribuição de analisar o contexto probatório de autos referentes aos crimes dolosos contra a vida e os a eles conexos. Assim, o indivíduo que figurar no polo passivo das respectivas lides de competência do tribunal do júri será julgado por seus semelhantes, que conforme os parâmetros legais, hão de ser sujeitos leigos em matéria jurídica, chamados exclusivamente para integrar o Conselho de Sentença.

Tendo em mente as informações preliminares acima expostas, é notório que há muito tempo a conexão entre a mídia e a justiça no que diz respeito à seara criminal estimula entusiasmo e curiosidade da população em geral, e os delitos atribuídos à jurisdição do tribunal do júri, por preceito, têm empolgado a senda sensacionalista da imprensa, que nada mais é do que o interesse desta em trazer à baila assuntos que provoquem escândalos ou choquem a sociedade, mesmo que suas pautas contenham informações de teor falso.

É possível observar, no meio televisivo por exemplo, certos programas que sem qualquer zelo tornam públicas informações como o nome de supostos autores, implicando-lhes a condição de acusados ou criminosos, antes mesmo destes cidadãos estarem sequer sendo demandados judicialmente. Tais atitudes colocam estes indivíduos em situações nas quais, em que pese abraçados, na teoria, pelo princípio da presunção de inocência, na verdade já se encontram crucificados como culpados e condenados pela imprensa e, por pelo menos, maioria de seus telespectadores.

É necessário apenas assistir um telejornal para averiguarmos que, ao noticiar perquirições da polícia ou procedimentos forenses, o profissional da atividade jornalística

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conjuntamente elucida, amolda, sumariza ou adultera certos elementos, para acionar autêntico veredicto sobre o assunto, mesmo que prévia ou colateralmente ao andamento da persecução criminal.

Por tal razão o instituto do tribunal do júri é motivo de muitas discussões no meio jurídico brasileiro. O regulamento disposto na Constituição que outorga o sentenciamento do acusado de praticar crime doloso contra a vida, e seus conexos, aos seus semelhantes enfrenta uma sucessão de contendas, pois os referidos delitos são providos de ampla ressonância social, fator que tem o condão de exercer influência, de maneira direta ou não, no veredito dos jurados.

Sabemos que há no ordenamento jurídico nacional o princípio da publicidade, que estabelece que a coletividade social não pode ser privada de obter conhecimentos e dados sobre o Poder Judiciário e o andamento de seus trabalhos, mas, a imprensa em suas atividades e através do citado cânone, nos quadros de delitos dolosos contra a vida, inclina-se a veicular notícias de modo escandalizatório, impactando e comovendo a sociedade com a finalidade de produzir grande eco.

A súplica geral nos delitos de alçada do júri é tão robusta que ensejou a elaboração de uma configuração particular de atração televisiva em diversos canais, que, contando com conteúdo investigativo, faz com que o cárcere, o infrator, o delito e a vítima sejam fatores e personagens de um espetáculo, cuja finalidade é alimentar a execração irrestrita quanto ao crime e a avidez quanto a uma hipotética justiça, trazendo, obviamente, grande audiência para tais programas televisivos.

Isto posto, a imprensa que se descomede em sua função de noticiar, afigura como uma autoridade absolutista na construção da convicção popular e fixa-se como dona da exatidão dos fatos, contra a qual não cabe contraditório e ampla defesa.

Desta maneira, resta a reflexão, e o questionamento, se o discurso veiculado pela mídia ao divulgar notícias que dizem respeito aos delitos de competência do tribunal do júri tem capacidade de persuadir o arbítrio dos jurados, de modo que em caso positivo, tal possibilidade constitui enorme transgressão aos direitos, garantias e princípios expostos na Constituição.

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2.1 BREVE RELATO HISTÓRICO

O tribunal do júri “[...] em verdade, nasceu na Inglaterra em 1215, como um direito fundamental, pois era uma garantia de julgamento imparcial, feito pela própria sociedade, contra o absolutismo do soberano” (NUCCI, 1999, p. 36).

Porém, no Brasil a instituição foi implantada no ano de 1822, e a sua primeira disposição constitucional ocorreu em 1824 na Constituição do Império, nos artigos 151 e 152. Naquela época o Júri tinha competência para apreciar e julgar não só demandas criminais, mas também demandas cíveis.

Neste sentido expõe Rogério Lauria Tucci:

[...] a Constituição Política do Império, de 25 de março de 1824, estabeleceu, no seu art. 151, que o Poder Judicial, independente, seria composto de juízes e jurados, acrescentando, no art. 152, que estes se pronunciariam sobre os fatos e aqueles aplicariam as leis (1999, p. 31).

Outrossim, na Carta Magna de 1891, o instituto passou a integrar o rol de direitos e garantias individuais, sendo elencado como uma instituição de direito autônoma, desvinculada do capítulo referente ao Poder Judiciário.

De tal forma afirma Aramis Nassif (2001, p. 18):

A Constituição de 1891, de cunho iminentemente federalista, consagrou a autonomia política dos Estados Federados, identificando-se com a estrutura norte-americana. As unidades federalistas passaram a legislar sobre o júri, e a respeito o Estado do Rio Grande do Sul criou-o de forma singular, merecendo destaque a Lei nº 19, de 16 de dezembro de 1895, regulamentadora da Instituição. Neste texto legal, foi determinado que as sentenças do júri, serão proferidas pelo voto a descoberto da maioria (art. 65, § 1º) e que os jurados não podem ser recusados.

De outro lado, na Constituição de 1934 o júri voltou a integrar o capítulo do poder judiciário, e não foi elencado no rol de direitos e garantias individuais, bem como foi conferida ao poder legislativo a prerrogativa de alterar as normas do instituto conforme achasse necessário.

Na Constituição de 1946 o tribunal do júri voltou a integrar a lista dos direitos e garantias individuais, e foi retirado do capítulo do poder judiciário. Ainda, na mesma Carta Magna foram estabelecidos pela primeira vez os princípios regentes do instituto, quais sejam o princípio da plenitude de defesa, o princípio da soberania dos veredictos, o princípio do sigilo das votações, e a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida.

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A Constituição de 1946 proclamou entre os “Os Direitos e garantias Individuais” que era mantida a instituição do Júri, com a organização que lhe der lei, contando que seja ímpar o número de seus membros e garantindo o sigilo das votações, a plenitude de defesa do réu e a soberania dos veredictos. Serão obrigatoriamente de sua competência os crimes dolosos contra a vida (art. 141, §28).

Na Constituição de 1967 e na emenda de 1969 não houve significativas mudanças na estrutura do tribunal, mantendo-se suas características e competência. Assim, na Constituição de 1988 o júri veio elencado no inciso XXXVIII do art. 5º, com “a função de julgar, originariamente, crimes dolosos, tentados ou consumados contra a vida, definidos nos arts. 121 a 128 do Código Penal” (LEITE, 2011, p. 3).

Deste modo, atualmente:

[…] Segundo o artigo 74, § 1°, do CPP, compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos artigos. 121, § 1°, § 2°, 122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados. Não se incluem, portanto, os crimes em que haja morte da vítima, ainda que causada dolosamente, se não são classificadas na lei como crimes dolosos contra a vida, como é a hipótese, por exemplo, do latrocínio. Como, porém, a Carta Magna de 1988 define apenas a competência mínima do júri, nada impede que a lei processual inclua outras infrações penais na competência do Tribunal Popular (MIRABETE, 2000, p. 482).

2.2 FUNCIONAMENTO DO INSTITUTO DE ACORDO COM A CRFB/88

Conforme assevera Nassif (2009, p. 17) “o Júri é um instituto de direito processual constitucional. Sua existência está e sempre foi mantida [...] na Constituição, reservada à lei inferior apenas sua organização”.

E continua o autor, aduzindo que, “o compulsar da dinâmica constitucional do Brasil reflete as modificações do Júri, restando sobejamente demonstrado que é uma Instituição política, sujeita às sanções antidemocráticas ou aprovação nos momentos de restauração moral e jurídica do país” (2009, p. 23).

Assim, com o objetivo de redemocratizar o país, a Carta de 1988 susteve a instituição do Júri no rol de direitos e garantias indispensáveis elencadas no inciso XXXVIII do art. 5º, bem como revigorou a soberania dos veredictos. Ainda, tratou a Constituição de 1988 de delinear a competência mínima para apreciação e julgamento perante o instituto, conservando, entanto, como regra natural, a competência exclusiva em relação às infrações dolosas contra a vida.

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Desta forma, como define Nassif, a Constituição vigente é resultado de grande luta popular e de ampla movimentação no âmbito político. É reflexo de corajosos posicionamentos e da insistência de toda uma população saturada de atitudes autoritárias, à procura da remição da probidade jurídico-política. Assim, por tal razão a Constituição chama populares para integrarem a representação da sociedade no júri com a finalidade de julgar seus semelhantes (2009, p. 23).

O tribunal do júri é apregoado na Constituição de 1988 conforme o texto do art. 5º, XXXVIII, que assim dispõe: “É reconhecida a instituição do Júri, com a organização que lhe der a lei [...]” (BRASIL, CRFB, 2018).

Logo, pela leitura do texto constitucional pode-se inferir que:

A expressão “é reconhecida a instituição do Júri”, e não o termo tradicional (é mantida a instituição do Júri) autorizou identificar a intenção do constituinte no sentido de licenciar a legislação infraconstitucional a ampliar o rol dos delitos sujeitos a julgamento pelo Tribunal Popular, mantendo, para este, como competência irrevogável pelo legislador comum, a dos julgamentos dos crimes dolosos contra a vida (alínea d). O Código de Processo Penal foi, no entendimento maciço dos doutos, inteiramente recepcionado pela norma maior e, assim, é a lei que organiza o Júri Popular (NASSIF, 2009, p. 24).

Ademais, pela leitura do texto constitucional observa-se que “o legislador constituinte elegeu como reserva constitucional, imutável, a plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida, distribuindo-a em quatro alíneas” (NASSIF, 2009, p. 24).

2.2.1 Princípios constitucionais do tribunal do júri

São chamados de princípios constitucionais do Júri aqueles elencados nas alíneas do inciso XXXVIII do art. 5º da CRFB/88, quais sejam, a plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, de forma que, os três primeiros princípios acima citados serão analisados a seguir por serem correlatos ao tema abordado no presente trabalho.

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2.2.1.1 Plenitude de defesa

Conforme ensina Guilherme Nucci (2010), no âmbito do processo penal comum o acusado é socorrido pelo princípio da ampla defesa, que reflete-se no acompanhamento do processo por uma defesa técnica.

Mais do que isso, a ampla defesa corresponde à faculdade do réu de defender-se de forma ilimitada, ou seja, sem sofrer indevidas restrições por parte do Ministério Público ou do juiz enquanto representante do Estado.

Neste sentido, o autor explica que, tratando-se de tribunal do júri, onde o resultado da persecução se dá pela vontade dos julgadores leigos, a defesa do acusado deverá aproximar-se ao máximo da perfeição, para que haja a devida elucidação dos fatos e teses defensivas de modo que possam ser compreendidas pelos jurados, resultado dessa forma em absolvição do réu, ou, em condenação justa, dentro dos limites legais de acordo com os fatos ocorridos.

Dessa forma, deverá o defensor angariar e analisar os argumentos defensivos que julgar convenientes para favorecer o acusado em plenário, observando, obviamente, as regras processuais do instituto em questão, qual seja o tribunal do júri.

2.2.1.2 Sigilo das votações

É o princípio que está disposto na alínea “b”, do inciso XXVIII, do artigo 5º da Constituição Federal de 1988. Tal princípio tem por objetivo proporcionar aos jurados segurança a respeito de eventual censura, represália ou influência no que diz respeito aos seus votos, e por isso pode ser classificado como um dos mais – se não o mais – importantes princípios do instituto, eis que serve tanto para preservar os jurados quanto o réu.

Quanto ao assunto dispõe Mirabete (2006, p. 494) que “[...] a natureza do júri impõe proteção aos jurados e tal proteção se materializa por meio do sigilo indispensável em suas votações e pela tranquilidade do julgador popular, que seria afetada ao proceder a votação sob vistas do público”.

O art. 485, caput, do Código de Processo Penal dispõe que, após encerrados os debates em plenário "o juiz presidente, os jurados, o Ministério Público, o assistente, o

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defensor do acusado, o escrivão e o oficial de justiça dirigir-se-ão à sala especial a fim de ser procedida a votação" (BRASIL, CPP, 2018).

Ou seja, após encerrados os debates em plenário, respeitadas as oportunidades de réplica e tréplica, o Tribunal passará a funcionar em sala secreta para que, em seguida, o juiz presidente realize a leitura aos jurados dos quesitos formulados pela acusação e defesa. Após a leitura de cada quesito, os jurados deverão depositar seus votos na respectiva urna, para que o juiz presidente faça a contagem dos votos, interrompendo-a caso se chegue a um número de quatro votos iguais para o sim ou para o não, para que dessa forma o sigilo das votações seja mantido, uma vez que, caso houvesse a contagem de sete votos unânimes não haveria sigilo algum quanto à decisão de cada jurado.

Neste sentido, leciona Guilherme Nucci (2010):

Houve tempos em que se discutiu a constitucionalidade da sala especial para votação, por entender alguns que ela feriria o princípio constitucional da publicidade. No entanto, tal discussão foi superada por ampla maioria, tanto doutrinária, quanto jurisprudencial, por prever a Carta Magna a possibilidade de se limitar a publicidade de atos processuais quando assim exigirem a defesa da intimidade ou o interesse social ou público.

No mesmo aspecto salienta Hermínio Alberto Marques Porto que, as cautelas tomadas pela lei no sentido de garantir o sigilo das votações, vieram para conferir aos julgadores populares plena liberdade para que possam formar suas convicções bem como manifestar suas conclusões, sem que tais manifestações sejam alvos de qualquer tipo de constrangimento ou retaliação. Por esta razão verifica-se ser de extrema relevância o intento legal de proteger as conclusões e manifestações dos jurados (1999, apud NUCCI, 2008, p. 31).

2.2.1.3 Soberania dos vereditos

O princípio da soberania dos veredictos consubstancia-se na impossibilidade de a decisão tomada pelos jurados ser revista em segunda instância em caso de simples inconformidade da parte “perdedora”.

Não está se afirmando aqui que a decisão do Júri não poderá ser de forma alguma objeto de revisão posterior. Tal possibilidade existe, porém, somente em casos específicos que se adequem às hipóteses legais, sendo de regra, imutável via recurso a sentença advinda da votação exercida em plenário.

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Sobre o assunto, verifica-se o texto legal do art. 593 do Código de Processo Penal, que diz o seguinte:

Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: [...]

III - das decisões do Tribunal do Júri, quando: a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia;

b) for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados; c) houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança;

d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos. § 1o Se a sentença do juiz-presidente for contrária à lei expressa ou divergir das respostas dos jurados aos quesitos, o tribunal ad quem fará a devida retificação. § 2o Interposta a apelação com fundamento no no III, c, deste artigo, o tribunal ad quem, se Ihe der provimento, retificará a aplicação da pena ou da medida de segurança.

§ 3o Se a apelação se fundar no no III, d, deste artigo, e o tribunal ad quem se convencer de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, dar-lhe-á provimento para sujeitar o réu a novo julgamento; não se admite, porém, pelo mesmo motivo, segunda apelação (BRASIL, CPP, 2018).

Esta norma principiológica traduz o afastamento da possibilidade de a decisão final proferida pelos jurados ser mudada, de tal forma é “[...] condição indiscutivelmente necessária para os julgamentos realizados no tribunal do júri” (MIRABETE, 2006, p. 495).

No ordenamento jurídico pátrio “[...] esta soberania é reconhecida na Constituição Federativa Brasileira de 1988, que em seu artigo 5º, XXXVIII, c, determinou que “é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados [...] c) a soberania dos veredictos” (BAYER, 2013).

Porém, assevera Mirabete que

[…] A soberania dos veredictos dos jurados, afirmada pela Carta Política, não exclui a recorribilidade de suas decisões, sendo assegurada com a devolução dos autos ao Tribunal do Júri para que profira novo julgamento, se cassada a decisão recorrida pelo princípio do duplo grau de jurisdição. Também não fere o referido princípio a possibilidade da revisão criminal do julgado do Júri, (LXXXI) a comutação de penas etc. Ainda que se altere a decisão sobre o mérito da causa, é admissível que se faça em favor do condenado, mesmo porque a soberania dos veredictos é uma “garantia constitucional individual” e a reforma ou alteração da decisão em benefício do condenado não lhe lesa qualquer direito, ao contrário beneficia (2006, p. 496).

Ante o exposto, percebe-se que a soberania dos veredictos inserida na Constituição Federal contempla as decisões dos jurados, porém não retira das partes a possibilidade de recorrer à instância superior, e tal fato se dá em respeito ao princípio do duplo grau de jurisdição, em que pese a competência absoluta do Tribunal do Júri para apreciar e julgar os crimes dolosos contra a vida.

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Entretanto, é importante salientar que a recorribilidade da decisão proferida pelo Conselho de Sentença fica adstrita aos motivos elencados no inciso III do artigo 593 do Código de Processo Penal.

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3 A MÍDIA

A maioria das pessoas recebe informações através de notícias. Na televisão a imprensa tende a apresentá-las em segmentos de dez segundos a três minutos, dependendo da importância dos fatos narrados. Nesse lapso de tempo, a notícia irá transmitir fatos reais, os potencias efeitos do acontecimento em questão, testemunhos – as vezes emocionais – sobre os fatos, e talvez um especialista para interpretar tudo o que foi dito e trazer um significado geral para o evento.

Para prender a atenção do público a maioria das notícias é apresentada com títulos que têm a pretensão de capturar os consumidores. Um subtítulo ou breve declaração sobre os fatos essenciais da história geralmente vem junto. O corpo da notícia traz os detalhes e informações de fundo, e a conclusão sobre os fatos envolve o público e fecha a história em um segmento bem embalado.

Há um número crescente de adjetivos e advérbios editoriais incluídos nos relatórios de notícias. Repórteres rotineiramente falam de notícias como eventos "chocantes” ou, informam que elas contêm "novas revelações perturbadoras". Isso demonstra a um espectador - e possível futuro jurado – a maneira sobre como ele deveria se sentir sobre um determinado fato.

Além disso, muitas novidades diariamente não contém apenas informações a respeito de um respectivo fato, mas também incluem o que é talvez muito grandiosamente chamado de "análise". Isto é, um comentarista de notícias expõe conclusões sobre os fatos e seus possíveis significados, além de especular sobre o que acontecerá no futuro. O negócio de notícias pode ser extremamente lucrativo, e a formatação dos noticiários é importante para manter altos índices de audiência e visualizações.

Nos casos criminais, a mídia fornece biografias e chocantes exposições sobre as testemunhas e demais partes, além de depoimentos sinceros de pessoas que conheciam as vítimas e o réu. Além disso, o julgamento é praticamente tratado como um evento esportivo. Conclusões são feitas todos os dias sobre quem está certo e quem está errado. A acusação e defesa são tratadas como equipes, as testemunhas são como os jogadores, e o juiz é o árbitro.

Outrossim, nem toda cobertura da mídia é criada da mesma forma. Certas histórias afetam pessoas e potenciais jurados de diferentes maneiras. Isso ocorre porque a publicidade pré-julgamento pode ser intencionalmente orientada.

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A publicidade orientada por fatos é objetiva; refere-se a fatos do processo como o registro de uma arguição ou o recolhimento de provas na cena do crime. A publicidade emocional tem um componente mais subjetivo e usa informações que podem despertar certos sentimentos em relação ao réu, como por exemplo, propugnar que um homicídio foi realizado de maneira particularmente violenta e brutal.

Enquanto a indústria de notícias fornece aos jurados informações sobre crimes, casos de grande repercussão, dramatizações televisivas e outros tipos de entretenimento, ela também tem a capacidade de moldar a compreensão do público em geral a respeito do direito penal e do processo judicial.

Como evidenciado pela popularidade duradoura de programas de televisão como o Linha Direta, o público tem um apetite insaciável por crimes e dramas de julgamentos. De muitas maneiras, esse tipo de programa pode funcionar como uma fonte educacional improvisada, expondo ao público algumas das leis e procedimentos em torno do sistema de justiça criminal - informações que caso contrário, não são familiares para a maioria da população.

Enquanto a arte pode, às vezes, imitar autenticamente a vida, o drama televisivo não é claramente um substituto para a exposição na vida real a fim de ensejar o entendimento sobre a lei. Como resultado do entretenimento, as pessoas trazem noções pré-concebidas da lei e das investigações criminais para o tribunal quando são escolhidas como jurados.

Conforme já citado no presente trabalho, a justiça criminal e os seus processos atiçam a curiosidade da população, e isso faz com que a mídia tenha amplo interesse em divulgar e noticiar informações referentes aos casos, criando assim comoção social generalizada e disseminando entendimentos pseudo-jurídicos que, na larga maioria das vezes, vão contra os princípios constitucionais e direitos e garantias individuais daqueles que são partes na relação processual.

Nos casos de competência do Tribunal do Júri a cobertura midiática é ainda maior, trazendo aos programas de rádio e TV uma espécie de reality show, cujos participantes são os réus, as vítimas, o Ministério Público, os advogados e os juízes.

Desta forma

Holofotes cinematográficos são dirigidos ao suspeito do crime com o intuito de revelar sua identidade e personalidade. Em poucos segundos, sabe-se de tudo, detalhadamente, a respeito da vida desse cidadão e de seus familiares. Tudo é vasculhado pela mídia. Bastam alguns momentos para que eles se vejam em todas

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as manchetes de telejornais, revistas e jornais. A mídia, assim, vai produzindo celebridades para poder realimentar-se delas a cada instante, ignorando a sua intimidade e privacidade (MELLO, 2010, p. 118).

Todavia, é importante salientar que a mídia e a liberdade de imprensa são responsáveis pela efetivação do direito à publicidade, bem como exercem grande papel possibilitando o transpasse de informações quase que instantaneamente.

Neste sentido:

O nosso país é um grande exemplo de como a liberdade de imprensa é essencial na formação de uma nação, sobretudo através da valorização de seu povo. É inquestionável a atuação da imprensa como verdadeiro fiscal do poder público, e garantidor dos direitos fundamentais, assegurados constitucionalmente (ALMEIDA, 2010).

Entretanto, da mesma forma que pode entregar, através de seus meios de comunicação, informações importantes para a coletividade, a mídia pode deixar de transmitir certos fatos, de acordo com a sua percepção do que pode ou não causar mais ou menos impacto nos espectadores.

Assim, a influência da mídia

[…] não está apenas em construir a realidade, mas também em ocultá-la. Quem tem poder para difundir notícias, tem poder para manter segredos e difundir silêncios. Podemos concluir que uma parte do que de importante ocorre no mundo, ocorre em segredo e em silencio, fora do alcance dos cidadãos. A média de horas que um brasileiro fica diante da TV é de 4 horas, recebendo uma grande 'carga de informação', porém cabe a nós perceber que a mídia não é onipotente. Devemos exercer de forma pacifica e legitima o nosso poder, diria o quinto poder, lutando pela democratização dos meios de comunicação, pois com isso certamente a mobilização popular e as iniciativas de mudanças serão muito mais fáceis e rápidas (CIOTOLA).

Neste sentido, quando a imprensa ultrapassa seus limites em sua função de informar e adota uma postura sensacionalista, ela põe em risco o princípio da presunção de inocência, e da mesma forma influi na formação de opinião daqueles que irão julgar, não apenas no que diz respeito aos jurados, mas também quanto aos juízes togados, que, mesmo dotados de tecnicidade, são expostos ao bombardeio de informações propiciado pela imprensa.

Sobre o assunto assevera Mário Rocha Lopes Filho:

[…] A mídia está presente na vida de todo e qualquer cidadão, durante as vinte e quatro horas diárias, despejando toda e qualquer sorte de informações. Há uma massificação evidente, especialmente na esfera criminal, quando o noticiário, a respeito de determinado evento, monopoliza quase todos os horários da mídia falada e escrita (2008, p. 15).

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Sob a mesma ótica dispõe Aury Lopes Júnior:

Em se tratando de uma prática que atinge todas as pessoas, assim como os jurados, é muito possível que, de certa forma, um julgamento acabe atribuindo valor de prova a algo que sequer adentrou no processo, [...] não há dúvidas de que a exposição massiva dos fatos e atos processuais, os juízos paralelos e o filtro do cronista afetam o (in) consciente dos jurados, além de acarretarem intranquilidade e apreensão (2004, p. 253).

Assim, atualmente é necessário verificar quais são os impactos que a mídia exerce sobre os jurados no momento de prolação de decisão pelo Conselho de Sentença, isso porque, no que diz respeito aos crimes dolosos contra a vida, a comoção social e midiática são fatores que podem ter influência nos votos a serem proferidos.

Mesmo o princípio do sigilo das votações não é capaz de blindar os julgadores da pressão externa promovida pelas notícias e informações veiculadas pela imprensa, de forma que, deste modo, aqueles que serão julgados ficam desprovidos de direitos e garantias constitucionais, como o princípio da presunção de inocência, e direito à ampla defesa e contraditório.

Desta forma, torna-se notável que entre o Tribunal do Júri e os princípios, direitos e garantias citados no presente trabalho há evidente desconsonância, que deve ser avaliada e resolvida para termos a correta aplicação dos preceitos constitucionais.

3.1 CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DAS LIBERDADES DE EXPRESSÃO E

INFORMAÇÃO

Conforme ensina Pedro Lenza, “a Constituição assegurou a liberdade de manifestação do pensamento, vedando o anonimato. Caso [...] se cause dano material, moral ou à imagem, assegura-se o direito de resposta, [...] além da indenização” (2015, p. 1167).

Sobre o assunto afirmam Sarlet, Marinoni e Mitidiero que a norma disposta no inciso IV do art. 5º da Constituição estipula uma “cláusula geral”, que deve ser interpretada juntamente com outros dispositivos, cuja finalidade é assegurar a liberdade de expressão em suas variadas formas, entre as quais podemos destacar a liberdade de manifestação, a liberdade de expressão artística, a liberdade de ensino e pesquisa, e a liberdade de comunicação e informação a qual podemos chamar de “liberdade de imprensa” (2013, p. 452 e 454).

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3.1.1 A posição de preferência da liberdade de expressão

A liberdade de expressão – adicione-se a liberdade de informação (imprensa) – possui uma posição preferencial se colocada frente a frente com outras garantias, tendo em vista que a liberdade de expressão é fundamental para o exercício de outras liberdades, quais sejam aquelas consignadas acima.

Desta forma, da posição de preferência da liberdade de expressão, resulta o caráter totalmente excepcional da possibilidade de prévia censura à publicações. Tal medida deve ser sempre derrogada pela composição posterior de eventual dano que possam sofrer os direitos da personalidade. Logo, deve o aplicador do direito no caso concreto exercer a ponderação para verificar a amplitude dos danos aos direitos da personalidade que o exercício da liberdade de expressão poderia causar. Apenas se for impossível a composição posterior do dano, haverá a possibilidade de proibição de eventual publicação.

Estabelece Luís Roberto Barroso (2018) que

[...] as liberdades de informação e de expressão servem de fundamento para o exercício de outras liberdades, o que justifica uma posição de preferência – preferred position – em relação aos direitos fundamentais individualmente considerados. Tal posição, consagrada originariamente pela Suprema Corte americana, tem sido reconhecida pela jurisprudência do Tribunal Constitucional espanhol e pela do Tribunal Constitucional Federal alemão. Dela deve resultar a absoluta excepcionalidade da proibição prévia de publicações, reservando-se essa medida aos raros casos em que não seja possível a composição posterior do dano que eventualmente seja causado aos direitos da personalidade. A opção pela composição posterior tem a inegável vantagem de não sacrificar totalmente nenhum dos valores envolvidos, realizando a ideia de ponderação.

Outrossim, em que pese a posição de preferência da liberdade de expressão, o STF não adota o entendimento de que a garantia da referida liberdade é absoluta. O direito fundamental da liberdade de expressão, no Brasil, encontra restrições que observam o combate ao preconceito e à intolerância. Para isso, a solução nos casos de conflito deve ser realizada pela técnica da ponderação observando-se o princípio da proporcionalidade (LENZA, 2015, p. 1170).

Neste sentido podemos observar a manifestação do Supremo Tribunal Federal, mais precisamente em acórdão onde o Ministro Gilmar Mendes estabeleceu que

[...] as liberdades de expressão e de informação e, especificamente a liberdade de imprensa, somente podem ser restringidas pela lei em hipóteses excepcionais, sempre em razão de outros valores e interesses constitucionais igualmente relevantes, como os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à personalidade em

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geral. Precedente do STF: ADPF nº 130, Rel. Min Carlos Britto” (BRASIL, STF, 2009).

Explicando o entendimento jurisprudencial, Sarlet, Marinoni e Mitidiero aduzem que

[...] doutrina e jurisprudência, notadamente o STF, embora adotem a tese da posição preferencial da liberdade de expressão, admitem não se tratar de direito absolutamente infenso a limites e restrições, desde que eventual restrição tenha caráter excepcional, seja promovida por lei e/ou decisão judicial (visto que vedada toda e qualquer censura administrativa) e tenha por fundamento a salvaguarda da dignidade da pessoa humana (que aqui opera simultaneamente como limite e limite aos limites de direitos fundamentais) e de direitos e bens-jurídicos-constitucionais individuais e coletivos fundamentais, observados os critérios da proporcionalidade e da preservação do núcleo essencial dos direitos em conflito” (2013, p. 470).

Desta forma, como podemos observar, em que pese a “posição preferencial” conferida à liberdade de expressão, doutrina e jurisprudência não atribuem ao referido direito fundamental caráter absoluto.

3.1.2 Veiculação de fatos x explicitação de opiniões

O entendimento doutrinário pátrio diferencia as liberdades de informação e de expressão, assegurando que a primeira refere-se ao direito individual de comunicar livremente fatos e ao direito difuso de ser deles informado; enquanto que a liberdade de expressão, por sua vez, tem o objetivo de proteger o direito de expor ideias, opiniões, juízos de valor, em suma, qualquer manifestação do pensamento humano. Sem delongas, reconhece-se que a veiculação de fatos nunca é uma atividade absolutamente neutra, visto que até mesmo na seleção dos fatos a serem divulgados há uma interferência do componente de preferência e opinião pessoal (BARROSO, 2018).

Nesta senda leciona Simone Schreiber que a liberdade de informação e a liberdade de expressão diferenciam-se, notadamente, porque esta refere-se a opiniões, ideias e juízos de valor, enquanto aquela tem por objeto a divulgação de fatos (2008, p. 95).

No mesmo sentindo, continua a autora asseverando que, tratando-se do desempenho da atividade informativa por grandes empresas de comunicação em massa, mister se faz observarmos que, em que pese os meios de comunicação impressos e televisivos (inclua-se aqui os meios de comunicação online), por muitas vezes trazerem em seu conteúdo de forma destacada editoriais, colunas e demais reportagens que contenham certo juízo

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valorativo quanto aos assuntos veiculados, o conteúdo de caráter opinativo não se restringe apenas ao seu respectivo espaço no noticiário, pois a própria escolha do assunto, o modo de tratamento dado ao tema, bem como sua apresentação, mesmo que de forma supostamente imparcial, demonstra a efetivação de escolhas subjetivas que têm por objetivo o convencimento dos respectivos espectadores a respeito do tema.

Para ela, por ser considerada como requisito da liberdade de informação, a veracidade da notícia merece especial atenção. Tendo em vista a velocidade com que atualmente são veiculadas as notícias, e levando em consideração a tecnologia que hoje é empregada na atividade jornalística para viabilizar a instantaneidade da informação, a doutrina vem flexibilizando a exigência de veracidade absoluta por considerar que, levar a cabo tal requisito inviabilizaria o funcionamento dos meios de comunicação em massa. Dessa forma, o requisito outrora absoluto da veracidade da informação assume uma roupagem direcionada ao compromisso de diligenciar em busca da verdade (2008, p. 98).

Sobre o assunto podemos afirmar que

Da circunstância de destinar-se a dar ciência da realidade, decorre a exigência da verdade – um requisito interno, mais do que um limite – já que só se estará diante de informação digna de proteção nesses termos, quando ele estiver presente. Lembre-se, porém, que a verdade aqui não corresponde, nem poderia corresponder, a um conceito absoluto. De fato, no mundo atual, no qual se exige que a informação circule cada vez mais rapidamente, seria impossível pretender que apenas verdades incontestáveis fossem divulgadas pela mídia. Em muitos casos, isso seria o mesmo que inviabilizar a liberdade de informação, sobretudo de informação jornalística, marcada por juízos de verossimilhança e probabilidade. Assim, o requisito da verdade deve ser compreendido do ponto de vista subjetivo, equiparando-se à diligência do informador, a quem incumbe apurar de forma séria os fatos que pretende tornar públicos (BARROSO, 2018).

Dessa forma, não se pretende negar a existência de um dever subjetivo e ético dos profissionais da informação de diligenciarem na busca da verdade. O caráter coletivo do direito à liberdade de expressão e de informação, e a relevância destas liberdades na formação da opinião pública, dá ampla justificativa para a existência de especial tutela protetiva aos jornalistas e às empresas de comunicação, com maior ênfase no que diz respeito ao direito de coletar informação. Essa tutela encontra como condição a exigência de observância à regras éticas bem como a possibilidade de responsabilização por eventual veiculação de notícias inverídicas ou previamente “inventadas”, especialmente dentro do contexto de colisão com os direitos fundamentais dos indivíduos atingidos por tais condutas (SCHREIBER, 2008, p. 100).

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Nesse sentido podemos verificar que

[...] deve-se ter em conta que a espontaneidade da comunicação, que muitas vezes recorre a exageros patentes e a usos não literais da linguagem, seria gravemente cerceada se o Direito exigisse que todos, de forma racional e ponderada, dissessem sempre ‘a verdade, toda a verdade e nada mais do que a verdade’. A existência de afirmações falsas é um elemento inevitável de uma esfera de discurso público, aberto e pluralista. [...] mesmo no contexto específico da atividade informativa, a imposição de uma obrigação de verdade poderia ter um efeito desproporcionado sobre o exercício daquela, colocando problemas de inibição e autocensura. Daí que a doutrina e a jurisprudência constitucionais mitiguem essa obrigação de verdade pela exigência de cumprimento de regras éticas e deontológicas (MACHADO, 2002, p. 420).

Assim, observamos que o padrão de veiculação de notícias geralmente adotado na cobertura de eventos criminais e processuais simultaneamente simplifica e mistifica os fatos, uma vez que a “verdade” veiculada nos meios de comunicação é, geralmente, essencialmente diversa daquela que surge de dentro do processo, advinda da atuação das partes que é regulada pelo juiz, com a respectiva observância às garantias do devido processo legal. Sem raridade, a cobertura jornalística dada aos julgamentos criminais recebe um viés de campanha da “opinião pública”, cujo objetivo é a rápida, e exemplar, punição do réu (SCHREIBER, 2008, p. 119).

A reflexão sobre as afirmações acima colacionadas se faz importante para verificarmos o problema que surge com a disparidade entre verdade jornalística e verdade processual, que por muitas vezes cria situações tensas e constrangedoras, quando os fatos espalhados pelos meios de comunicação a respeito de crimes, e os fatos apurados e consignados no respectivo processo, são diferentes.

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4 COLISÃO DO DIREITO A UM JULGAMENTO JUSTO E IMPARCIAL E O DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO E INFORMAÇÃO

O direito a um julgamento justo e imparcial advém do princípio do devido processo legal elencado no inciso LIV do art. 5º da Constituição Federal de 1988. Analisando a norma insculpida na Constituição, podemos observar que “o escopo do princípio estudado é reduzir o risco de ingerências indevidas nos bens tutelados, através da adoção de procedimentos adequados” (SCHEREIBER, 2008, p. 173).

Para Simone Schreiber, em que pese a referida regra ser aplicada aos processos judiciais, independentemente de serem penais, cíveis ou administrativos, é possível afirmar que o direito processual no âmbito penal é um campo fértil para a exploração das potencialidades da cláusula do devido processo legal. Tal fato pode ser explicado tendo em vista a importância dos bens individuais colocados em risco nos processos criminais e, também, pelo fato de a relação processual se dar, na maioria dos casos, em situação de hipossuficiência, tendo de um lado o Estado e do outro o indivíduo (réu – hipossuficiente). Para a autora essa relação desproporcional no processo delineou a natureza do devido processo legal na seara penal, dando maior importância aos direitos do réu (2008, p, 173-174).

No mesmo sentido dispõe que

O investigado ou acusado em processo criminal não tem direito de impedir que o seu caso seja reportado pela imprensa (o que decorre do princípio da publicidade[...]), muito embora o princípio da presunção de inocência atue para impedir que seja submetido a tratamento humilhante ou exposição indevida pelos meios de comunicação. O problema não está no interesse da imprensa pela ocorrência de um crime e sua apuração, mas sim na lógica que pauta a atividade jornalística quando acompanha uma investigação criminal e na forma como os fatos e as pessoas envolvidas são geralmente retratados.

É importante desmistificar o papel que a imprensa se atribui na democracia de instituição descompromissada e imbuída dos melhores propósitos, legítima tradutora dos interesses da sociedade e fiscalizadora dos órgãos do Estado, comprometida unicamente com a busca imparcial da verdade. Essa desmistificação não visa o estabelecimento de mecanismos de controle social ou estatal sobre a imprensa, mas sim reequilibrar a balança quando o exercício da liberdade de expressão colide com outros direitos fundamentais (2008, p. 210).

4.1 MEDIDAS QUE VISAM GARANTIR A IMPARCIALIDADE DOS JURADOS

O ordenamento jurídico traz algumas medidas que têm a intenção de garantir a imparcialidade dos jurados, com a finalidade de proporcionar ao réu um julgamento justo.

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Tais procedimentos são: o sigilo das votações, a incomunicabilidade dos jurados, e o desaforamento.

O sigilo das votações está previsto na alínea “b” do inciso XXXVIII do art. 5º da Constituição Federal, e tem razão de existir pois

A forma sigilosa, ou secreta, da votação decorre da necessidade de resguardar-se a independência dos jurados – juízes leigos, destituídos de garantias, ao contrário dos juízes togados – no ato crucial do julgamento, que é a deposição dos votos, em sentido positivo ou negativo, dela resultando a sorte do veredicto e o destino dos acusados. No momento da deliberação, os jurados devem ver-se cercados das mais sérias precauções, a fim de que decidam com independência e imparcialidade, livres de quaisquer pressões, de ameaça de violência física, resultante de coação, ou de violência moral, que se traduz, muitas vezes – numa, e noutra hipótese – pela presença ostensiva e ameaçadora dos parentes da vítima ou amigos do réu (MARREY; FRANCO; STOCO, 2000, p. 409-410).

A incomunicabilidade dos jurados está prevista no art. 458, §1º do Código de Processo Penal, e consiste em uma advertência dada pelo juiz aos jurados de que, uma vez sorteados, não poderão se comunicar nem emitir opinião sobre o processo, sob pena de multa.

Desta forma

A incomunicabilidade dos jurados significa que os jurados não podem conversar entre si, durante os trabalhos, nem nos intervalos, a respeito de qualquer aspecto da causa posta em julgamento, especialmente deixando transparecer a sua opinião [...] Em razão da incomunicabilidade, deseja-se que o jurado decida livremente, sem qualquer tipo de influenciação, ainda que seja proveniente de outro jurado. Deve formar seu convencimento sozinho, através da captação das provas apresentadas, valorando-as segundo o seu entendimento. Portanto cabe ao juiz presidente impedir a manifestação a manifestação da opinião do jurado sobre o processo, sob pena de nulidade da sessão de julgamento (NUCCI, 2005, p. 738).

Já o instituto do desaforamento possibilita a mudança do local onde dar-se-á a realização da sessão de julgamento, e pode acontecer nas hipóteses elencadas no art. 424 do Código de Processo Penal.

Neste sentido, temos que

O desaforamento implica na modificação da competência fixada inicialmente. A medida interfere no direito do réu, de ser processado perante o juízo competente (corolário ao princípio do juiz natural – art.5, LIII, CF). Ademais, em tese, subtrai o réu do julgamento por seus pares (entendidos como aqueles que residem no local em que o crime se consumou), o que é uma das razões de ser da instituição do júri. Por tudo isso, o desaforamento deve ser ordenado apenas em situações excepcionais, dentre as quais, a constatação de um ambiente adverso que inviabilize a seleção de jurados imparciais para compor o conselho de sentença (SCHREIBER, 2008, p. 223).

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Analisando as medidas para evitar a parcialidade dos jurados disponíveis no ordenamento pátrio, devemos abrir questionamento no sentido de verificarmos se tais institutos são aptos a impedir possível interferência da atividade midiática contra o acusado.

Isso porque, as decisões advindas dos jurados não têm obrigatoriedade de motivação, o que obsta a verificação do caminho racional tomado por eles para seu convencimento a fim de condenar ou absolver o réu. Não é possível analisar a forma de valoração das provas, bem como as razões para acolhimento de determinadas teses e rejeição de outras. As decisões tomadas pelo tribunal do júri são dotadas de soberania e só podem ser objeto de revisão em outro júri, que igualmente decidirá sem explicar suas razões para tanto.

A obrigação de externar as razões de suas decisões, exigida dos outros órgãos integrantes do Poder Judiciário, atua como componente de ratificação das respectivas decisões. É através das razões de decidir que se faz possível analisar se o julgador decidiu apoiando-se nos argumentos apresentados e confrontados de maneira válida no ambiente processual.

A autora Simone Schreiber defende que as particularidades que permeiam o tribunal do júri justificam a implementação de mais medidas protetivas em caso de verificação de trial by media, ou seja, julgamento pela imprensa, pois o fato de não ser possível analisar os motivos que baseiam a decisão pronunciada pelos jurados impõe duas questões.

Explica que a primeira diz respeito à impossibilidade de exigência de demonstração concreta da quebra de imparcialidade para adoção de medidas de proteção, visto que o desconhecimento dos motivos ensejadores da decisão do júri impossibilita a aferição de eventual prejuízo ocasionado pela influência midiática. No mesmo sentido, dispõe que a segunda questão paira na necessidade de ampliação de medidas que previnam ou corrijam condenações ocorridas pela interferência de campanhas midiáticas especificamente nos julgamentos pelo tribunal popular.

Segundo ela tal necessidade não significa que sejam os jurados mais permeáveis à influência da opinião pública do que juízes de carreira. Explica que a decisão de um juiz togado é passível de controle pela motivação obrigatoriamente nela externada, que funciona como fator de inibição de eventual atitude do juiz permeável a campanha midiática, tendo em vista a obrigação de fundamentação da decisão nas provas e teses apresentadas pelas partes dentro do processo, bem como, acrescenta que a obrigatoriedade de motivação permite que a decisão seja amplamente impugnada e revista em segundo grau (2008, p. 230-232).

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Sobre a necessidade de comprovação de efetiva quebra de imparcialidade temos que

O debate sobre se a comprovação [...] é necessária para que sejam tomadas medidas de proteção do direito do réu ao julgamento justo versus a mera possibilidade da quebra de imparcialidade decorrente do risco de que pressões externas influenciem indevidamente os jurados é travado na jurisprudência da Suprema Corte norte-americana e também da Corte Européia de Direitos Humanos. Nos Estados Unidos, os primeiros julgados sobre o trial by media exigiam, para a anulação do julgamento, que a quebra de imparcialidade tivesse ficado inequivocamente demonstrada, atribuindo à defesa o ônus de provar esse fato. A partir do Caso Marshall v. United States, e posteriormente em Irvin v. Dowd, Rideau v. Louisiana e Sheppard v. Maxwell a Corte passou a admitir que a intensidade da campanha midiática poderia em algumas circunstâncias fazer presumir o prejuízo causado ao réu. A Corte Européia, no leading case Worm v. Áustria, dispensou a prova do impacto efetivo da publicação prejudicial no resultado do julgamento, considerando suficiente a potencialidade do risco, para apoiar a punição de um jornalista que teria deliberadamente deflagrado uma campanha de mídia pela condenação de um réu em Viena (SCHREIBER, 2008, p. 231).

Já sobre a incomunicabilidade, Schreiber acredita que essa medida não tem impacto forte o suficiente para assegurar que a campanha midiática não faça efeitos sobre o ânimo dos jurados. Isso porque a medida não pode impedir que os futuros jurados já tenham formado seus convencimentos sobre casos que tenham grande repercussão antes de serem submetidos a obrigação de não se comunicar (2008, p. 232).

Neste sentido podemos verificar que

O objetivo da incomunicabilidade, ou seja, assegurar a independência e imparcialidade dos jurados, já sofre interferência anterior à existência formal do ato que se verifica com o compromisso dos juízes de fato. Como cidadãos, os jurados, provocados pelos debates na mídia, já externaram suas posições, já manifestaram suas opiniões sobre os fatos relacionados com o processo, já foram influenciados pelas opiniões de terceiros, por meio de jornais, revistas, televisão, quando já não formaram suas convicções. Daí entendermos que a incomunicabilidade não resguarda, senão formalmente, a imparcialidade dos jurados (VIEIRA, 2003, p. 249).

4.2 A COLISÃO DE DIREITOS

A ocorrência de um crime é um acontecimento público, e suas respectivas investigação e punição se transformam em assunto de interesse da sociedade, bem como se faz de interesse público também a maneira como os órgãos responsáveis pela realização do poder estatal, incluindo o Poder Judiciário, funcionam a agem diante da referida situação. Soma-se a isso o fato de que as Autoridades Policiais, os membros do Ministério Público,

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Juízes e servidores da justiça são todos agentes públicos e, de tal forma, estão sujeitos à livre crítica pública, mesmo que ácida ou as vezes ofensiva, desde que se refiram aos assuntos de interesse público.

Nesse aspecto Simone Schreiber esclarece que

Tais premissas, por si, legitimam a livre veiculação pela mídia, não só de fatos, mas também de opiniões, sobre julgamentos criminais em curso, incluindo manifestações críticas sobre a atuação dos juízes e demais pessoas que de alguma forma participem desses julgamentos. Sob outro ângulo, o exercício desse direito exige que se dê amplo acesso aos jornalistas ao conteúdo dos processos em curso, pois se tal não ocorrer, a liberdade de informar e opinar sobre o tema ficará esvaziada.

Contudo, isso não impede a constatação de que o exercício pela imprensa do direito de acesso a informações pertinentes a feitos criminais, bem como livre veiculação de notícias e opiniões, apresenta pontos de tensão com outros direitos e interesses de estatura constitucional, como são os direitos de personalidade dos réus, vítimas e testemunhas, o direito fundamental da presunção de inocência, o interesse público na boa condução da investigação criminal e na boa administração da justiça e, finalmente, o direito a um julgamento justo (2008, p. 264).

A atuação militante da mídia no recolhimento de dados sobre delitos cujas circunstâncias ainda não foram esclarecidas, quer estejam ou não sendo objetos de inquérito policial ou processo criminal, merece especial atenção.

Neste tipo de atuação, o profissional da imprensa não exerce apenas a atividade informativa, pelo contrário, atribui a si próprio o papel de coadjuvante da Autoridade Policial e do judiciário, exercendo a função de apurar os fatos, bem como incentivar a punição dos réus, sob o discurso de “fazer a justiça funcionar”.

Não são raras as vezes em que os jornalistas precipitam-se à inauguração dos respectivos autos investigatórios e, por conta própria, colhem informações sobre o acontecimento de determinado crime intitulando este comportamento de jornalismo investigativo. Por trás dessa atividade há o amparo do discurso enaltecedor da imprensa cidadã que se volta contra a criminalidade e repudia a impunidade, “ainda que isso lhe custe o sacrífico de alguns mártires, cujo exemplo mais contundente é o do jornalista Tim Lopes” (SCHEREIBER, 2008, p. 269).

Em que pese a cativante falácia de luta contra o crime explicada acima, a atividade jornalística com viés investigatório fere direitos fundamentais das pessoas que estão envolvidas no assunto que é objeto da investigação pela mídia. A colisão entre o direito à liberdade de expressão e o direito a um julgamento justo e imparcial, advém do fato de que os procedimentos investigativos adotados pela imprensa traduzem-se na procura pela verdade estando dissociados dos parâmetros do devido processo legal.

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Soma-se a isso o fator de interferência que aspectos produzidos e propagados pela mídia, e não introduzidos de forma legal no processo, possam ter sobre a decisão final prolatada nos autos, especialmente no que diz respeito ao tribunal do júri que funciona através do julgamento popular.

[...] essa atuação militante de imprensa também se manifesta no chamado jornalismo investigativo, que consiste na coleta de informações, por jornalistas, sobre crimes ainda não desvendados, estejam ou não sendo apurados pela polícia. O problema que decorre daí é a ausência de limites aos métodos utilizados para coleta de informações e, muitas vezes, a impossibilidade utilização válida das provas produzidas pelos jornalistas nos processos judiciais, acirrando a imagem de ineficiência do Judiciário e reafirmação da imprensa como defensora da cidadania, e ainda do risco de consideração indevida das provas que não foram colhidas sobre o processo legal no veredicto judicial (SCHREIBER, 2008, p. 364).

Para a autora, o problema de que o juiz seja influenciado – de forma consciente ou não – pelas informações não inseridas de forma válida no processo, embora possa atingir juízes togados, é agravado nos processos do tribunal do júri, pelo simples fato de que os jurados não têm obrigação de motivar sua decisão. No Brasil o conselho de sentença delibera respondendo aos quesitos que são lidos pelo juiz em votação plebiscitária, o que não viabiliza o controle do caminho racional percorrido por cada julgador para chegar ao veredicto.

Segundo a autora, só esse fator já impede eventual verificação sobre se os jurados decidiram com base estritamente na prova apresentada no processo, sem que seja necessário discorrer sobre outros motivos geralmente apontados como de maior vulnerabilidade dos juízes leigos em frente à publicidade opressiva de julgamentos criminais, tais quais, falta de preparo técnico, falta de compreensão do alcance das normas constitucionais de garantir, falta de prerrogativas que dão à magistratura togada independência funcional, entre outros (2008, p. 371).

O fato de os jurados terem contato mínimo com as provas produzidas no processo e apresentadas no plenário, e, por outro lado, estarem permanentemente expostos e sujeitos ao bombardeio de informações e notícias trazidos pela imprensa, caracteriza uma situação desproporcional que faz com que suas ideias e percepções estejam repletas de informações externas, e sejam menos sensíveis aos argumentos e provas demonstrados no debate que ocorre perante o tribunal.

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4.3 A DIFERENÇA ENTRE A VERDADE JORNALÍSTICA E A VERDADE PROCESSUAL

A imprensa e o Poder Judiciário exercem suas atividades de maneiras totalmente distintas, principalmente no que diz respeito ao fator tempo. É impossível que o Poder Judiciário, ou a Autoridade Policial realizem o trabalho de elucidação de fatos do mesmo modo e com a mesma rapidez que a mídia, pois a atividade jornalística é feita com “pressa”, visto que no referido ramo mais importante do que dar a notícia, é dar a notícia rápido.

O ritmo veloz de produção gera ainda outras consequências importantes: obriga o repórter a divulgar informações sobre as quais não tem certeza; reduz, quando não anula, a possibilidade de reflexão no processo de produção da notícia, o que não apenas aumenta a probabilidade de erro como, principalmente e mais grave, limita a possibilidade de matérias com ângulos diferenciados de abordagem, capazes de provocar questionamentos no leitor; e, talvez mais importantes, praticamente impossibilita a ampliação do repertório de fontes, que poderiam proporcionar essa diversidade (MORETZSOHN, 2002, p. 70).

Desta forma é inviável que o Poder Judiciário atue na mesma velocidade que a imprensa, o que faz nascer no público em geral a sensação de incapacidade da justiça em atender as demandas com celeridade. Aqui a noção de demora é totalmente distorcida, pois a mídia tem a faculdade de repercutir os fatos sem submete-los a um juízo de verificação, ou, sem permitir o amadurecimento das informações através de uma análise minuciosa dos elementos de convicção encontrados.

De outro lado o Poder Judiciário é obrigado a averiguar os fatos com muito mais cautela, baseando-se nas regras do devido processo legal, o que faz com o que o ritmo de trabalho empregado seja mais demorado do que aquele exercido pela imprensa diante dos mesmos acontecimentos.

A boa justiça é concebida em tempo lento, onde se pensa, medita-se até encontrar a melhor solução ou os melhores argumentos para a conclusão, porque o processo é a pesquisa da verdade. [...] O tempo para a conclusão de um processo de conhecimento depende da complexidade do problema deduzido, da argumentação das partes e do tipo de prova que a verdade exige. [...] Essa demora necessária à solução dos conflitos passou a ser o alvo preferencial das críticas em tempo de “velocidade máxima”. [...] A pressa ou velocidade na justiça só produz o acordo cada vez menos satisfatório, levando a pessoa ao ponto de desistir da justiça institucional. [...] A velocidade não é apenas um pseudovalor, utilizado para qualificar de antiquado e ruim tudo o que não estiver no seu compasso. A valorização que se lhe atribui produz na mesma escala a desvalorização do papel da justiça, onde os argumentos essências não são utilizados, bastando repetir à exaustão que ela é morosa para cair na rejeição popular e ficar pacífica a sua inutilidade. Assim, o enaltecimento da velocidade não é apenas mais uma campanha de venda de um produto, mas uma tarefa política, através da qual condenam-se instituições,

Referências

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