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A definição de um foco de abordagem e o estabelecimento de fontes documentais pertinentes vão sendo modificados durante a elaboração, entrecruzados com novas possibilidades interpretativas nascidas das interfaces temáticas. Tomando a indicação de Gaston Bachelard (1997), pode-se dizer que os problemas mais interessantes surgem nas “zonas de fronteira”, pródigas no campo pedagógico, dada a variedade de atores envolvidos e a multiplicidade de elementos teóricos e práticos postos em jogo. (VALDEMARIN, 2010, p. 62)

Este trabalho, assim como as palavras de Valdemarin sugerem, se inscreve

em uma área fronteiriça considerando o entrecruzamento das áreas da Educação,

História e Geografia. Acredito que trabalhar na confluência dessas áreas permite

compreender um pouco melhor a complexidade das narrativas

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da disciplina

Estudos Sociais no Colégio Pedro II. Ao envolver diferentes atores e uma

multiplicidade de elementos teóricos, a análise a partir do recorte aqui privilegiado

desta disciplina exige a utilização de diferentes fontes para constituir o acervo

empírico nessa pesquisa. Importa precisar igualmente a noção de fontes com a qual

opero neste estudo. Afastando-me de um pensamento que supervaloriza as fontes

documentais clássicas, trabalho com a compreensão das diferentes fontes como

vestígios de um passado que adquirem novas configurações/refigurações a partir de

problemáticas investigativas criadas no presente, interpeladas por seus “espaços de

experiência” e “horizontes de expectativas” (KOSELLECK, 1992). Em síntese, nessa

pesquisa o sentido de fonte que desejo fixar se aproxima das reflexões de Bahiense:

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Neste trabalho opero com sentidos diferenciados para o termo narrativa por meio de dois movimentos interpretativos. O primeiro, baseado nas contribuições de Ricoeur (2010), associa o

termo narrativa ao próprio círculo hermenêutico de pré-figuração-configuração-refiguração,

considerando os processos de mímesis I, II e III; emergindo, “assim, como uma ‘síntese temporal do

heterogêneo’, integradora de uma rede de significados e tornada visível na configuração narrativa” (GABRIEL, 2012, p. 202). Já o segundo, marca a dimensão temporal nos processos de totalização discursiva, aproximando este termo de uma concepção de discurso em uma pauta pós-fundacional, oferecendo, assim, ferramentas para pensar as lutas pela (re)significação da disciplina Estudos

Sociais. Concordando com Gabriel (2015, p.6) “É pois, neste horizonte teórico que os termos discurso

e narrativa emergem com força na produção de sentidos e passam a ser mobilizados como condição de pensamento em nossa contemporaneidade permitindo saídas teóricas para a tensão entre significantes como estrutura e sujeito que tendem a emergir nas explicações da ação social/ política. Defendo assim que as definições de discurso na perspectiva de Ernest Laclau e Chantal Mouffe (2004) e de narrativa na perspectiva da hermenêutica ricoeuriana são ferramentas que, quando articuladas, potencializam as análises sobre os processos de estruturação da ordem social e

simultaneamente recolocam em cena, sob outras bases teóricas, as subjetividades políticas que

participam dos processos decisórios no âmbito dessas mesmas totalidades discursivas e desigualmente estruturadas.”

a interpretação das fontes do passado realiza-se a partir do tempo histórico no qual estão inseridos os historiadores, tempo esse, que para Reinhart Koselleck (2006), conjuga uma determinação temporal baseado em medidas e unidades de tempo derivadas da compreensão físico-matemática da natureza, bem como na própria historicidade humana.

Lembro que é sob esse manto de interferência do tempo que o historiador busca transformar a fonte histórica em documento e fatos históricos em problemas. No exercício de seu ofício, o historiador exerce certa liberdade de criação que parte de sua subjetividade, podendo hierarquizar causas, formular hipóteses, selecionar fatos, eventos e processos que, em diálogo com a teoria da história, produzem sentido a esses fatos e fontes, produzem, pois esses fatos e fontes. (BAHIENSE, 2011, 44-45)

No contexto do levantamento das fontes na produção do material empírico,

uma dificuldade localizada foi o pouco acervo dedicado ao 1º Segmento encontrado

no NUDOM do Colégio Pedro II, restrito a apenas algumas FACTAS

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, ofícios,

normativas e dois Planos Gerais de Ensino dos Anos Iniciais, o que me conduziu a

uma busca ao acervo da Chefia de Departamento e a procura de professores que

pudessem ter ainda Planos Gerais de Ensino e/ou documentos institucionais das

décadas de 80 e 90 guardados. Nesse sentido, o fato de ser professora da casa

auxiliou no processo de construção do acervo empírico, pois consegui estabelecer

uma rede de procura a documentos em acervos pessoais. A dificuldade de reunir

documentos que versem sobre os Pedrinhos foi apontada também por outros

pesquisadores.

Nosso estranhamento se agravou ao perceber que não havia quase nada sobre a criação do primeiro segmento no acervo histórico do colégio. Esse aspecto foi sinalizado por vários pesquisadores que nos antecederam. Percebemos então que o momento institucional em que o Pedrinho foi criado se encontra numa "zona de sombra" (POLLAK, 1989) dentro da memória do CPII, provavelmente, devido à intensa crise pela qual o colégio vinha passando. (CHAMARELLI, 2011, p.139)

Assumindo, de antemão, que as contingências do fazer pesquisa

conduziram-me mais de uma vez para a reconfiguração de conduziram-meu objeto, assim como apontado

por Valdemarin, outros materiais empíricos e perspectivas de análise foram

incorporados desde meu ingresso no doutorado no contato com as contribuições

recebidas na defesa de projeto, no exame qualificação e ao longo do trabalho como

pesquisadora. Reconhecendo que as relações entre teoria e empiria são sempre

dinâmicas e híbridas, procurarei apresentar brevemente as interlocuções que foram

se mostrando pertinentes aos questionamentos e encaminhamentos que venho

trazendo.

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As FACTAS representam uma espécie de revista em que são publicados os atos administrativos do Colégio Pedro II para publicização dos mesmos. FACTAS representa uma palavra em latim que significa fatos.

A partir de 2013, movida pelos trabalhos de Gabriel (2009, 2010, 2011, 2012);

Lopes (2009, 2010) e Macedo (2008, 2009), busquei apostar na teoria política, em

especial, nas leituras de Laclau e Chantal Mouffe (2004), uma vez que, na

interpretação das referidas autoras, as contribuições desses cientistas políticos para

o campo do Currículo consistem em oferecer categorias de análise potentes para

pensar as relações de poder de um outro lugar epistêmico. Ao indicarem outra

possibilidade de leitura do conceito de hegemonia na reflexão sobre novas

estratégias para a esquerda, os autores citados deslocam o papel dos processos de

significação nas disputas de poder, abrindo novos horizontes teórico-metodológicos

para as análises produzidas no campo curricular. Neste trabalho de pesquisa, a

perspectiva dos autores citados auxilia na compreensão e análise das narrativas em

Estudos Sociais que se hegemonizam nas grades curriculares.

Em 2014, movida pelo desejo de compreender as estruturas narrativas,

procurei me aprofundar nos estudos de Ricoeur (2010), pois para este autor

qualquer narrativa é produzida articulando as unidades temporais

passado-presente-futuro - a partir de intrigas compostas pela interpretação de acontecimentos. Ao

assumir que os fatos 'em si' não são possíveis de serem acessados, eles são

transpassados pelo tempo e espaço, em contextos discursivos específicos, as

contribuições desse autor me pareceram férteis para compreender as lógicas que

envolvem a disciplina Estudos Sociais e seus movimentos curriculares, percebendo

como as narrativas da área se prefiguram/configuram/refiguram nos documentos da

instituição.

Tendo como pano de fundo a postura epistêmica pós-fundacional, que subjaz

os argumentos construídos ao longo deste estudo, procurei dialogar com as

contribuições teóricas de autores de campos disciplinares diferenciados e inscritos

em matrizes teóricas distintas como, por exemplo, Ricoeur (1994) e Chevallard

(1991) para pensar a singularidade dos processos de produção do conhecimento em

Estudos Sociais veiculado no contexto da Educação Básica do Colégio Pedro II.

O diálogo com esses dois autores, me autoriza a afirmar que as estruturas

narrativas acadêmicas instituintes das disciplinas História e Geografia, não são as

mesmas daquela do conhecimento escolar em Estudos Sociais – o que não implica,

entretanto, na conclusão de que precisam ser necessariamente percebidas em uma

relação hierárquica ou que não existam estreitas relações entre elas. Trabalho neste

estudo com a hipótese de que o processo de transposição didática (CHEVALLARD,

1991) altera as estruturas narrativas do conhecimento histórico e geográfico,

hibridizando-os sob outras lógicas que não exclusivamente a acadêmica. Ao dar

uma nova leitura aos acontecimentos, as intrigas se alteram na disciplina Estudos

Sociais porque tempo, espaço e personagens tendem a ser redimensionados em

função das singularidades e exigências da esfera de saber onde elas estão sendo

pensadas: o contexto escolar.

Os documentos foram organizados em dois blocos: um mais geral, que

corresponde aos documentos que incidem sobre a implantação e expansão do

Pedrinho e o segundo mais voltado à organização curricular, composto pelos PGEs

e PPPs. Após a construção deste acervo documental, procurei compreender sob

quais circunstâncias tais documentos foram produzidos e quais impactos causaram

no trabalho da instituição, em particular, as disputas e tensões que envolveram a

escrita dos materiais recolhidos. As FACTAS institucionais, por exemplo, citadas no

Capítulo 1, indicavam um contexto celebratório de criação das Séries Iniciais.

Entretanto, as Palavras da Chefe de Departamento no PGE de 1988 indicaram a

existência de tensões quanto ao trabalho desenvolvido no Pedrinho.

Finalmente, nossos alunos oriundos da 4ª série de São Cristóvão II já formariam a primeira turma de 5ª série. Pela primeira vez, teríamos o produto do nosso trabalho sendo avaliado, não mais pela nossa equipe e, sim, por todo o Pedro II. Foi um momento muito importante de grande ansiedade, e que, apesar dos rumores iniciais, ao final de 87, teríamos a grata satisfação de ver essa turma bem sucedida. (CPII - PGE, 1988, p. 4, grifo da autora)

Com efeito, a existência desses rumores se confirma com a leitura de

dissertações como as de Miriam Moreira Duque (2010), Marta Alarcon Chamarelli

(2011) e Márcia Maria Granja França (2008). Essas autoras apontam a presença de

tensões e questionamentos de diferentes ordens no processo de implantação do

Pedrinho, justificando a escolha metodológica pela técnica de entrevistas que

permitiu incorporar depoimentos de três professoras que estivessem na escola

desde a década 80 e que pudessem auxiliar não só na compreensão deste contexto

institucional, mas, sobretudo, contribuir na abordagem dos movimentos curriculares

da disciplina Integração Social - que posteriormente se transformou em Estudos

Sociais.

Assim, identifiquei três professoras que acompanharam de perto à

implementação desta disciplina em unidades diferentes, atuando em diversos

setores da escola, mas mantendo sempre certo interesse por essa área de

conhecimento. No contato com diferentes professores do Colégio Pedro II, cheguei

aos nomes destas três professoras que acompanharam o recorte temporal

privilegiado nesta pesquisa. Duas delas se aposentaram há pouco tempo, tendo em

comum o fato de terem entrado no primeiro concurso para o Pedrinho, tendo uma

delas se aposentado no final de 2015 e a outra no final de 2016. Já a terceira

professora ingressou em 1986, continua atuando na instituição e tem a intenção de

atuar por mais tempo.

O conjunto de superfícies textuais que compõe o acervo empírico deste

trabalho investigativo é pois, consideravelmente amplo e será tratado especialmente

nos dois últimos capítulos. Entretanto, alguns documentos institucionais do Colégio

Pedro II foram citados já no primeiro capítulo por permitirem contextualizar o próprio

objeto de pesquisa aqui privilegiado e auxiliar na (re)construção do contexto histórico

de criação dos Pedrinhos.

Em virtude da opção pelas entrevistas, durante o ano de 2016, aprofundei um

diálogo com as contribuições dos estudos biográficos (ARFUCH, 2010;

DELORY-MOMBERGER, 2012) com o intuito de buscar pistas teórico-metodológicas para a

produção e o tratamento empírico das narrativas produzidas por meio das

entrevistas. A aproximação com esses estudos foi importante para a compreensão

da complexa articulação entre individual e social, permitindo perceber traços

individuais na construção de um enunciado coletivo e vice-versa. Nessa perspectiva,

as construções pessoais e coletivas se dão mutuamente; entretanto as experiências

não são comunicáveis, são individuais e singulares. A experiência só ganha

existência na narração e esta, segundo Ricoeur (1994), se articula por sua vez em

torno de dois movimentos: o da mesmidade, isto é, aquilo que, ao longo da trajetória

de uma vida, se interioriza ou indica permanência; e a ipseidade, que remete aos

deslocamentos e movimentos contingenciais. Em concordância com Gabriel (2015),

trabalho com a ideia que

a compreensão do sujeito contemporâneo em toda sua complexidade pressupõe situá-lo nos "ares de nosso tempo", entendido aqui como uma ordem contingencialmente definida em torno da estruturação da desigualdade em diferentes dimensões sociais e políticas. Nossa "condição biográfica", como afirma Delory-Momberger (2012), não é apenas uma possibilidade do sujeito singular "tonar-se presença" (BIESTA 2013), mas também uma condição do sujeito assujeitar-se às novas formas de regulação social em nossa contemporaneidade. É a partir do reconhecimento dessa condição que podemos pensar as narrativas do eu e do nós como subversão e/ou controle de uma lógica cultural hegemônica. Esse tipo de reflexão é crucial para não perdermos de vista as injunções políticas de nosso presente e simultaneamente não confundir o retorno do

"indivíduo", entendido como sujeito único e singular pela maneira como responde ao outro, com o retorno do individualismo normativo ou de uma

celebração hierarquizadora dos particularismos identitários. A

potencialidade heurística de expressões como "sujeito biográfico" ou um "ser social singular" pode ser explorada em sua ambivalência pelos usos possíveis que são feitos por parte de diferentes projetos políticos e matrizes paradigmáticas disponíveis no cenário contemporâneo das ciências sociais. Face às demandas de conhecimento que interpelam a educação básica em nossa contemporaneidade, entendemos que este tipo de enfoque pode contribuir para o avanço das investigações sobre os modos de articulação entre a pesquisa histórica, a historiografia e o ensino de história, sem cair nas armadilhas das visões dicotômicas e essencialistas. (GABRIEL; GONÇALVES, Simpósio Temático 98 - ANPUH, SNH2015)

Contudo, importa frisar que esta pesquisa não se inscreve no âmbito da

pesquisa biográfica. Ela se limita a incorporar algumas contribuições dos estudos

biográficos para refletir sobre a regulação da dispersão e sobre sínteses do

heterogêneo, apostando na fertilidade do círculo hermenêutico

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proposto por

Ricoeur (1994). Do ponto de vista aqui privilegiado, a contribuição deste autor se faz

presente no significado mesmo atribuído ao termo 'narrativa' no quadro da sua

hermenêutica. Uma das marcas centrais das reflexões de Ricoeur incide no fato da

inteligibilidade narrativa basear-se no movimento interpretativo de

prefiguração-configuração-refiguração. Mais à frente, neste texto, buscarei explorar a

potencialidade de pensarmos, nesses termos, o processo de produção do

conhecimento didatizado em Estudos Sociais no Colégio Pedro II.

Por ora, cabe aqui considerar que ninguém conta sua história da mesma

maneira. As narrativas se conformam aos diferentes espaços, temporalidades e

endereçamentos. Relações intersubjetivas, as narrativas estão contidas no ato de

enunciar que carrega o paradoxo que está no fato de todos nós sermos seres de

permanência e mudança. Esta aposta se direciona, então, ao encontro de estudos

que reconhecem o valor do espaço biográfico, interpretado enquanto singular-plural,

um espaço entre a clausura e a antinomia (AIRFUCH, 2010, apud GABRIEL, 2015),

revelando a profunda imbricação que envolve indivíduo e sociedade.

Cumpre destacar ainda que os argumentos desenvolvidos neste trabalho de

pesquisa, mobilizam e reatualizam as proposições da Teoria da Transposição

Didática (CHEVALLARD, 1991, 1999, 2001; GABRIEL, 2003, 2006; LEITE, 2007;

LOPES, 1999; PUGAS, 2013) e incluem não apenas o esquema tríplice proposto por

Chevallard para a análise do sistema didático stricto sensu, relação entre

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Opero com maior profundidade com o Círculo Hermenêutico proposto por Paul Ricoeur nos

professores, alunos e o conhecimento por eles mobilizados, mas também as ideias

de noosfera como instância que o precede e constitui. Tal abordagem será melhor

desenvolvida nas seções 2.2 e 2.3 deste capítulo; onde procurei demonstrar a

fertilidade teórica de trabalhar de forma articulada as contribuições da Teoria do

Discurso e Teoria da Transposição Didática no(s) contexto(s) de

prefiguração-configuração-refiguração das narrativas da disciplina Estudos Sociais..

Meu propósito, ao trazer para o diálogo esses autores, foi o de armar uma

perspectiva que favorecesse uma análise político-epistemológica do processo de

significação da disciplina Estudos Sociais, tendo como foco os processos de fixação

de sentidos de conhecimento escolar nesta disciplina, que envolvem as lutas pela

definição da interface tempo-espaço. Dito de outra maneira, interessa-me pensar as

relações entre os conhecimentos produzidos em diferentes campos científicos e

esferas de problematização, entendendo que essas relações são estabelecidas em

meio às disputas pela hegemonização de sentidos particulares de termos como

'escola', 'História', 'Geografia', 'tempo', 'espaço', 'disciplina', para citar apenas os que

se relacionam mais diretamente com o tema deste estudo. Afinal, como nos lembra

Chamarelli (2011),

claro está que, para além das tensões e divergências existentes dentro de uma instituição como a que é nosso campo de estudo, estas precisam apresentar para a comunidade externa (e mesmo interna) uma narrativa que dê conta de sua história, princípios e inserção na sociedade. E essa narrativa não pode ser modificada a todo momento nem conseguiria mesmo expressar o conjunto de opiniões e a diversidade que povoam sua comunidade interna. Sabemos que, do ponto de vista institucional, há necessidade de se construir tal narrativa como forma de apresentação, reconhecimento e identidade diante da comunidade. (CHAMARELLI, 2011, p. 140)

Procurei produzir pois, do ponto de vista teórico-metodológico, um quadro de

inteligibilidade capaz de enriquecer as discussões que hoje estão postas sobre o

conhecimento, considerando a disciplina Estudos Sociais. Assim, as proposições

políticas da Teoria do Discurso de Laclau e Mouffe (2004) ofereceram elementos

que se tornaram, como mencionado anteriormente, pano de fundo para pensar tanto

sobre a problemática da definição dos objetos estudados como sobre o(s)

movimento(s) do conhecimento que ocorre(m) na produção curricular dos Estudos

Sociais nos Anos Iniciais do Colégio Pedro II. Isto é, permitiu interpretar o

movimento de transposição didática como processo inscrito nas lutas de

ressignificação (PUGAS, 2013), reconfiguração de práticas articulatórias no currículo

escolar de Estudos Sociais que mobilizam fluxos de cientificidade de áreas de

conhecimento diversas, como a História e a Geografia.

Outro aspecto a ser sublinhado e que explorarei no próximo capítulo, consiste

na natureza híbrida da disciplina em foco. Com efeito, é possível identificar vestígios

tanto da perspectiva do currículo integrado, quanto disciplinar. Dessa forma, quando

da análise dos currículos dos PGEs, assumo o pressuposto de que estes

representam um texto curricular que encerra sentidos resultantes de uma operação

hegemônica por meio da qual são articulados elementos/momentos de diferentes

matrizes de organização curricular. Conforme a reflexão aqui defendida, as "grades"

da disciplina Estudos Sociais, como texto curricular, são apreendidas como

fechamento provisório em meio a processos de seleção. Desse modo, cada objetivo

– percebido como unidade textual – se apresenta como parte de um sistema

significativo cujo fechamento confere características particulares, em razão do

projeto que deseja garantir a objetividade do saber a ser ensinado. Seguindo esta

linha de raciocínio, um objetivo de ensino presente em cada um dos PGEs,

representa uma superfície textual com características específicas que pretende

mobilizar e orientar diretamente o aluno na realização de uma ação. Tal ação

representa mais que um desejo, constitui uma projeção da equipe que escreveu o

documento no qual o(s) objetivo(s) converge(m).

Para finalizar essa seção, nunca é demais afirmar que não proponho aqui um

diálogo entre Laclau e Mouffe (2004), Chevallard (1991, 1999, 2001) e Ricoeur

(1994, 2008), mas uma releitura das disputas curriculares em um contexto discursivo

específico a partir da apropriação singular que faço desses autores. Esse movimento

permite aproximar Teoria do Discurso e Teoria da Transposição Didática no contexto

de prefiguração-configuração-refiguração da disciplina Estudos Sociais,

considerando o círculo hermenêutico que perpassa o ato de narrar. Esses autores

desenvolvem pesquisas em campos disciplinares e teóricos diferentes e não é

minha pretensão aproximar suas respectivas produções intelectuais. O diálogo aqui

travado é de minha responsabilidade e minhas interpretações imputam-me o

encargo por conversar com eles a partir de meu objeto, sem ousar fazê-los

conversar.

Assim, nas próximas seções deste segundo capítulo, e na análise