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Para verificarmos a ocorrência da colisão entre o direito a um julgamento criminal justo e o direito à liberdade de expressão e informação é necessário efetuar a distinção entre uma cobertura midiática lícita e campanha midiática prejudicial ao julgamento criminal, que pode ser chamada de trial by media.

Trial by media é uma expressão que se tornou popular a partir do final do século

XX e início do século XXI para descrever o impacto da cobertura televisiva e jornalística sobre a reputação de uma pessoa ao criar uma percepção generalizada de culpa ou inocência antes ou depois de um veredicto em um tribunal.

Durante casos judiciais de alta publicidade, a mídia é frequentemente responsável por provocar uma atmosfera de histeria pública, basicamente criando uma multidão disposta a praticar um linchamento moral, o que não apenas torna um julgamento justo quase impossível, mas significa que, independentemente do resultado do julgamento, o acusado não será capaz de viver o resto de sua vida sem um intenso escrutínio público.

O contra-argumento muitas vezes usado pela imprensa é que a opinião do grande público já existe independentemente do que a mídia veicule, e que esta apenas expressa as opiniões que o público já tem.

Embora “trial by media” seja uma frase recentemente cunhada, a ideia de que a mídia popular pode ter uma forte influência no processo legal remonta certamente ao advento da imprensa escrita e, provavelmente, muito mais longe. A expressão pode ser usada não apenas para se referir ao uso de uma imprensa controlada pelo Estado para pressionar e criminalizar oponentes políticos, mas seu significado comumente compreendido abrange todas as ocasiões em que a reputação de uma pessoa é drasticamente afetada por publicações ostensivamente não-políticas (WIKIPEDIA, 2018).

Muitas vezes, a cobertura na imprensa pode ser considerada como um reflexo das opiniões das pessoas nas ruas. No entanto, o material midiático recebe muito mais

credibilidade do os comentários feitos nas ruas. A responsabilidade da imprensa em transmitir informações e vazamentos sobre os indivíduos que estão sendo julgados está sob crescente avaliação doutrinária.

Há grande dificuldade em determinar se os jurados são capazes de deixar de lado opiniões formadas por uma história da mídia para avaliar as evidências de um julgamento de maneira justa e imparcial. As opiniões são os alicerces sobre os quais se cria uma pessoa racional e ponderada, e, portanto, colocar de lado as opiniões é uma tarefa árdua para qualquer ser humano.

Pedir a um jurado de um processo de alta repercussão midiática - que sem dúvidas é exposto ao retrato da imprensa sobre o réu e os fatos antes do julgamento começar - para tomar uma decisão baseando-se exclusivamente nas provas apresentadas no julgamento, é uma tarefa altamente árdua e de resultado duvidoso.

Entretanto medidas que ajam sem sacrificar a liberdade de imprensa ou o direito a um julgamento justo, para limitar os efeitos prejudiciais da mídia sobre os jurados devem ser disponibilizadas pela doutrina e pela jurisprudência.

Neste sentido, para verificarmos se está ocorrendo a veiculação de discurso ilícito capaz de configurar o “trial by media” com potencialidade de afetar a percepção dos futuros jurados, devemos fazer um exercício de análise que “envolve algum grau de subjetividade e demanda a valoração do conteúdo de mensagem” (SCHREIBER, 2008, p. 374).

[...] Não há como fugir da avaliação do conteúdo da expressão para aferir se ela é prejudicial ao réu. A manifestação será predominantemente opinativa. Deve formular juízos de valor a respeito dos fatos, de uma lado sustentando a culpa do acusado e defendendo sua rápida condenação e do outro, criticando a forma permissiva e leniente como a Justiça conduz o caso. Ainda que se trate de notícia pretensamente informativa, a divulgação parcial de fatos e versões e a manipulação de dados também caracterizam a reportagem prejudicial.

A doutrina utiliza ainda a figura da usurpação da função judicial pela imprensa e da mudança indevida do locus do julgamento para caracterizar o trial by media. Ocorre assim a instauração de um processo paralelo [...] conduzido sem respeito às garantias, pressionando-se, a seguir, o judiciário para acatar o veredicto propugnado pela opinião pública, impossibilitando que o julgamento se dê em adequado ambiente de serenidade (SCHREIBER, 2008, p. 375).

Atualmente assistimos o deslocamento de alguns processos para a mídia, os julgamentos não apenas deixam de ser realizados pelos tribunais, como também os órgãos da imprensa além de informar sobre o trabalho do poder judiciário, adotam o posicionamento de uma das partes, pronto para mudar instantaneamente em caso de necessidade no decorrer do processo. Desta forma a imprensa revela aos seus consumidores elementos de prova, antes

mesmo que a própria justiça tenha conhecimento deles, analisa o trabalho de acusação de defesa e, finalmente, julga no lugar dos jurados (GARAPON, 1999, p. 79).

Então basicamente o primeiro fator que deve estar presente para a caracterização do trial by media é o caráter prejudicial das informações veiculadas sobre o processo, bem como “a constância de inserções de notícias informativas e opinativas sobre determinado julgamento” (SCHREIBER, 2008, p. 377).

Doutro norte, o segundo fator que deve estar presente para a verificação do fenômeno ora explicado, é o risco de eventual influência negativa pela publicidade veiculada.

Neste sentido:

[...] a questão sobre a necessidade de demonstração de que as notícias veiculadas sobre determinado julgamento tenham efetivamente influenciado a convicção dos juízes enseja controvérsias. A Suprema Corte norte-americana considerou, nos primeiros casos em que os réus buscavam a anulação de veredictos condenatórios, em face da ocorrência de publicidade opressiva no curso do julgamento, que era necessária a demonstração do prejuízo efetivo, significando que os réus tinham o ônus de provar que os jurados, ao contrário do que se supunha, tinham decidido a causa influenciados por fatos estranhos ao processo. [..]

Não obstante, a demonstração de quebra efetiva da imparcialidade é praticamente impossível, ainda mais se tratando de jurados, que não motivam suas decisões. E a própria Suprema Corte acabou modificando esse standard quando enfrentou casos em que a campanha de mídia foi tão intensa, que o prejuízo para o réu poderia ser presumido (SCHREIBER, 2008, p. 377, grifo nosso).

Assim, o segundo elemento que deve existir para a caracterização do fenômeno

trial by media é o risco potencial de que as reportagens tendenciosas venham a exercer

influência no resultado do julgamento.

4.4.1 “Goleiro Bruno” – um dos mais recentes casos de trial by media no cenário jurídico nacional contemporâneo

Um caso de grande relevância midiática e impacto social é o do desaparecimento (e morte presumida) de Eliza Samúdio, suposta amante do ex-goleiro do time do flamengo, Bruno, em 2010.

O atleta teve um caso com a vítima, configurado num relacionamento rápido do qual resultou o nascimento de uma criança, filho de Eliza – à época, supostamente, modelo e atriz – com o atleta Bruno. Conforme as informações veiculadas pela imprensa, o goleiro não quis reconhecer a paternidade da criança, fato que levou Eliza a acionar os meios judiciais.

Depois disso, Eliza teria se dirigido à região do município de Contagem, em Minas Gerais, a pedido do goleiro para que lá pudessem conversar, segundo o relato de amigos e parentes da vítima.

Após se deslocar ao local citado, a vítima desapareceu e até hoje não foram encontrados sequer restos mortais que indiquem a morte de Eliza, mas as respectivas providencias investigatórias foram tomadas, e em março de 2013 a justiça condenou o ex- atleta ao cumprimento de 17 anos e 6 meses em regime fechado por homicídio triplamente qualificado (por motivo torpe, asfixia e uso de recurso que dificultou a defesa da vítima), a outros 3 anos e 3 meses em regime aberto por sequestro e cárcere privado e ainda a mais 1 ano e 6 meses por ocultação de cadáver (WIKIPEDIA, 2018).

Nesse sentido, desde o começo das investigações, as formas como o acusado Bruno e a vítima Eliza foram apresentados pela mídia mudaram. No início, Bruno era tratado como uma espécie de vítima do misterioso desaparecimento de Eliza, alguém que figurava como inocente e também preocupado com a situação. Posteriormente, com o avanço das investigações pela polícia, a apresentação do atleta passou para assassino cruel, da mesma forma que a imagem de Eliza, que antes era veiculada como garota de programa e amante, passou a ser mostrada como a de uma pobre jovem modelo cheia de sonhos e planos que teve sua vida interrompida (MENDONÇA, 2013).

Desta forma:

Com a falta de novidades sobre o caso, o relacionamento conturbado do goleiro com várias mulheres e o filho do casal ganharam destaque em duas matérias do Último Segundo, que podem ser tidos como exemplos da influência e irresponsabilidade da mídia ao pautar e enquadrar temas que, além de causar polêmica, podem influenciar negativamente, condenando pessoas de maneira injusta e usando a espetacularização para ter audiência, alcançando assim aquele que parece, por vezes, ser seu único objetivo (CAMARGO, 2011).

Neste sentido, na época do desenrolar da investigação, e do posterior julgamento, era notório para qualquer telespectador a obsessão da mídia pelo caso bem como a reiterada certeza de culpa das pessoas que eram acusadas do cometimento do crime, mesmo sem haver sido encontrado qualquer corpo.

Desta forma, conforme Mendonça (2013), podemos perceber, observando o exemplo narrado que, a mídia em muitos casos de crimes de grande repercussão vai além do seu papel de informar e, de forma proposital e planejada, promove através de seus meios de comunicação efetiva manipulação dos fatos para contá-los de acordo com sua vontade,

apontado culpados e condenando-os, influenciando dessa forma a formação de opinião prematura daqueles que não tem acesso às verdadeiras informações.

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