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A dimensão social da alma humana e abertura para Deus

Capítulo III – As colorações da alma sob nova luz

1.5. A dimensão social da alma humana e abertura para Deus

A natureza espiritual do ser humano, por ser dotada de liberdade e dirigida para um fim (telos), é tal que lhe permite que o livre “caráter evolutivo” vivido individualmente influencie toda a comunidade humana524. Isso é devido à

alma humana e à plasticidade de seu preenchimento que, apesar de sua estrutura imutável e essencial, é potencializada, tanto para o bem quanto para o mal, pelo fato de os seres humanos viverem por meio de relações intersubjetivas, afetando-se mutuamente, tal como foi desenvolvido no texto de

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„Menschendasein ist nach innen aufgebrochenes, für sich selbst erschlossenes Dasein, eben damit aber auch nach außen aufgebrochenes und erschlossenes Dasein, das eine Welt in sich aufnehmen kann.“ (STEIN, A estrutura da pessoa humana, p. 32).

524 A ideia cristã da possibilidade de conversão da humanidade corrobora com a visão do

idealismo humanista sem negar a liberdade do ser humano que se encontra na ideia de finitude da filosofia existencial de Heidegger. Esse caráter evolutivo só é encontrado nas pessoas finitas, os seres humanos, e a ligação estreita entre eles também se deve à sua natureza ao mesmo tempo finita e espiritual. Toda humanidade é vista, pela luz da fé, como uma totalidade que possui uma mesma raiz, se dirige a um mesmo fim e está implicada em um mesmo destino. Podemos observar também nos animais algum tipo de comunidade de vida, mas a grande diferença é que neles não existe uma presença que transcenda o tempo e o espaço tal como ocorre nos seres espirituais. Pela revelação também sabemos que os espíritos puros (anjos e demônios) não pertencem à humanidade e não podem formar uma comunidade em que o bem ou o mal feito por um tem influência na salvação dos outros, tal como ocorre com os seres humanos. Cada um desses espíritos puros “está só diante de Deus”. (Idem, ibidem, p. 17).

O problema da empatia. Lá, Edith Stein apontou a capacidade que temos,

devida à dimensão espiritual de nossa alma, de compartilhar e enriquecer nossas visões de mundo com a dos outros por meio do ato empático. Aqui, em

A estrutura da pessoa humana, falará da mesma capacidade à luz da

revelação, contando com a possibilidade da ação da graça divina por meio das relações intersubjetivas:

A natureza espiritual também permite a posse comum de bens espirituais objetivos e o desenvolvimento de uma pessoa por meio dos bens espirituais de outras. A posse objetiva é essencial para que se dê uma união que transcenda tempo e espaço525.

Por isso é muito importante que os seres humanos sejam educados526 levando-se em conta a liberdade e as peculiaridades de cada um, sem perder de vista a perspectiva essencial de uma comunidade de destino de toda a humanidade, que faz com que cada um tenha responsabilidade com relação aos demais perante Deus.

Para Edith Stein527, a visão cristã de ser humano e a prática pedagógica que dela decorre não levam em consideração apenas o conhecimento advindo da revelação, iluminado pela fé, mas também lançam mão dos meios da ciência e do conhecimento natural humano, embora com cautela e tendo como meta a visão da essência da natureza humana tal como

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„Die Geistnatur macht auch gemeinsamen Besitz objektiver Geistesgüter möglich und Erschließung geistiger Güter durch eine Person für andere. Dieser objektive Besitz wesentlich für die Verbindung über Raum und Zeit hinweg.“ (Idem, ib, p. 17).

526 A visão cristã de ser humano possibilita uma prática formativa que leve em conta as

potencialidades e as limitações da natureza humana, assim como a liberdade de cada indivíduo para responder a seu modo, de acordo com seus valores, à ação do formador. E toda ação de formação deve se manter em direção à meta que o ser humano tende a realizar: criado à imagem e semelhança de Deus, pode se desenvolver como pessoa espiritual, assemelhando-se ao máximo àquela imagem que lhe foi infundida por Deus, por meio de suas características únicas e irrepetíveis. O indivíduo já nasce dotado de uma alma com os seus respectivos estratos e com uma estrutura que lhe é inata. Mas não nasce “acabado”, pois se encontra frente a diversas possibilidades de realização de seu próprio ser, que pode revelar ou não os seus estratos por meio da vivência dos valores e assim desenvolver mais ou menos a própria personalidade.

527 A postura de Edith Stein explica por que primeiro apresentou as diferentes visões de ser

humano a que chegou o conhecimento natural, mostrando as semelhança e diferenças com relação à visão cristã, que amplia o seu campo de análise com os dados sobre a essência da natureza humana advindos da revelação.

nos é oferecida pela revelação: a imagem do ser humano íntegro, criado bom em sua natureza, mas habitado pelo mal por causa da queda. A dualidade existencial do ser humano não poderia ser superada, o que o levaria naturalmente à angústia da consciência de sua finitude, não fosse Deus ter nos amado a ponto de enviar seu próprio Filho para resgatar nossas almas, imprimindo nelas a luz divina, capacitando-as a buscar Deus na liberdade da consciência e responder ao apelo divino com amor.

Edith Stein finaliza sua apresentação da visão cristã da natureza humana relembrando que ela está fundamentada tanto na dimensão material quanto espiritual do ser humano, ambas vistas de modo individual e comunitário. Isso só é possível por causa da graça que deriva da posição que cada pessoa tem com relação a Cristo, como membros de um corpo que o tem por chefe e cabeça. Pelo conhecimento de Jesus Cristo como fundamento ontológico528 da unidade dos seres humanos, a constituição intersubjetiva que já tinha sido realçada no estudo sobre a empatia adquire aqui uma estatura ainda mais essencial e profunda: o ser humano não apenas se conhece ao se reconhecer no outro, mas o reconhecimento mútuo possui raízes profundas no interior da própria alma. Se elas forem analisadas sem preconceitos, de modo fenomenológico, nos levarão a perceber a presença de Deus no interior de toda alma humana e nos conduzirão à consciência de que também devemos a ele o fato de não vivermos isolados, mas nos constituirmos como um povo.

1.6. A necessidade de complemento da consideração filosófica de ser