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Esta seção tem por objetivo a compreensão do princípio da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais, que justificam os mecanismos de promoção da igualdade, e, em consequência, as políticas públicas de promoção da igualdade racial e de gênero. Para isso, observa-se a exposição dos conceitos e entendimentos, no âmbito jurídico-constitucional, da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais.

4.1.1 O princípio da dignidade da pessoa humana

Observa-se da Constituição Federal de 1988, como parte integrante do Título I, que trata dos princípios fundamentais: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, [...] constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana.” (BRASIL, 1988).

Assim, tratando-se de fundamentação para o Estado brasileiro, a dignidade da pessoa humana é princípio, valor e regra fundamental à ordem jurídico- constitucional brasileira (SARLET, 2009b). Já quanto ao conceito jurídico da dignidade da pessoa humana, estabelece José Afonso da Silva (1998, p. 92; 94):

[...] a dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. [...] como a democracia é o único regime político capaz de propiciar a efetividade desses direitos, o que significa dignificar o homem, é ela que se revela como o seu valor supremo, o valor que a dimensiona e humaniza.

No entendimento de Ingo Sarlet (2009b), diante de uma concepção multidimensional, aberta e inclusiva, a dignidade da pessoa humana é:

[...] qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida. (SARLET, 2009b, p. 67, grifo nosso).

Nesse sentido, então, o princípio da dignidade da pessoa humana deve servir de base de aplicação, integração e interpretação para todas as normas, no âmbito dos direitos fundamentais, das normas constitucionais e infraconstitucionais, e de todo ordenamento jurídico (SARLET, 2009b). Como estabelece Flávia Piovesan:

[...] seja no âmbito internacional, seja no âmbito interno (à luz do Direito Constitucional ocidental), a dignidade da pessoa humana é o princípio que unifica e centraliza todo o sistema normativo, assumindo especial prioridade. A dignidade humana simboliza, desse modo, verdadeiro superprincípio constitucional, a norma maior a orientar o constitucionalismo contemporâneo nas esferas local e global, dotando-lhe de especial racionalidade, unidade e sentido. (PIOVESAN apud MELLO; MOREIRA, 2015, p. 108).

Ainda, segundo Luís Roberto Barroso, o princípio da dignidade da pessoa humana representa:

[...] um espaço de integridade moral a ser assegurado a todas as pessoas por sua só existência no mundo. [...] relaciona-se tanto com a liberdade e valores do espírito quanto com as condições materiais de subsistência. O desrespeito a esse princípio terá sido um dos estigmas do século que se encerrou e a luta por sua afirmação, um símbolo do novo tempo. Ele representa a superação da intolerância, da discriminação, da exclusão social, da violência, da incapacidade de aceitar o outro, o diferente, na plenitude de sua liberdade de ser, pensar e criar. (BARROSO apud MELLO; MOREIRA, 2015, p. 107).

Daqui, prossegue-se a compreensão das normas constitucionais, com a exposição dos conceitos e entendimentos quanto aos direitos fundamentais.

4.1.2 Os direitos fundamentais

Conforme mencionado por Sarlet (2009b), não se podendo dissociar o princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais, há a ideia de que os direitos fundamentais constituem explicitações da dignidade da pessoa, e assim, como consequência, em cada direito fundamental há um conteúdo da dignidade da pessoa humana.

Dito isto, de forma resumida, conceitua-se direitos fundamentais como: “[...] direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado [...] nascem e se desenvolvem com as Constituições nas quais foram reconhecidos e assegurados [...]”. (SARLET, 2009a, p. 29; 35). No Brasil, os direitos fundamentais são garantidos pela Constituição Federal de 1988, especialmente no seu Título II, que trata dos direitos e garantias fundamentais (BRASIL, 1988).

No mesmo sentido, para Marçal Justen Filho, o direito fundamental: “[...] consiste em um conjunto de normas jurídicas, previstas primeiramente na Constituição e destinadas a assegurar a dignidade humana em suas diversas manifestações, de que derivam posições jurídicas para os sujeitos privados e estatais.” (JUSTEN FILHO

apud MELLO; MOREIRA, 2015, p. 25).

No entendimento de José Afonso da Silva, os direitos fundamentais são aqueles sem os quais o homem: “[...] não se realiza, não convive e, às vezes nem sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados.” (SILVA apud MELLO; MOREIRA, 2015, p. 25).

Na esfera de promoção dos direitos fundamentais, Barcellos (2008, p. 115) alegra que: “ [...] tanto o Estado como o Direito existem para proteger e promover os direitos fundamentais, de modo que tais estruturas devem ser compreendidas e interpretadas tendo em conta essa diretriz.”

Partindo desse pressuposto, cabe observar de forma específica o direito à igualdade, a fim de relacioná-lo diretamente ao enfrentamento da desigualdade racial e de gênero por meio dos mecanismos de promoção da igualdade, e em especial as políticas públicas.

Assim, o direito à igualdade, como um direito fundamental e essencial à questão da desigualdade, deve ser levantado como base para a construção dos objetivos aqui propostos. Inicialmente, cabe a identificação do direito à igualdade no texto constitucional, já que, como direito fundamental, está devidamente positivado.

A Constituição Federal de 1988 já no Preâmbulo dispõe: “[...] Estado

Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos [...]” (BRASIL, 1988, grifo nosso).

Em seguida, a Constituição Federal, tratando especialmente dos direitos e garantias fundamentais no Título II, garante no art. 5º, caput, a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, sendo todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (BRASIL, 1988). Assim, todos têm direito à igualdade, sem distinção de gênero, raça, cor, ou qualquer outro aspecto diferenciador.

Especificamente quanto à questão de gênero, o inciso I do art 5º, estabelece: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.” (BRASIL, 1988). Combinados ao inciso XXX do art. 7º, também da Constituição, assegura-se o direito à igualdade salarial, estabelecendo que é proibida a diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor, ou estado civil. Outro dispositivo constitucional que determina igualdade entre homens e mulheres, o art. 226, § 5°, estabelece que os direitos e obrigações referentes ao casamento e aos filhos são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

Já especificamente quanto à questão racial, o art. 5º, XLII, da Constituição Federal, estipula a igualdade de todos, sem distinção de qualquer natureza, estabelecendo que: “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. (BRASIL, 1988).

Ainda, como objetivos da República Federativa do Brasil, tem-se no art. 3º da Constituição Federal:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (BRASIL, 1988).

Ressalta-se a redução das desigualdades sociais e a promoção do bem de todos, sem qualquer discriminação, dentre outros, de raça/cor e sexo/gênero, como objetivos fundamentais do país ligados ao direito à igualdade. Nesse sentido, a promoção da igualdade racial e de gênero se firma como um objetivo fundamental.

Não se pretendendo exaurir o campo e o alcance dos direitos fundamentais em conjunto com o princípio norteador da dignidade da pessoa humana, passa-se na próxima seção à discussão das políticas públicas, com objetivo inicial de compreender sua função, especificamente como mecanismo de enfrentamento.