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Neste ano que se inicia, não poderia deixar de registrar a grata satisfação que sinto ao ver este trabalho realizado.

Após dois anos de convivência, quando no princípio, mal nos conhecíamos, foi graças a nossa prática e a muita discussão que conseguimos chegar a um denominador comum sobre Educação.

Baseados nesses valores, começamos a buscar novas metodologias que ajudassem a desenvolver, no aluno, a sua capacidade operativa, que o levasse, pela interação com a realidade que vive, a observar as semelhanças e diferenças, a comparar, classificar, relacionar, refletir, analisar e criticar para que, em futuro próximo, possa transformar essa

mesma realidade, de forma coerente e organizada. (CPII – PGE, 1986,

Palavras da Chefe do Departamento do 1º Segmento do 1º Grau)

As palavras da Chefe de Departamento do 1º Segmento do 1º Grau, em 1986,

abordam os desafios encontrados após a implantação dos Pedrinhos e demonstram

o esforço da equipe na busca por desenvolver novas metodologias. Nesta seção,

procuro compreender e analisar justamente, como nesta proposta curricular

específica de Estudos Sociais esse desafio relacionado às metodologias foi

enfrentado. Interessa-me, particularmente, perceber como a questão da escolha

metodológica se inscreve em um movimento de

prefiguração-configuração-refiguração das narrativas da disciplina Integração Social da década de 80. Com

efeito, junto às escolhas metodológicas presentes no documento citado, caminham

perspectivas educacionais que sugerem a autonomia do aluno, apresentando-o

como sujeito de sua própria aprendizagem e atribuem ao professor a posição de

agente de ensino, valorizando atividades lúdicas e o aspecto motivacional. Os

conceitos de tempo e espaço aparecem em destaque nos documentos da década de

80, entretanto, como tais conceitos são apontados em praticamente todos os

documentos analisados, decidi dedicar uma seção do próximo capítulo a esta

discussão; trabalhando com eles, aqui, apenas pontos específicos, deixando para

aprofundar outras questões mais adiante.

Partindo de pressupostos explicitados pelos formuladores dos documentos

citados como capazes de propiciar o desenvolvimento de estruturas cognitivas e

linguísticas e o potencial sócio-afetivo dos alunos, tanto o PGE do ano de 1986,

quanto o do ano de 1988 trazem a mesma escrita para os objetivos gerais do 1º

segmento do 1º Grau; embora mais desenvolvida quando comparada ao PGE de

implantação de 84 quando o corpo de professores ainda buscava construir uma

proposta de ensino. Assim, o processo educativo que seria desenvolvido no 1º

segmento teria por objetivo fundamental

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:

- Desenvolver no aluno a capacidade de interagir com a realidade em que vive, identificando seus aspectos positivos e negativos, tornando-se capaz de criticá-la e transformá-la de forma coerente e organizada.

Para atingir tal objetivo, faz-se necessário desenvolver atividades e experiências em que o aluno tenha possibilidade de:

1- identificar e criticar normas e regras que regem o grupo social da sua turma e da sua escola;

2- criar normas e regras para diferentes grupos dos quais participa na escola;

3- identificar e criticar normas e regras do mundo que o cerca;

4- trabalhar de maneira independente, tornando-se sujeito autônomo na resolução de diferentes problemas;

5- trabalhar de forma cooperativa, criando, assim, o sentimento de solidariedade;

6- desenvolver-se intelectualmente, pelo conhecimento de conteúdos importantes, que se tornarão instrumentos fundamentais para a compreensão da realidade que o cerca;

7- desenvolver intelectual, artística e efetivamente seu potencial criativo, favorecendo a descoberta de novas formas de atuação perante a realidade;

8- estabelecer relações sócio-afetivas com os membros da comunidade escolar, reconhecendo-se como parte dela, criando-se, assim, um

ambiente favorável ao desenvolvimento dos demais objetivos. (CPII –

PGE, 1986, p. 23)

Os objetivos de ensino elaborados, associados ao objetivo fundamental,

incitam a discussão sobre como desenvolver atividades, experiências, e produzir

enunciados por meio de intencionalidades distintas, trazendo novamente demandas

de atitude e de conteúdo que mobilizam sentidos sobre o que se espera de um aluno

e como pode ser pensada a sua relação com o conhecimento escolar. O que se

considera necessário que um aluno domine para alcançar os objetivos propostos? O

trecho, no item 6, aborda a ideia de conteúdos importantes, mas quais seriam eles?

Em face dessas interrogações e constatações, interessa-me aqui continuar

refletindo sobre as cadeias de equivalência formadoras de sentidos de

conhecimento escolar a partir de uma articulação possível com uma noção de

conteúdo, que pudesse validar sua relevância na construção discursiva dos

conteúdos importantes sem, contudo, resgatar definições essencialistas e

portadoras de discursos pedagógicos que já foram objeto de crítica e

problematização no campo educacional e em particular no campo do Currículo.

A definição do termo conteúdo como “fluxos de sentido do conhecimento

científico reelaborado didaticamente em contexto escolar” (GABRIEL & MORAES,

2014) pode ser interpretada, assim, como uma estratégia discursiva para mantê-lo

na cadeia de equivalência que fixa sentidos de conhecimento escolar, deixando de

fora outros fluxos de sentido possíveis como os que o associam a discursos

pedagógicos defensores, por exemplo, de um conteudíssimo acrítico e enciclopédico

ou de um objetivismo essencializante. Ao falar de fluxos de cientificidade para

significar o termo conteúdo, também opero com a ideia de diferentes possibilidades

de fixação de sentidos de ciência, verdade, objetividade, remetendo às articulações

provisórias produzidas nos diferentes campos disciplinares, como a História e a

Geografia. A expressão conteúdo importante foi aqui interpretada a partir da

significação do próprio termo conteúdo em sua conjugação com um adjetivo que

acentua, de certo modo, a ideia de escolha pelo que seria imprescindível ensinar,

isto é, parafraseando Rocha (2013), a “fina flor” dos conhecimentos validados.

Assim, problematizar a ideia de conteúdos importantes no ensino de

Integração Social/Estudos Sociais em tal instituição não significou buscar uma

definição ou prescrição que produzisse um sentido fixo e essencializado sobre

processos de ensino-aprendizagem. Meu propósito foi apenas analisar a relação dos

conteúdos escolares com o conhecimento histórico e geográfico, assumindo

reflexões a respeito dos processos de transposição didática como processos

discursivos, em meio às disputas pela fixação por sentidos hegemônicos na

disciplina Estudos Sociais no Colégio Pedro II. Foi possível observar que a

significação dos conteúdos importantes é uma tarefa complexa que envolve uma

série de sentidos de conhecimento, como aponta as articulações discursivas

realizadas no documento na busca por definir quais os elementos que constituem o

conhecimento escolar em Estudos Sociais. O “conteúdo” seria assim um desses

elementos que, por sua vez, carrega outras hibridizações de sentidos. Vejamos

como o trabalho em Integração Social foi organizado para mais à frente

observarmos os conteúdos elencados por série e quais sentidos mobilizam nas

narrativas dessa disciplina marcadamente escolar:

O trabalho em Integração Social foi organizado a partir de duas grandes referências. A primeira delas se distingue pela tentativa de propiciar o ajustamento crescente do educando ao meio, cada vez mais ampIo e complexo, em que deve não apenas viver como conviver. A segunda diz respeito à busca sistemática da realização da passagem do saber-fazer da criança baseado na ação física concreta - saber este mais inconsciente e mais vivido do que conhecido - para o saber consciente e conceitual. Destaque-se, de imediato, que ambas as referências ressaltam uma mesma preocupação, embora de modos diversos: a vida social. Pela primeira referência, procura-se tornar explícito para aquele educando que chega à escola, que ele - como todos os homens - vive em grupo, isto é, fazer com que, por meio de vivência e convivência, ele elabore a compreensão do

conteúdo social da vida do homem. Pela segunda delas, procura-se enfatizar o processo de tomada de consciência da ação que realiza sobre objetos (ação física) e sobre o grupo (ação sociaI), isto é, da aquisição de conhecimento, decorrente da própria vida, que elabora no pensamento - nível conceitual. A preocupação é não fragmentar a compreensão do todo da vida social e nem dissociar a vida escolar da vida cotidiana do educando. (CPII – PGE, 1986, p.173)

É possível observar semelhanças entre o trecho acima citado e o escrito no

PGE de 1988 (p. 152), a única diferença é que o nome da disciplina Integração

Social passa a aparecer como Estudos Sociais, escrito com todas as letras em

maiúsculo para marcar a alteração no nome da disciplina, indicando heranças e

rupturas em relação aos anos de 84 e 86. Torna-se interessante destacar que a

proposta de trabalho, na década de 80, colocou em destaque o conceito de grupo

social ao colocar em relevo a vida social do educando, buscando partir dos grupos

nos quais este vivia e convivia. O trabalho com tais grupos se inter-relacionava com

questões espaciais e se expandia do mais próximo para o mais distante e do mais

simples para o mais complexo: turma, família, escola, comunidade / bairro, cidade,

município, estado.

Ora, o tratamento de cada um dos grupos selecionados deve levar em consideração a identificação dos membros que o compõem; a relação entre eles, as diversas classificações dos membros e funções do grupo a partir de diferentes critérios.

- a localização e a organização espacial do grupo; - a organização temporal;

- a identificação das regras que nele prevalecem.

(CPII – PGE, 1986, p.173 ou 1988, p.152/ destaques reproduzidos)

Assim, as projeções daquilo que o/a aluno/a deveria saber, passavam pela

capacidade deste em perceber a vida social, refletindo sobre os grupos de

convivência e sobre seu próprio papel como de membro ativo, mas circunscrito

espaço-temporalmente na sociedade. Em relação aos quadros que apresentavam e

separavam objetivos, conteúdos e estratégias/atividades por séries, algumas

diferenças de escrita e distribuição de dados podem ser percebidas quando

comparamos os PGEs dos anos de 1986 e 1988, por isso decidi apresentar nos

anexos as grades curriculares dos dois PGEs. Entretanto, é possível observar mais

semelhanças que diferenças, o que pode indicar heranças e continuidades na/da

disciplina, considerando a década de 80 em sua globalidade. Para facilitar a

exposição dos objetivos, conteúdos e estratégias/ atividades neste espaço

enunciativo, opto por separá-los por série como realizado no próprio PGE para

ressaltar a linearidade dos conteúdos e a progressão dos objetivos.

O trabalho com a 1ª série se diferencia das demais por separar os alunos em

alfabetizados e não alfabetizados (Ver anexos 16 e 17, 18 e 19) abordando

conteúdos sensivelmente diferentes com objetivos e estratégias/atividades um

pouco mais difíceis e desenvolvidos para o grupo alfabetizado. Considerando os

PGEs de 1986 e 88, o trabalho com os alunos não alfabetizados é centrado na

relação do eu com os outros, partindo do eu da criança e suas características

individuais para conhecer diferenças e semelhanças com os outros da turma,

considerando o tempo e o espaço em sua relação dimensional com os alunos. No

caso dos alunos alfabetizados, o trabalho é centrado na criança em sua relação com

o espaço-tempo escolar, familiar e social. Realiza-se, assim, uma expansão de

objetivos, o outro considerado já não é tão próximo, não necessariamente está

vinculado abertamente a experiência direta da vida da criança, como por exemplo na

observação da escola no tempo e na reflexão sobre o dia-a-dia em outras culturas.

Como característica peculiar da 1ª Série do 1º Grau, os alunos estão iniciando

ou começando a internalizar e consolidar o aprendizado do código escrito e sua

leitura; o que não significa que o trabalho esteja restrito apenas a tal aquisição.

Assim, o trabalho pedagógico consistiria em buscar a integração de diferentes áreas

do conhecimento porque aposta que refletir de maneira intencional sobre as

relações do eu com o outro e/ou, sobre as relações sociais hegemonizadas no

âmbito de grupos culturais, tanto de pertencimento do/a aluno/a, quanto de outros,

de forma sistemática, pode proporcionar o desenvolvimento de atitudes de

convivência social consideradas positivas nos espaços escolares e extra-escolares;

correlacionando em certa medida os conteúdos aprendidos às atitudes dos alunos

em diferentes tempos e espaços.

Dispor de maneira organizada e intencional as relações sociais entre alunos, no uso do espaço escolar para o trabalho de alfabetização nas diferentes áreas do conhecimento, além de estar formando nos alunos atitudes adequadas para uma convivência social organizada e saudável, possibilita a vivência de comportamentos correspondentes a essas atitudes já no ambiente escolar.

Em outras palavras, ao organizar explicitamente as relações sociais em nível das “vivências” dos alunos para a alfabetização e iniciação aos demais

conhecimentos, o professor está proporcionando dois tipos de

aprendizagem: o uso adequado de um espaço social público, que neste caso é a escola, e o aprendizado do conteúdo que está focalizando. (PENTEADO, 2008, p.77)

A partir da 2ª Série, os alunos já eram agrupados sem a classificação

alfabetizatória, pois era esperado que estes já dominassem minimamente o código

escrito. O trabalho era expandido para os arredores da escola considerando

diferentes temporalidades e um dos assuntos mais desenvolvidos em objetivos e

estratégias/atividades era o trabalho e os diferentes grupos profissionais (Ver

anexos 20 e 21). Cabe ressaltar ainda, que os conteúdos presentes nos PGEs de 86

e 88 são praticamente os mesmos, apenas distribuídos em outra ordem quando se

compara os documentos citados. Uma pequena diferença merece, porém, ser

destacada. Trata-se da abordagem da tipificação das atividades sobre o trabalho

humano.

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O nível de sistematização do conhecimento trabalhado comparando 1º e 2º

anos se altera e alguns conteúdos mais específicos são trabalhados, como por

exemplo, as direções cardeais. As possibilidades de demonstração de aprendizado

do conteúdo também se ampliam porque passa a ser esperado que os alunos

realizem traçados de trajetos, construam esquemas, montem murais e maquetes,

façam desenhos e registro de acontecimentos, criem sequências... Além disso, da 2ª

série em diante são previstas saídas da escola dentre as estratégias/atividades

escolares não só como fator motivacional, mas também como possibilidade de

construção de conhecimentos, significando os conteúdos de ensino sob outros

moldes, fora do espaço escolar. As saídas pedagógicas buscaram fomentar a

reflexão sobre conteúdos de Geografia e História, mais particularmente, na escola

considerando o momento de sistematização do processo de alfabetização como

momento também de construção de leituras de mundo no Ensino Fundamental.

Já o trabalho com a 3ª série (Ver anexos 22 e 23) apresenta uma expansão

espaço temporal considerável quando comparado com a 2ª série e apresenta fluxos

de cientificidade mais específicos das áreas de História e Geografia. Destaco aqui

alguns fluxos disciplinares da Geografia, conteúdos trazidos na superfície textual do

PGE analisado, como: inclusão espacial (bairros – cidades – estados – países);

áreas urbana e rural; elementos naturais e humanos das paisagens; direções

cardeais e colaterais. É possível ressaltar a interpretação do termo paisagem como

algo fixo, como se a natureza estivesse esperando a ação dos homens, de tal modo

que natureza e sociedade são apresentados dicotomicamente. Tal dicotomia

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O PGE de 1988 traz uma listagem que ressalta diferenças entre comerciante, comerciário, consumidor e produtor. Separando ainda os produtores em extrativos, agrícolas e de transformação. Além disso, aborda regras no exercício das profissões correlacionando-as aos setores da economia. Tal ênfase pode indicar uma leitura da sociedade determinada pelos aspectos econômicos, possivelmente influenciada por um quadro teórico marxista.

aparece mais claramente no PGE de 86, onde alguns elementos naturais são

destacados na superfície textual, dentre eles: áreas altas, baixas, planas, elevações

(morro, colina); as águas (rios, lagos, mares e canais); vegetação natural e

introduzida; temperatura, chuvas, ventos e umidade. Outro ponto passível de

destaque nos dois documentos seria um aparente caráter utilitário da cartografia

como recurso.

Alguns fluxos disciplinares da História também podem ser destacados como:

fatos históricos relacionados à fundação e à expansão da cidade do Rio de Janeiro,

a cidade nos períodos Colonial, Imperial e Republicano; além de linhas de tempo. O

recorte político linear dá o tom da narrativa dos acontecimentos que envolvem a

cidade do Rio, mobilizando uma divisão clássica da historiografia tradicional e

relacionando fatos históricos a partir do estabelecimento de causas e consequências

inter-relacionadas. As linhas de tempo aparecem como estratégias de organização e

fixação de fatos históricos destacados. Quadros e esquemas buscam recortar,

sistematizar e comparar fatos e/ou acontecimentos em alguns momentos

distanciados espaço-temporalmente para atribuir inteligibilidade a noções abstratas.

Nesse sentido, a observação e estabelecimento de discussões sobre imagens,

gravuras ou fotos buscam trazer concretude a formas de viver distanciadas

temporalmente do momento sócio histórico vivenciado pelos alunos.

Cabe ressaltar também a grande presença de previsão de aulas externas na

definição de estratégias e atividades (Voltar aos anexos 22 e 23). Nesta série as

visitas são percebidas como elementos deflagradores de reflexões

didático-pedagógicas em sala de aula. Os conteúdos adquirem significação - para os

elaboradores da proposta - quando os alunos vivenciam experiências em locais

específicos que permitem mobilizar conhecimentos histórico-geográficos.

No que diz respeito a ‘grade curricular’ da antiga 4ª série do 1º Grau dos anos

de 86 e de 88 (Ver anexos 24 e 25), é possível observar a separação dos objetivos,

conteúdos e estratégias/atividades em dois blocos. O primeiro relativo à Geografia e

o segundo à História, o que indica que apesar da proposta da disciplina em foco ser

integradora e/ou interdisciplinar, os laços com a disciplina acadêmica de referência

não são facilmente interrompidos na dinâmica escolar, pois alguns fluxos de

cientificidade inscritos em matrizes historiográficas hegemônicas são tão fortes que

se reatualizam por meio de dispositivos como a transposição didática, mesmo

quando já apresentam sinais de esgotamento no próprio campo acadêmico. A

perpetuação de certas matrizes teóricas por meio da participação no processo de

construção de uma disciplina escolar em detrimento de outras pode ser vista como

uma estratégia discursiva que permite, simultaneamente, garantir o lugar

hegemônico de um sentido singular de História nas disputas historiográficas e

fortalecer as disciplinas na ordem escolar estratificada e hierarquizada onde as

mesmas se inscrevem.

No caso da Geografia, os fluxos de cientificidade consubstanciados em

conteúdos de ensino ressaltam o conceito de espaço, sendo realizada uma

aproximação entre os termos espaço, paisagem e lugar, que tendem a ser

interpretados como sinônimos. É possível observar nos textos analisados, a fixação

de um sentido particular para o significante espaço, mobilizado em determinadas

matrizes epistêmicas hegemonizadas no campo da Geografia. Refiro-me às

correntes teóricas que definem e operam com esse termo como sinônimo de

'paisagem', o definindo assim, como algo fixo.

Nesse mesmo processo de significação, é reatualizado o sentido de natureza

como um espaço estático à espera da ação dos homens, de tal modo que natureza

e sociedade são apresentados dicotomicamente. Tal dicotomia aparece mais

claramente no PGE de 86, onde alguns elementos naturais são destacados na

superfície textual, dentre eles: áreas altas, baixas, planas, elevações (morro, colina);

as águas (rios, lagos, mares e canais); vegetação natural e introduzida; temperatura,

chuvas, ventos e umidade. Outro vestígio possível da reelaboração didática de um

certo fluxo de cientificidade oriundo do campo geográfico, pode ser visto na

reafirmação do caráter utilitário da cartografia, percebida como mero recurso de

localização espacial.

Aspectos econômicos são ressaltados a partir de conteúdos vinculados aos

temas trabalho e produção. A economia dá a tônica da narrativa geográfica nos

PGEs de 86 e 88 traduzindo, provavelmente influências marxistas na área disciplinar

de referência da Geografia. Tal fato também pode ser observado na distribuição dos

conteúdos caracterizados no documento como da área de História, uma vez que o

desenvolvimento do conhecimento da área parece estar atrelado a linearidade dos

ciclos econômicos (pau-brasil, cana, ouro, café, industrialização). Cabe observar que

tal matriz historiográfica com realce no econômico como determinante na apreensão

do processo social aparece articulada com noções tanto de abordagem de cunho

marxista como de cunho tradicional positivista.

Como exemplificação do primeiro tipo de articulação, destacam-se conteúdos,

objetivos e estratégias/atividades que colocam em evidência o peso da estrutura

escravocrata nas relações econômico-sociais, inibindo, por exemplo, a interpretação

do negro escravo ou forro como sujeito de desejo capaz de buscar formas de

resistência e de subversão em meio a estruturas de dominação e de exploração de

grupos dominantes. Assim, a agência da pessoa escrava ou forra tende a ser

esvaziada, ou pelo não aparecimento de temáticas que apresentam formas de

resistência, ou por formas de escrita que em alguma medida engessam os sujeitos

posicionados em determinadas estruturas econômico-sociais, como por exemplo: os

donos de minas, os homens livres, os negros forros e os escravos.