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Capítulo 3 – CONCEITUANDO TEORIA DA ATIVIDADE

3.3 A dimensão emocional da teoria da atividade

O que pouco se sabe sobre as questões relacionadas à Teoria da Atividade, segundo Leite (1999), é que considerando o contexto histórico em que se fundamentou a psicologia soviética marxista até sua dissolução no início dos anos 1990 o problema do vínculo do cognitivo e do afetivo, embora constituísse um dos pressupostos básicos expressos nas obras da maioria de seus clássicos, não foi por ela suficientemente tratado, devido à ênfase dada à esfera cognitiva, necessária ao período histórico que em a Teoria da Atividade se instituiu.

De acordo com Leite (1999), a velha motivação parecia ser a mediação necessária para desencadear ações, operações constituidoras da Atividade. No entanto, pesquisas, como as realizadas por Norman (2008), têm demonstrado a existência de emoções e/ou afetos responsáveis pela construção dessa motivação inicial e também pela motivação presente em todo o processo de realização do objetivo, mediado por um instrumento (material ou simbólico). Mas é preciso estudar a fundo o conjunto de ações e operações necessárias para a realização da atividade, para então, dimensionar até onde a emoção está presente e/ou pode influenciar no processo de decisão. Considerando que até a própria cognição envolvida nesse processo pode estar permeada por aspectos emocionais relevantes.

A dimensão emocional foi assunto por muito tempo esquecido, não somente pela Teoria da Atividade, mas por vários outros estudos que embasaram as primeiras pesquisas da psicologia soviética marxista. Segundo Rey (2000), as influências da linguística e da semiótica do pós-guerra conduziram as emoções a um epifenômeno em meio aos demais fenômenos psicológicos, como a linguagem e o pensamento, não tendo assim o marco teórico sólido para construção de um conhecimento científico sobre o tema. O grande motivo desse esquecimento veio da perspectiva reducionista dada ao assunto emoção, explicada como resultado biológico da uma percepção ou apenas como epifenômeno causador de reações físicas instintivas (Lange (1834 – 1900), Descartes (1596 – 1650), James (1842 – 1910)) que influenciaram a psicologia americana do comportamento, a psicologia objetiva russa e certas tendências da psicologia soviética).

Vygotsky (2004), fez duras críticas aos autores de sua época que se apoiavam nesse binômio estímulo – reação como paradigma de pesquisas da psicologia cognitiva. Para ele há uma indissolúvel união entre os processos emocionais e pensamento, portanto, afeto e cognição não são categorias sobrepostas, mas sim interdependentes. Assim, a emoção assume um papel ativo no desencadeamento das ações. Para Vygotsky, as emoções são funções psicológicas superiores, portanto, culturalizadas e passível de desenvolvimento, transformações e novas aparições.

58 observação do caráter histórico dos sentidos humanos pautados na atividade humana prática do trabalho. Assim, as emoções para T.A são situadas em relação á história individual e social, como instrumento passível de transformação e de desenvolvimento, são funções superiores que participam do processo de tomada de decisão, compondo nosso aparato biológico, instintivo e histórico-social. Segundo Leite (1999), as emoções relacionam-se com a atividade ao aprofundarmos o estudo com base nas necessidades, segundo a autora, as emoções impulsionam as variadas formas de atividade de homem, integrando-se não só a psicologia russa, mas também a esfera motivacional humana.

Smirnov (1969) confirma essa aproximação da emoção com contexto sociocultural, afirmando que as emoções e sentimentos são sociais, históricos e determinados por relações entre os homens, classes sociais e por exigências sociais. De acordo com Leite (1999) não existe consciência social fora do seu veículo, o indivíduo concreto, sendo esse indivíduo constituído, dentre outros sistemas de seu aparato emocional, que o permite compor e participar da dinâmica social em que está inserido. Percebe-se, então que o estudo da emoção vem da necessidade de resgatar a dialética entre fatores biológicos e culturais presente na Teoria da Atividade. Daí a importância do estudo da dimensão emocional da Teoria da Atividade para os designers: é a conformação cultural que o individuo tem contato ao longo do seu desenvolvimento que define muitas das suas escolhas e preferencias, formando seu repertório.

Assim, os aspectos culturais têm grande influencia para o indivíduo, influenciando na compreensão que o usuário tem de si mesmo e da sociedade em que vive. Segundo Norman (2008) esta visão aborda as lembranças e significados dos objetos para cada pessoa, além de relaciona-se também com a auto-imagem e o significado que um objeto pode ter perante a sociedade. As pessoas escolhem os objetos de seus entorno pelo o que estes possam representar para elas e para as outras pessoas. É nessa relação dialética entre o sujeito e seu objeto na realização de uma determinada atividade ao longo de seu percurso histórico-social que é construída sua consciência e, posteriormente, sua personalidade.

O estudo da atividade do sujeito vem, então, como uma ferramenta de estudo da sua personalidade, como indivíduo específico e personagem de uma dinâmica social. Analisando-se as mudanças por quais todos os indivíduos passam durante o decorrer da vida, alterando algumas de suas concepções, observa-se o “núcleo duro” da personalidade do sujeito, que é estável e contínuo. A atividade realizada por ele passa a ser, então, “unidades” da análise psicológica de sua personalidade. Podemos afirmar, portanto, que a atividade pura e simples não revela traços da personalidade, mas a forma como é realizada e sua frequência podem nos dar indícios importantes

59 sobre o motivo, que atribui maior ou menor importância à realização da atividade para o sujeito o que paulatinamente, constrói a consciência do indivíduo e, consequentemente, sua personalidade.

De acordo com Leontiev (1978), no nível da personalidade em crianças e animais o escopo das atividades e suas interconexões são diretamente determinados pelas próprias propriedades do sujeito, gerais e individuais, inatas ou adquiridas. Em outras palavras os “nós” que conectam as atividades isoladas são atados não pela ação de forças biológicas, mas pelo sistema de relações sociais os quais o individuam está inserido. O desenvolvimento e a multiplicação dos tipos de atividade de um indivíduo não conduzem simplesmente a uma expansão do seu catálogo, simultaneamente, ocorre um centramento delas em torno de várias atividades principais ás quais as outras são subordinadas. Esta definição de Leontiev alinha-se ao pensamento de Ausubel et al (1980) visto anteriormente, onde este define como “subsunsores” ou pontos de ancoragem as estruturas cognitivas de informações ou ideias relevantes para a construção de novos conhecimentos e organização destes, generalizando-se, progressivamente, e formando os conceitos necessários para o desenvolvimento cognitivo e social do sujeito.

Tomando como base a ideia de que as atividades organizadas em um meio social é sempre um processo dirigido por um motivo, chegamos a um ponto crucial na análise da atividade: a determinação dos motivos. Nesse momento, temos uma alta influencia das emoções e dos sentimentos para a realização ou não desta atividade. Entretanto, se faz necessário primeiramente, ressaltarmos a diferença entre necessidades e motivos: Na necessidade, o objeto não é claramente delineado, este só será reconhecido com o resultado da atividade. No momento em que o objeto é “revelado”, tornar-se por definição o motivo, já que o objeto poderá ser percebido, representado e imaginado.

Para Leontiev (1978), as emoções não estão subordinadas a atividade, mas parecem ser resultados e o “mecanismo” do seu movimento. A característica especial das emoções reside no fato de que refletem relacionamentos entre os motivos e/ou necessidades e sucesso ou a possibilidade de sucesso de realizar a ação do sujeito que responde a esses motivos de forma direta e sensorial na integração da experiência. Assim, os sentimentos aparecem como resultado da atualização de um motivo/necessidade e antes de uma avaliação racional do sujeito a respeito da sua atividade. Segundo Leontiev (1978), as emoções dizem respeito às atividades e não as ações e operações que a realizam. Por essa razão o mesmo processo que realiza várias atividades pode adquirir várias colorações emocionais, até mesmo contraditórias. O papel da “sanção” positiva ou negativa é desempenhado pelas emoções com relação aos afetos atribuídos aos motivos.

60 Segundo Leontiev, mesmo a realização bem sucedida de uma ação ou outra não leva necessariamente a emoções positivas, pode engendrar experiências fortemente negativas. A variedade e complexidade dos estados emocionais é o resultado da união entre os momentos cognitivos e sensitivos. Não que estes adquiram existência independente no mundo objetivo, mas a partir das condições objetivas do mundo concreto, é possível, através dessa variedade de estados emocionais, “marcar” objetos, objetivos, pessoas e situações, formando o que Leontiev (1978) define como “complexos afetivos”, que contribui para a formação da personalidade do sujeito.

Leontiev discorda da ideia das emoções como “rudimentos”, onde se considera as transformações e uso das emoções no homem como uma involução, conduzindo a exigência de subordinar os sentimentos à razão fria. Tal pensamento tem total relação com as ideia de Damásio (1996) de que a emoção é parte integrante do processo de raciocínio auxiliando-o na tomada de decisões, estando ainda, generalizadamente, envolvida na gestão da cognição e do comportamento social. São estas mesmas emoções que, segundo Norman (2008) nos orienta no mundo dos objetos. “A maioria de nós apenas decide escolher uma coisa, mas se nos perguntam o porquê, não sabemos dizer: ‘apenas tive vontade’, costumamos responder.” (NORMAN, 2008, p. 32). Um objeto, ou no caso deste estudo, um brinquedo tem que “dar a sensação de que é bom” ou será rejeitado, e esse sentimento é uma total expressão de nossas emoções.

Assim, mais do que trazer respostas, imbuir o estudo da dimensão emocional acerca da Teoria da Atividade, pode ser tornar um processo consciente e intencional de interpretação da realidade de seus usuários. É a conformação cultural que o individuo tem contato ao longo do seu desenvolvimento que define muitas das suas escolhas e preferencias. Assim, a utilização e apropriação de objetos na contemporaneidade assume a função de autoconstrução dos indivíduos e também de construção cultural, “trata-se de um sistema unitário em que o social se converte em individual e o individual em social” (LEITE, 1999, p.23), e é essa relação dialética que tornam os produtos tão importantes para nós, principalmente nos primeiros anos do nosso desenvolvimento.

61 RESUMO CAP. 3

Neste capítulo foi descrito de forma aprofundada a teoria da atividade e suas características para análise do usuário e da relação social estabelecida por este e seu artefato no meio cultural, além de uma breve análise dos pressupostos filosóficos da teoria. Posteriormente, foi analisada a perspectiva do brincar para na teoria da atividade, buscando relaciona sua concepção às teorias do desenvolvimento infantil e os fundamentos do design emocional anteriormente descritos. Por fim, buscou-se ressaltar a dimensão emocional da teoria, demonstrando a importância dos vínculos afetivos na realização da atividade, principalmente na atividade lúdica, e sua importância na formação da consciência e do repertório da criança.

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METODOLOGIA DE ANÁLISE

Para esta pesquisa foi utilizado o método de abordagem hipotético-dedutivo sendo analisada a relação entre a Teoria da Atividade e o Design Emocional na interação das crianças com os jogos educativos elaborados pelo CEEL (Centro de Estudos em Educação e Linguagem). Os sujeitos observados nesta pesquisa foram cerca de 25 crianças (com variações a depender do dia e da fase da pesquisa) entre 6 e 7 anos de idade (3 crianças com 7 anos e 22 com 6 anos), do 1º ano do ensino fundamental, da escola Municipal Freire Filho, na cidade de Arcoverde, PE. Como objeto de pesquisa foi analisado o kit elaborado pelo CEEL, composto por 10 jogos que contribuem no processo de alfabetização.

Inicialmente foi realizada uma pesquisa exploratória, sendo utilizada como procedimento técnico a pesquisa bibliográfica, buscando relacionar a Teoria da Atividade aos fundamentos do Design Emocional e sua contribuição para o desenvolvimento de brinquedos educativos infantis. No estudo final foi realizada uma pesquisa experimental, que teve a aprovação do comitê de ética em pesquisa com seres humanos da Universidade Federal de Pernambuco, utilizando-se de técnicas padronizadas para a coleta de dados, como: fichas para análise dos brinquedos, da atividade e dos sujeitos, questionário para a professora, além de observações sistemáticas.

Foi realizado inicialmente um teste piloto, visando verificar os aspectos metodológicos e ferramentas de pesquisa, para então, ser realizado o estudo final que foi dividido em três partes:

Na primeira fase do estudo final foi analisada a ferramenta, ou seja, todos os jogos do kit, por meio da ficha de análise do brinquedo, construída com base nos fundamentos do Design Emocional de Norman (2008) e no modelo funcional das emoções em produto de Person (2003), possibilitando a construção de uma escala para classificação dos jogos com maior enfoque emocional/social e maior enfoque educativo, bem como outras informações relevantes acerca dos aspectos estéticos, comportamentais e reflexivos dos jogos analisados.

Na segunda fase do estudo final foi observada a atividade do brincar com cada um dos jogos do kit através de observações sistemáticas (20 min durante 5 dias) com registro fotográfico e em vídeo, além do diário do experimento. Por meio da ficha de análise da atividade foi verificada a atividade realizada pelos sujeitos com os jogos, num primeiro momento sob a conduta da professora (brincadeira condicionada) e, num segundo momento, sem a interferência da mesma (brincadeira espontânea), delineando a assim a relação entre os elementos que compõem a atividade do brincar

63 no ambiente da sala de aula e registrando os brinquedos que mais se destacam no desenvolvimento desta atividade.

Na terceira fase do estudo final, o numero de jogos foi reduzido devido alguns deles trabalharem capacidades ainda não internalizadas pelas crianças. Assim, foram observados apenas 4 jogos (que compõem o grupo de Reflexão sobre o sistema alfabético de acordo com o manual do kit). Para isso, foram realizadas observações sistemáticas (30 min durante 3 dias) com registro fotográfico, em vídeo e diário do experimento. Neste momento, utilizando a ficha de análise dos sujeitos, foram observados os sujeitos de forma individual, verificando seu comportamento, o nível de satisfação e interesse na atividade propostas pelos jogos. Possibilitando, por fim, relacionar quais as características que podem influenciar a criança no processo de escolha e potencializar sua interação com os artefatos analisados, aumentando, consequentemente, sua contribuição na construção dos conteúdos imbuídos nos brinquedos educativos utilizados no seu aprendizado.

A metodologia de pesquisa utilizada para este trabalho pode ser resumida na tabela 3 a seguir:

Tab. 3 – Metodologia de análise da pesquisa

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

UTILIZADOS

DESCRIÇÃO RELAÇÃO COM A PESQUISA

Método de abordagem Hipotético-dedutivo

Defende o aparecimento de um problema e da conjetura que serão testados pela observação e experimentação.

Problema da realidade empírica: A relação da criança com os brinquedos educativos utilizados em sala de aula e a possível contribuição da relação entre a Teoria da Atividade e o Design Emocional para essa interação.

Método de procedimento Monográfico

Busca realizar estudos sobre um tema específico ou particular de suficiente valor representativo

Sujeitos e objeto de pesquisa constituem importantes elementos componentes do ambiente escolar. Alto valor representativo para o âmbito educacional e do Design de brinquedo educativos infantis.

Método de procedimento Comparativo

Consiste em investigar coisas ou fatos, estabelecendo

comparações com a finalidade de verificar semelhanças e explicar divergências.

Na pesquisa 1, busca explicar divergências e similitudes entre os autores e correntes de pensamentos utilizados no trabalho. Na pesquisa 2, visa analisar as propostas educativas de cada um dos jogos do kit e

64 sua interação com as crianças e a professora no ambiente da sala de aula.

Pesquisa 1 – Exploratória

Visa proporcionar maior familiaridade com o problema com vistas a torná-lo explícito, construindo assim a hipótese de pesquisa.

Procedimento utilizado: pesquisa bibliográfica.

Levantamento da hipótese de pesquisa e experiências práticas relacionadas ao problema pesquisado: a relação entre os fundamentos do Design Emocional e Teoria da Atividade (T.A) e sua contribuição para o desenvolvimento de brinquedos educativos infantis. Pesquisa 2 – Descritiva (experimental) Busca descrever as características de determinada população, fenômeno ou o estabelecimento de relações entre variáveis.

Técnicas utilizadas: Fichas de análise, questionário e observação sistemática.

Teste piloto

Verificação inicial da hipótese e aprimoramento dos instrumentos de pesquisa.

Ferramenta: Ficha de análise da brincadeira e questionário para a professora.

Fase 1

Análise da ferramenta.

Avaliar o potencia emocional/social e educativo de cada um deles de acordo com os conceitos do Design Emocional.

Ferramenta: Ficha de análise do brinquedo.

Fase 2

Análise da atividade.

Delinear todos os elementos que compõem a atividade do brincar.

Ferramenta: Ficha de análise da atividade e questionário para a professora.

Fase 3

Análise dos sujeitos.

Verificando comportamento e nível de satisfação nas atividades propostas pelos jogos.

Ferramenta: Ficha de análise dos sujeitos.

Como assinalado anteriormente, o numero de criança nas diferentes fases e dias do estudo ficou entre 18 e 25 crianças. Assim, foi desenvolvida uma tabela 4 a seguir, para um melhor entendimento do numero de crianças e do jogo utilizado por elas em cada uma das fases do estudo:

65 Tab. 4 – Numero de crianças em cada uma das fases do estudo

FASE DA PESQUISA NUMERO DE CRIANÇAS JOGO UTILIZADO

Teste piloto 25 crianças Jogo Mercado - projeto Trilhas

Estudo final - Fase 1 Não foi realizado com crianças Análise dos dez jogos do kit Estudo final - Fase 2 Dia 1 – 21 crianças;

Dia 2 – 22 crianças; Dia 3 – 21 crianças; Dia 4 – 22 crianças; Dia 5 - 23 crianças.

Dia 1 – Bingo da letra inicial; Dia 2 – Dado sonoro e Caça rimas; Dia 3 – Mais uma, Palavra dentro

de palavra e Batalha de palavras;

Dia 4 – Trinca mágica e Quem

escreve sou eu;

Dia 5 – Bingo dos sons iniciais e

Troca letras.

Estudo final - Fase 3 Dia 1 – 20 crianças; Dia 2 – 20 crianças; Dia 3 – 18 crianças.

Dia 1 – Bingo da letra inicial; Dia 2 – Mais uma e Palavra dentro

de palavra;

Dia 3 – Troca letras.