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Capítulo 1. A economia dos EUA no início do século

1.1.2. Política econômica

A política fiscal dos EUA tem por principal instrumento o orçamento federal anual, proposto pelo Presidente para aprovação pelo Congresso. Políticas sociais, industriais e de emprego são concebidas e implementadas tanto pelo governo federal quanto pelos governos estaduais. Da segunda metade da década de 1990 até 2001, os EUA construíram sólida posição fiscal. Essa posição era a tal ponto “confortável” que o grande desafio vislumbrado pelos assessores econômicos do Governo Clinton em seus últimos anos era como empregar, de maneira eficiente, os enormes excedentes projetados para o futuro5.

Esse quadro deteriorou-se rapidamente nos primeiros anos do Governo George W. Bush devido à combinação de gastos crescentes e receitas minguantes. Do lado dos dispêndios, tiveram papel relevante os custos das guerras do Afeganistão e, principalmente, do Iraque, assim como os gastos associados à prevenção de novos ataques terroristas depois do 11 de setembro de 2001. Ainda com relação às despesas públicas, desembolsos realizados sob o programa Medicaid contribuíram para a piora da situação fiscal (GREENSPAN, 2007).

Do lado das receitas, dois fatores foram determinantes para a inflexão do quadro fiscal. Em primeiro lugar, como resultado do impacto combinado do estouro da bolha das “dotcom”, dos escândalos contábeis revelados depois da falência da Enron e dos próprios ataques terroristas a Nova Iorque e Washington, a economia dos EUA passou por acentuada desaceleração no ano de 2001, o que resultou em redução da base de arrecadação. Em segundo lugar, a política de redução de

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Alan Greenspan (2007) registra em seu livro de memórias que teria sugerido, por exemplo, custear a seguridade social nos EUA com os recursos fiscais excendentes.

tributos do Governo Bush – inspirada na “supply-side economics” da era Reagan – não produziu os efeitos estimados pelos seus defensores, que esperavam aumento das receitas fiscais a despeito da redução da carga tributária6.

Os orçamentos de 2006 e 2007 foram marcados por certo esforço de consolidação fiscal, mas a crise financeira que se abateu sobre a economia norte- americana e mundial a partir de então interrompeu esse processo, na medida em que gigantescos pacotes de estímulo econômico foram lançados tanto pelo Governo Bush quanto pelo Governo Obama com vistas a mitigar os impactos da crise. Com isso, a situação fiscal fortemente deficitária dos EUA dificilmente será revertida no curto prazo (UNCTAD, 2009a; 2009b; EIU, 2008b; 2009d).

Ocorre que, no longo prazo, o cenário fiscal também não é favorável. Déficits crescentes na previdência social e no Medicare (seguro-saúde público para idosos) tendem a agravar-se a menos que sejam implementadas reformas que assegurem a viabilidade desses programas. Na década de 1960, a parcela da população norte-americana com mais de 65 anos era de 9,2%; em 2005, esse número correspondia a 12,4%. Estima-se que, com o envelhecimento da chamada geração do “baby-boom” (nascida entre 1946 e 1964), o grupo dos maiores de 65 anos representará 16% da população em 2020 e 20% em 2040. Por outro lado, desde o início da década de 1970, a imigração tem sido responsável por parcela cada vez mais expressiva do crescimento demográfico norte-americano. A partir de 2000, o ingresso líquido de imigrantes alcançou média anual de 1,3 milhões de

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A Curva de Laffer ilustra a proposição de que o aumento da carga tributária não necessariamente resulta em aumento das receitas públicas. O ponto de partida da teoria (que se reflete no desenho da curva – uma hipérbole voltada para baixo) é que tanto uma carga tributária de 0% do PIB quanto uma de 100% resulta em arrecadação nula. Aumentar tributos acima do ponto máximo da Curva de Laffer levaria, portanto, a queda de receita, ao passo que reduzir tributos – quando a carga tributária está além do nível ótimo – deveria redundar em maior arrecadação (MANKIW, 2007).

pessoas. Apesar disso, entre abril e julho de 2007, por exemplo, apenas 32% do crescimento demográfico dos EUA resultaram da entrada de imigrantes, respondendo o crescimento vegetativo pelos restantes 68%.

No caso da previdência social, menores benefícios, aumento das contribuições ou alguma combinação dos dois poderiam, com algum custo político, equilibrar as contas do governo. O déficit no Medicare é, no entanto, muito maior e a conjunção do rápido envelhecimento da população com o surgimento de novas terapias (eficazes mas de alto custo) cobertas pelo programa apontam para situação potencialmente insustentável. Não parece existir alternativa ao aumento significativo da FICT (“Federal Income Contributions Tax”), tributo que financia tanto a previdência social quanto o Medicare, medida impopular que enfrentaria forte oposição do Congresso e da opinião pública (EIU, 2008b; 2009d).

A política monetária dos EUA é definida pelo “conselho de governadores” do Fed, que é oficialmente independente do Poder Executivo. Essa independência não impede, contudo, a coordenação entre o Fed e outros órgão do governo, como o Departamento do Tesouro, responsável pela administração da moeda norte-americana (FED, 2005; GREENSPAN, 2007).

O Fed é gerido por 12 escritórios regionais e supervisionado pelo “conselho de governadores”, que são nomeados pelo Presidente e confirmados pelo Senado. O Fed regula o crédito bancário e a política monetária, principalmente por intermédio de operações no mercado aberto com títulos do governo e da manipulação de duas taxas de juros fundamentais: a taxa básica de juros (“federal

funds rate”) e a taxa de redesconto (“discount rate”). O mandato do Fed é manter

condições monetárias compatíveis com o potencial de crescimento de longo prazo da economia e promover as metas de pleno emprego, estabilidade de preços e taxas

de juros de longo prazo moderadas. Formalmente distingue-se, portanto, do regime de metas de inflação adotado por diversos outros bancos centrais (FED, 2005).

Na prática, desde o fim da década de 1970, a meta principal perseguida pelo Fed tem sido a estabilidade de preços (de bens e serviços, mas não de ativos). Nas últimas três décadas, o Fed praticou controle preventivo da inflação, restringindo as condições monetárias antes que pressões inflacionárias significativas pudessem ser captadas no comportamento desses preços. Essa política foi durante anos elogiada por ter propiciado a chamada “grande moderação”, período de quase trinta anos de baixa volatilidade tanto de preços quanto de taxas de crescimento do PIB (BRENNER, 2003; GREENSPAN, 2007).

No momento atual, porém, a política monetária praticada pelo Fed (focada fundamentalmente na flutuação dos preços de bens e serviços) tem sido criticada por ter negligenciado a enorme inflação do valor de ativos mobiliários e, sobretudo, imobiliários ao longo dos últimos anos, que culminou na crise das hipotecas “subprime” – gatilho da atual recessão global. O desafio do Fed é reagir à contração do crédito desencadeada a partir de meados de 2007 (e muito agravada depois da falência do Lehman Brothers em setembro de 2008) sem introduzir pressões inflacionárias estruturais. O Fed reduziu a taxa básica de juros seis vezes entre setembro de 2007 e março de 2008, levando os juros reais a patamares negativos. A partir de dezembro de 2008, o Fed acrescentou a essa estratégia medida de expansão direta da base monetária, por meio da emissão de moeda (“quantitative easing”).

Essas ações do Fed foram empregadas a despeito do aumento (moderado) da inflação. As autoridades monetárias norte-americanas argumentam que as pressões inflacionárias resultaram de aumentos eventuais no preço de

commodities e que as medidas extremas adotadas são necessárias para evitar

ameaças à estabilidade do sistema financeiro. Com níveis de capacidade ociosa e desemprego aumentando, o argumento prossegue, não existiria risco de que o aumento nos preços das commodities contaminasse o núcleo da inflação. Com efeito, o comportamento dos preços ao longo de 2009 sugere a ameaça oposta: deflação (UNCTAD, 2009b; FERGUSON, 2009).

Os dados mais recentes (julho de 2009) sobre o impacto da crise econômica parecem justificar a posição do Fed. Em junho de 2009, o número de desempregados nos EUA era de 14,7 milhões de pessoas. Quando são levados em conta os subempregados, esse número sobe para 25,9 milhões. A taxa de desemprego no mesmo mês atingiu 9,5%, o maior índice em 26 anos (considerados os subempregados, a taxa é de 16,5%). Em julho de 2009, os EUA atravessavam o vigésimo mês de recessão – o período mais longo desde a Grande Depressão7. Nesse período, o número de desempregados aumentou em 7,2 milhões. O setor de construção civil fechou, sozinho, 1.283.000 postos de trabalho desde dezembro de 2007. Em junho de 2009, o setor registrava taxa de desemprego de 17,4%, 9,2 pontos percentuais acima do nível do mesmo mês de 2008. No total, 1,6 milhões de trabalhadores da construção civil estavam desempregados naquele mês. Por fim, quase 6 milhões de pessoas deixaram de buscar trabalho por falta de oportunidades e, portanto, deixaram de figurar nas estatísticas de desemprego, o que sugere quadro ainda mais delicado (EIU, 2009d; GOODMAN e HEALY, 2009).

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Em 29 de outubro de 2009, o Governo dos EUA reportou o primeiro número positivo de crescimento trimestral em mais de um ano, 3,5% para o período julho-setembro de 2009. Segundo os critérios observados pelo governo norte-americano, esse dado implica que a recessão, iniciada em dezembro de 2007, terminou em junho de 2009. Com cerca de 18 meses de duração, essa foi a recessão mais longa desde 1933 (ECONOMIST, 2009i).

Afora a crise econômica, outro importante desafio que os EUA têm diante de si é a questão ambiental. A sociedade e a política norte-americanas têm-se tornado gradativamente mais sensíveis ao tema. A regulação da atividade econômica por órgãos públicos como a agência ambiental dos EUA (“USEPA –

United States Environmental Protection Agency”) sofre, por um lado, persistente

oposição de grupos de pressão empresariais, mas, por outro lado, tem resultado em melhoria mensurável da qualidade do ar e das águas no país.

Emissões de monóxido de carbono e de dióxido de enxofre, por exemplo, têm apresentado tendência declinante desde a década de 1970, a despeito de grande expansão das atividades econômicas e do transporte aéreo. Ainda assim, os EUA são um dos maiores poluidores do planeta, com emissões absolutas e per capita superiores a qualquer outro país do mundo (à exceção da Austrália, no caso das emissões per capita, e da China, em termos de emissões absolutas8). Os EUA são responsáveis por 1/4 das emissões globais de dióxido de carbono, mas detêm apenas 5% da população mundial (EIU, 2008b; UNCTAD, 2009b; NEAA, 2009).

O território dos EUA é atingido por diversos tipos de catástrofes naturais. A Flórida e o Golfo do México são assolados, a cada ano, por furacões e tempestades tropicais entre junho e novembro. Em agosto de 2005, o furacão Katrina devastou a cidade de Nova Orleans, provocando a morte de 1.800 pessoas e prejuízos estimados de USD 60 bilhões. A Costa Oeste, em especial a Califórnia, sofre com terremotos frequentes ao longo da falha de San Andreas. A mesma região é também atingida, a cada estação seca, por incêndios com variados graus de

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Segundo a agência ambiental dos Países Baixos (NEAA, 2009), a China ultrapassou em 2006 os EUA como maior emissor mundial de gases de efeito estufa.

gravidade. Por fim, os estados do Meio Oeste são alvo de diversos fenômenos meteorológicos violentos, como tornados.

Exceto os problemas sísmicos da Costa Oeste, as principais catástrofes naturais que afetam o território dos EUA podem ser agravadas pelas mudanças climáticas resultantes do aquecimento global. O Presidente George W. Bush retirou a assinatura dos EUA do Protocolo de Quioto, mas a Administração Obama tem mostrado empenho em viabilizar novo acordo sobre o tema na Conferência de Copenhague no marco da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática. Essa posição do Governo Obama reflete não só posição tradicional do Partido Democrata, mas também aparente aumento da compreensão da sociedade norte-americana quanto aos riscos da inação em matéria de mudança climática (EIU, 2008b; UNCTAD, 2009b).