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2. ISRAEL NO QUADRO POLÍTICO INTERNACIONAL

4.2. Características do Rio Jordão e a sua Envolvente

4.2.3. A discrepância entre israelitas e palestinianos

A desigualdade no consumo entre os habitantes israelitas e os palestinianos, determinada pela legislação de 1947 sobre a repartição da água entre Israel, Cisjordânia

310 Paula Pereira, Jordão: O Eterno Conflito pelas Suas Águas, IPRIS, Editorial Notícias, Lisboa, 2003,

pag 298.

311 Actualmente designado canal do Rei Abdullah.

312 Michael Klare, Guerras por los Recursos - El futuro escenario del conflicto Global, Tendencias,

Barcelona, 2003, pag 214.

e Faixa de Gaza, assenta nos seguintes pontos314: Qualquer captação de água por particulares necessita de autorização beneficiando delas somente os israelitas. Resultante das sucessivas captações de aquíferos no subsolo, por parte dos israelitas, conduzirá à “secagem” das águas superficiais dos palestinianos; O consumo de água é determinado segundo quotas discriminatórias, existindo a aplicação de multas em caso de uso excessivo; As fontes de água (poços e fontes) pertencentes a palestinianos, deslocados ou refugiados, são apreendidos pelos israelitas; A facturação da água efectua-se a um preço elevado, havendo para os agricultores israelitas benefícios, por meio de subsídios.315

No início da década de 1990 pouco se tinha alterado desde 1967 em relação à partilha da água na Cisjordânia e o vale do rio Jordão. Porém, as diferentes partes em litígio começaram a considerar uma solução não militar para o problema da água, como parte do processo de paz israelo-árabe iniciado sob os auspícios norte-americanos desde 1991316. Em 1994, Israel e Jordânia assinaram um tratado de paz que incluía a água e muitas outras questões vitais. Segundo o artigo 6º do tratado e seu protocolo adicional, Israel aceitou limitar o total das suas extracções anuais do rio Yarmuk e injectar uma maior cubicagem do rio Jordão no canal do rei Abdullah. Segundo o tratado, Israel auxiliaria o reino hachemita a superar o problema crónico fornecendo-lhe cerca de 50 milhões de metros cúbicos por ano, totalmente grátis; o Governo comprometeu-se, também, a não se opor à construção da barragem de Al-Wadha, no rio Yarmuk, que seria financiada pelo Banco Mundial. Esta obra permitirá aos jordanos armazenar parte dos 500 milhões de metros cúbicos de água de chuva que atingem a região anualmente317. Os dois países acordaram, ainda, desenvolver em parceria projectos de dessalinização no vale do Jordão e cooperar na conservação dos recursos hídricos.

No início do séc. XXI, 50% das terras de cultivo israelitas dispunham de sistemas de regadio, ao passo que as povoações palestinianas consumiam apenas 2% das águas. Mais recentemente, no ano de 2008, a Jordânia anunciou o projecto de abastecimento de água, para a sua capital, através da exploração de um aquífero. O Ministro dos Recursos Hídricos, Raed Abu, anunciou a intenção de extrair 100 milhões

314 Paula Pereira, Jordão: O Eterno Conflito pelas Suas Águas, IPRIS, Editorial Notícias, Lisboa, 2003,

pag 294.

315 Eodem loci. 316 Tabela 23, Anexo I.

317 Revista Morachá, [Consultado em 02MAR10]. Disponível em:

de metros cúbicos de água por ano. O aquífero Qa Disi está localizado a 55 km a noroeste de Ácaba, próximo com a fronteira com a Arábia Saudita e a 325 km a sul de Amã. Este projecto poderá conduzir a um desgaste diplomático com a mesma, uma vez que também explora as suas águas318.

A população da Jordânia319, cresce aproximadamente 3,5% ao ano e o abastecimento, baseado em recargas pluviais, torna-se insuficiente. Adicionalmente, e após a invasão do Iraque em 2003, a Jordânia já acolheu 750 mil refugiados, o que elevou a procura pela água320. Para Vandana Shiva, Israel ver-se-á forçado, num futuro próximo, a reduzir o consumo de água motivado pelas secas que se fazem sentir, a par da sobre-exploração para fins agrícolas. Para tal os primeiros sacrificados serão os cultivos de algodão e de laranjas em prol de cultivos mais resistentes à seca e logicamente com menores dependências de água321. A crise alimentar que, também, ameaça o Médio Oriente, levou a Jordânia a rebater o uso e acesso à água, visando aumentar a sua produção agrícola. O Ministério de Recursos Hídricos garantiu a disponibilidade de 1,6 biliões de metros cúbicos de água por ano, para atender às suas necessidades até 2015322.

Os temas da água figuraram além das negociações entre Israel e a OLP (actualmente ANP) sobre o futuro regime da Cisjordânia e a Faixa de Gaza. Ambas as partes firmaram, em Setembro de 1995, um acordo provisório, onde Israel reconhecia que certos direitos, sobre as águas subterrâneas de Cisjordânia, correspondiam aos palestinianos. Atribuía-se, também, à recém-formada ANP um papel parcial no abastecimento para zonas da sua jurisdição. Contudo, o acordo previa, também, que Israel mantivesse o controlo sobre todas as reservas de água da Cisjordânia enquanto durassem as negociações destinadas a determinar o estatuto definido da região. As condições de seca que afectaram a maioria da região de 1999 a 2000 inflamaram, novamente, o ressentimento palestiniano perante a política israelita da água. Por sua vez, Israel negou-se a conceder direitos aos palestinianos sobre a água do Jordão ainda

318 ECODEBATE, Jordânia anuncia um mega-projeto de exploração do aqüífero Qa Disi. [Consultado em

03NOV09]. Disponível em: http://www.ecodebate.com.br/2008/07/28/jordania-anuncia-um-mega- projeto-de-exploracao-do-aquifero-qa-disi/, 2008.

319

6,269,285 (estimativa para Julho 2009) Fonte: https://www.cia.gov, consultado em 25FEV10.

320 Fonte: Portal ecodebate.

321 Vandana Shiva, Las guerras del agua, Contaminación, privatización y negocio, Icaria Antrazyt,

Barcelona, 2002, pag 91.

322 ECODEBATE, Jordânia anuncia um mega-projeto de exploração do aqüífero Qa Disi. [Consultado em

03NOV09]. Disponível em: http://www.ecodebate.com.br/2008/07/28/jordania-anuncia-um-mega- projeto-de-exploracao-do-aquifero-qa-disi/, 2008.

que a Cisjordânia seja banhada pelo mesmo na região ocidental. A situação agravou-se quando os especialistas do Serviço Hidrológico de Israel afirmaram que o lençol freático da Cisjordânia se encontra bastante contaminado por sais e nitratos para ser utilizado como água potável. A situação agudiza-se pelo facto de se encontrar contaminado por resíduos agrícolas, industriais e esgotos clandestinos, além da exploração indevida da água através de poços323.

As questões relacionadas com a água incluíram-se na ordem do dia, nos princípios de 2000, aquando do início das conversações de paz sírio-israelitas. A condição levantada pelos sírios em toda a negociação seria que os israelitas abandonassem os Montes Golan e, ainda, uma parte da costa ocidental do lago Tiberíades. Contudo, dessa forma, o domínio israelita sobre a nascente do Rio Baniyas ficava ameaçado. Como Israel pretende controlar o afluente vital do Jordão, e não sendo de crer que a curto prazo nenhuma parte do seu domínio sobre o Tiberíades as conversações acabaram por ser suspensas. O falecimento do presidente Sírio Hafiz el- Assad, em Junho do mesmo ano, e a prolongada incerteza política sobre Israel levou a que as conversações se mantivessem interrompidas.

O muro que Israel constrói, sem pausa, que o separa dos territórios palestinianos, e que segundo Jerozolimski, reaviva a discórdia em torno da água. Iniciado em 2002, o muro é uma longa barreira, constituída por paredes, vigilância electrónica e zonas de patrulhamento, que pretende garantir maior segurança para Israel e, principalmente, estancar os ataques suicidas palestinianos. Entretanto, fontes palestinianas afirmam que o muro é mais do que isso. Referem que as melhores terras agrícolas e fontes de água permanecem do lado israelita, já que na primeira fase foi erguido na parte Norte da Cisjordânia324.

“Em localidades da Cisjordânia, como Tulkarem e Jenín, as famílias ficaram

com a terra de um lado e o poço de outro”, refere Taher Nasser Al-Din, director-geral

do West Bank Water Department. Segundo as autoridades locais, cerca de oito mil habitantes de outra localidade, Qualkiliya, foram forçadas a abandonar as suas casas e procurar novas terras. Entretanto, Uri Shor, porta-voz do Water Commission israelita garantiu que o muro visa apenas as necessidades de segurança. “As canalizações estão

323 Revista Morachá, [Consultado em 02MAR10]. Disponível em:

http://www.morasha.com.br/conteudo/artigos/artigos_view.asp?a=89&p=2, (S/d).

por todo o lado e o muro não afecta nada”325. Segundo Jerozolimski, a água é um dos elementos mais simbólicos que separam israelitas e palestinianos, cujo velho conflito se intensificou desde 2000, com o início da segunda Intifada. A água no Médio Oriente é um recurso precioso para os povos da região e motivo de contínuas tensões. Mas, através de um processo racional, a água poderia também converter-se em factor de aproximação. No entanto as reservas são insuficientes para Israel e para a ANP pelo que o problema continuará a agravar-se, a menos que se realize uma ampla dessalinização das águas. Neste sentido e segundo o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel, tem-se exercido um grande esforço para transformar água salgada em água doce, sendo o país que na actualidade mais explora este processo e que mais investe nesta tecnologia326.

Sensivelmente 20% da população palestiniana não possui água canalizada. Em algumas regiões, como na cidade de Jenín, os moradores afirmam que passam dias sem água, embora estejam ligados à rede de distribuição. Segundo os acordos de paz de Oslo, de 1993, Israel devia fornecer entre 70 e 80 milhões de metros cúbicos de água por ano à população palestiniana para “necessidades imediatas”. “A situação é melhor

do que em 1995. Hoje temos mais água. Mas Israel não cumpre integralmente o acordo, porque não nos autoriza a perfurar novos poços”, afirma o director da

Palestinian Water Administration Authority, Nabil Al-Sharif327. Israel defende-se, afirmando cumprir de forma cabal o determinado nos acordos e inclusive fornecer mais do que o estabelecido, esclareceu Uri Shor. Contudo e segundo as autoridades palestinianas, apenas entre 160 e 200 mil palestinianos, dos dois milhões e meio habitantes da Cisjordânia, gozam de água potável nas suas casa e são abastecidos por camiões cisterna. No entanto a população israelita consome três vezes mais água do que os palestinianos. “Se for considerado também o consumo de água pela indústria

israelita, o uso anual por pessoa chega aos 128 metros cúbicos, ou 350 litros por pessoa/dia, cinco vezes mais do que o consumo palestiniano per capita”, acrescentou a

Betselem, de uma ONG dos direitos humanos328.

325 Ana Ruth Jerozolimski, A Água Divide e Aproxima. [Consultado em 04MAI09]. Disponível em:

http://www.tierramerica.net/2003/0421/particulo.shtml, 2003.

326 IFM, Israeli Foreign Ministry, Israel's Chronic Water Problem, [Consultado em 22ABR09],

Disponível em: http://www.jewishvirtuallibrary.org/jsource/History/scarcity.html, 2008.

327 Ana Ruth Jerozolimski, ibidem, 2003. 328 Eodem loci.

Segundo Jerozolimski, ao analisar-se as razões do fenómeno constatam-se discrepâncias. Os palestinianos alegam que as diferenças no consumo são produto da política israelita discriminatória, sobretudo entre o que é recebido pelos colonatos israelitas em territórios palestinianos e o fornecimento a aldeias árabes na mesma região. Israel responde que o problema se encontra na má administração pela ANP. Os colonos israelitas na Cisjordânia não sofrem qualquer espécie de restrição, onde os agricultores têm fácil acesso à água. Neste contexto, Israel dispõe de cerca de 50% de terra cultivada, uma das maiores proporções agrícolas do Mundo329.

Apesar da escassez e má qualidade da água serem comuns aos dois territórios, as tensões com Israel manifestam-se sobretudo na Cisjordânia. Ali estão os dois principais reservatórios de água da região. O primeiro é uma lagoa na montanha, que se estende do setentrional Monte Carmelo até Bersheeva, ao Sul, e em direcção ao mar Morto a Leste, incluindo a Cisjordânia. Essa fonte é responsável pela quarta parte das necessidades de Israel, dos colonatos e de quase toda a população palestiniana na Cisjordânia. A segunda fonte é o alto Jordão e os seus afluentes, de onde provem o fornecimento de quase um terço do consumo israelita, além de abastecer a Jordânia, a Síria e o Líbano. Os palestinianos não recebem água desta reserva, segundo Al-Din, porque as águas do Jordão já são partilhadas com a Jordânia. Como alternativa a água da rega palestiniana provém exclusivamente de poços e nascentes locais. “Na Cisjordânia, nenhum

palestiniano pode dizer que recebe menos água do que no ano anterior ou do que antes dos acordos de paz de Oslo. Actualmente o sistema trabalha a plena capacidade”,

afirmou Amos Epshrtein, director-geral da empresa nacional de abastecimento de Israel, a Mekorot330. Contudo, as severas restrições referentes à água são demasiado severas para a população palestina. As bombas palestinas são confiscadas, os poços são destruídos, proibidos de efectuar novas explorações aquíferas e até mesmo de praticarem o cultivo de árvores de fruto sem autorização. Face a tais condições a agricultura palestina fica à mercê da aridez climática que assola a região331. Em 1999, os palestinianos tinham autorização para, tão-somente, sete poços, onde os mesmos não

329 Gilberto Rodrigues Júnior, O conflito israelo-palestino sob a perpectiva dos recursos hídricos,

Instituto da Cultura Árabe, 2006, pag 3.

330 Empresa que exerce o controlo da distribuição de águas. 331 Gilberto Rodrigues Júnior, ibidem.

poderiam exceder os 140 metros de profundidade. Por sua vez, os judeus encontravam- se autorizados a perfurar até aos 800 metros332.

Segundo fontes palestinianas, no decurso da intifada, o exército israelita danificou poços em Gaza e na Cisjordânia. “Foi assinado um protocolo com o Israeli

Water Commission para separar a água do conflito, porque esta é uma necessidade diária. Israel começou a respeitá-lo”, disse Al-Sharif. A administração e a distribuição

de água nas áreas palestinianas serão da responsabilidade de cinco entidades públicas sem fins lucrativos333. Estas entidades concebem a captação e a distribuição da água, bem como a conservação das redes. Os técnicos sugerem estar mais em acordo do que propriamente os políticos quanto às soluções. “A água é uma questão central para a paz

e se os políticos resolverem os problemas políticos, não tenho dúvidas de que isto será resolvido”, disse Al-Sharif. Com o mesmo optimismo expressa-se Epshtein. “A solução está no trabalho conjunto e em encontrar a fórmula para partilhar”.334