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Capítulo 3. A geopolítica dos EUA e da China e suas implicações econômicas

3.2. A geopolítica da China e suas implicações econômicas

3.2.3. A dimensão global: comércio, energia e poder naval

Embora os desafios geopolíticos mais imediatos para a China se refiram, em primeiro lugar, ao âmbito regional e, em segundo lugar, ao plano interno, a integração da China aos fluxos de bens e capitais do capitalismo contemporâneo tem aumentado a exposição do país a ameaças de escopo global. Como consequência do acelerado crescimento econômico, a China transformou-se não só no maior exportador de bens do planeta, mas também no segundo maior importador. Do ponto de vista geopolítico, a dependência chinesa de fontes estrangeiras de matérias-primas (incluindo petróleo) e alimentos é ainda mais significativa de que o papel da demanda externa para sua estratégia de crescimento. No que se refere ao petróleo, em especial, a posição da China é extremamente vulnerável. Como foi discutido acima49, a partir de 2000 a intensividade energética do crescimento chinês aumentou drasticamente, com a elasticidade energética da expansão do PIB (número de unidades adicionais de energia necessário para gerar uma unidade adicional de produto) passando da média de 0,4 das décadas de 1980 e 1990 para 1,1 no período 2001-2006. A causa econômica dessa inflexão na trajetória de aumento da eficiência energética chinesa – verificada do início das reformas até o ano 200050 – foi o aumento acelerado da importância da formação bruta de capital fixo como componente do PIB, que refletiu a expansão de setores intensivos em energia como aço, alumínio e cimento (COOPER, 2008).

49

Vide subseção 2.1.1 supra. 50

Entre 1978 e 2000, enquanto o PIB cresceu à taxa média anual de 9%, o consumo de energia aumentou apenas 4% a.a.

No caso do petróleo, esse processo mais amplo de aumento da intensividade energética (cujo impacto primário deu-se sobre o consumo de carvão mineral) foi combinado à política de preços adotada pelo governo. Até a década de 1980, a China era exportadora líquida de petróleo e os preços domésticos eram uma fração dos preços internacionais. À medida que o país tornou-se importador, no início da década de 1990, as autoridades chinesas aumentaram os preços domésticos de forma a fazê-los convergir para a cotação internacional da

commodity, o que foi alcançado em 1998. De forma similar, os preços domésticos

de derivados – como gasolina e óleo diesel – foram ajustados para acompanhar os preços internacionais.

O aumento descontrolado da cotação do petróleo a partir de 2003-2004 (provocado, em um primeiro momento, pelo choque negativo de oferta decorrente dos conflitos no Oriente Médio, mas depois alimentado pelo choque positivo de demanda proveniente da própria China) levou o governo a rever, novamente, sua política de preços para o setor. O preço doméstico do petróleo bruto continuou a acompanhar a cotação internacional, mas somente uma parcela dos aumentos pôde ser transferida para os consumidores finais de derivados. No início de 2008, os preços no varejo de gasolina e óleo diesel na China eram mais baixos de que os de todos os demais países importadores do mundo. Uma das consequências previsíveis desse descolamento foi o surgimento de enormes prejuízos nas operações de refino das principais empresas (todas estatais) do ramo de petróleo na China, que seriam em parte compensados por subsídios governamentais. Em junho de 2008, o governo autorizou aumento de 17% e de 18% nos preços da gasolina e do óleo diesel, respectivamente, mas os prejuízos operacionais das refinarias chinesas não

foram totalmente cobertos por esse ajuste (COOPER, 2008; DONALD e BENEWICK, 2008).

Mais relevante do ponto do ângulo geopolítico, no entanto, é o fato de a política de preços adotada a partir de 2004 pela China ter contribuído para acentuar a já aquecida demanda doméstica por petróleo. Entre 2000 e 2006, a demanda chinesa por energia passou de 10% para 16% da demanda mundial. No que se refere ao petróleo bruto, as importações chinesas aumentaram de 165,9 mil b/d, em 1996, para mais de um 1 milhão de b/d, em 2006. Com produção de 3,7 milhões de b/d e consumo de 7,8 milhões de b/d de petróleo e derivados, a China importava em 2008 mais da metade de suas necessidades (BERGSTEIN et al, 2008; CIA, 2009a).

Dos mais de um milhão de barris de petróleo bruto por dia importados pela China em 2006, 471 mil (44,2%) vieram do Oriente Médio, com 175 mil originários da Arábia Saudita, 123 mil do Irã e 97 mil de Omã. Outros 311 mil b/d vieram da África, sendo 172 mil provenientes de Angola, 40 mil do Congo e 35 mil do Sudão. A Venezuela forneceu cerca de 31 mil b/d (3%), o Casaquistão 20 mil b/d e a Rússia 140 mil b/d.

De todos os fornecedores importantes de petróleo da China, apenas dois (Rússia e Casaquistão), responsáveis por menos de 13% das importações de petróleo bruto da China, podem atender à demanda chinesa por rotas terrestres. Os restantes 87% das importações chinesas de petróleo bruto, ou seja, mais de 40% das necessidades totais do país da matéria-prima, dependem do transporte marítimo51.

51 Se levado em conta o esforço crescente da China em obter acesso priviligiado aos recursos

naturais, especialmente ao petróleo, do continente africano, é possívil estimar que essa dependência de rotas marítimas para o fornecimento de insumos essenciais tende a aumentar. Em 2009, por exemplo, a petroleira estatal Sinopec adquiriu por USD 7 bilhões a companhia suíço- canadense Addax Petroleum, que produz mais de 200 mil b/d em campos na Nigéria, nos Camarões e no Gabão. A Addax Petroleum detém, ainda, direitos de exploração de blocos em águas profundas no Golfo da Guiné considerados altamente promissores. Além da aquisição da

No que se refere à maior parte dos fornecedores, essas rotas marítimas involvem a passagem por estreitos como o de Ormuz, no Golfo Pérsico, e o de Málaca, no Oceano Índico (NGB, 2008).

Neste ponto, cabe recordar que, a despeito dos esforços recentes de modernização, a marinha de guerra da China é muito menos capaz de que suas contrapartes em países como Japão, Inglaterra e, principalmente, EUA. A dependência chinesa de fontes ultramarinas de energia evidencia a vulnerabilidade do país ao poderio naval de outras nações, o que restringe – ao menos no curto e médio prazos – a capacidade (ou, ao menos, a disposição) da liderança chinesa em assumir riscos excessivos na arena geopolítica. Além disso, embora as importações de petróleo bruto sejam um exemplo expressivo do grau de vulnerabilidade estratégica da China, essa vulnerabilidade se estende a praticamente todo o comércio de importação e exportação do país, que depende do transporte marítimo – inclusive interoceânico. Assim, mesmo a emergente capacidade de projeção regional de poder que a China começa a construir não deve afetar dramaticamente esse quadro.

Dada a sua natureza transversal, esse fator deve ser tomado em conta na análise não só da dimensão global da geopolítica da China, mas também de seu contexto regional. Tomadas em conjunto, as diversas facetas (interna, regional e global) da geopolítica da China contribuem para o entedimento da postura relativamente discreta que assume o país na política internacional contemporânea, sobretudo em temas militares. Nesse contexto, será examinada em seguida a

companhia suíço-canadense pela Sinopec, também em 2009 outras petroleiras chinesas (CNOOC e CNPC) tentaram, sem êxito, obter acesso a fontes importantes de petróleo em Angola e na Líbia. O mesmo processo pode ser verificado em relação a outras matérias-primas como minério de ferro e bauxita (STRATFOR, 2009d).

chamada política da “ascensão pacífica”, que – com essa ou outra formulação – tem orientado a conduta externa do país.