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CAPÍTULO II – DISLEXIA

2.7. A dislexia em idades mais tardias: o que, de facto, preocupa

Apesar de crermos, na sequência do que estudos em diversas áreas mencionam, na reeducação nas idades que aqui estudamos, convém reter que as ―dificuldades de leitura diagnosticadas após o 3.º ano de escolaridade são muito mais difíceis de remediar‖ (Shaywitz, 2008).

Por vezes, os professores reproduzem com alguma estupefacção a sua incompreensão pelo facto de alguns alunos não serem diagnosticados em idades precoces. Na escola onde nos movemos, a grande maioria dos alunos foi diagnosticada apenas no 7.º ano; temos, além disso, dois exemplos que demonstram que é possível chegar-se ao 10.º e ao 11.º anos sem que haja uma detecção de dislexia, ambas as situações por razões diferentes: no caso do aluno diagnosticado no 10.º ano, porque havia um relatório prévio que falava num défice intelectual; no caso do aluno detectado no 11.º ano, a razão encontrada prende-se com o facto de o aluno ter vindo da Alemanha, embora tenha feito toda a sua escolaridade já em Portugal. Um desses alunos, o que frequentava o 11.º ano, integra o presente estudo – o outro aluno está já na faculdade (e é um caso de absoluto sucesso). Os argumentos a invocar para cada um deles, portanto, diferem, mas esta situação não será assim tão pouco comum, e nem sempre a argumentação cabe em nomes como «incompetência». Alguns autores mencionam esta situação, como Cunha (2008) e Shaywitz (2008), que refere não ser ―raro que os disléxicos cheguem à adolescência, ou à idade adulta, sem serem reconhecidos como tal‖, concluindo com as cores que aqui desejamos deixar: ―Nunca é tarde de mais. (…) os novos conhecimentos (…) são aplicáveis a indivíduos de todas as idades‖ (pp. 20-21).

Galaburda (1989) chama, em primeiro lugar, a atenção para o facto de um diagnóstico mais tardio de dislexia ser mais difícil de ser feito, devido à utilização de estratégias compensatórias que escondem, muito embora não corrijam, as problemáticas subjacentes.

Tallal (2006) menciona que, ao contrário do que aconteceu na investigação anterior relacionada com a dislexia, mais recentemente, a população estudada já não se situa quase exclusivamente nas idades em que as crianças se deparam com a incapacidade de aprenderem a ler. Agora, os estudos estão a centrar-se nos indivíduos

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que apresentam já um longo historial de problemas de desenvolvimento da linguagem e/ou de leitura, que tentam contornar com estratégias de compensação. E é exactamente isso que sentimos existir em Portugal. Aliás, sobretudo as visitas feitas às escolas do distrito em que nos situamos permitiu-nos comprovar aquilo que íamos ouvindo nas formações que frequentámos: a partir das fases iniciais, o trabalho situa-se sobretudo ao nível das estratégias compensatórias, necessariamente importantes, mas, em nosso entender, marcadamente insuficientes. Estratégias facultadas, na enormíssima maioria das vezes, por professores do ensino regular.

Teles (2004, Dezembro) lembra que, na Europa, é inexistente uma base legal comum que apoie as crianças disléxicas, facto que leva a que a grande maioria continue sem ser diagnosticada e sem beneficiar de uma intervenção especializada.

Em Portugal, o Decreto-lei 3/2008, de 7 de Janeiro, aplica-se às crianças com necessidades educativas especiais, mas não faz qualquer referência à metodologia reeducativa a adoptar, nomeadamente no caso dos alunos disléxicos (Teles, 2004, Dezembro). Nem nesses casos nem na maioria dos restantes; compete a quem deles se encarregará, os professores de Educação Especial, encontrar o melhor caminho a seguir, afirmamos nós.

Fará sentido que se dê continuidade a um plano de intervenção em idades mais tardias?

A resposta, encontramo-la nas nossas escolas, quando os professores, nos Conselhos de Turma, referem que os alunos disléxicos não compreendem o que lêem e questionam se alguns alunos não terão mesmo um défice cognitivo não específico – ou seja, se não terão DID. Na verdade, aqueles alunos, que até já poderão efectuar uma leitura aparentemente12 fluente e com uma velocidade de leitura próxima do esperado, mantêm ―uma dificuldade particular em decodificar palavras que não encontraram antes, e, em geral, têm dificuldades persistentes com a consciência fonológica, nomeação rápida e tarefas verbais de memória de curto prazo‖ (Snowling & Stackhouse, 2008, p. 13, citando Bruck, 1990; 1992; Pennington et al., 1990). Como ficará exposto no capítulo III desta I Parte (Compreensão da leitura), estes défices resultam de uma falta de automatização (a descodificação ocorre não por automatização,

12 Far-se-á, no parágrafo a seguir, uma interrogação que justifica a introdução deste termo,

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mas como resultado de esforço), que explicam, de acordo com a corrente que abraçamos, as dificuldades de compreensão da leitura. Shaywitz (2008) afirma que os alunos disléxicos, apesar de parecerem desenvolver sistemas compensatórios nas áreas anteriores esquerda e direita e no hemisfério direito, não descodificam automática e rapidamente as palavras. Tal significa que o leitor disléxico, mesmo acedendo ao material escrito – portanto, descodificando –, mantêm uma velocidade de leitura lenta (ou mais lenta) comparativamente com os seus pares, facto que os coloca sempre em desvantagem.

Neste ponto, surge-nos uma questão: perante as dificuldades que os alunos disléxicos mais velhos apresentam no que respeita, por exemplo, à consciência fonológica e à nomeação rápida, como se deixou acima, poderá dizer-se que a sua leitura, embora rápida, é fluente?

Carvalho (2011, citando Meyer &Felton, 1999) refere que, não sendo consensual a definição de leitura fluente, esta competência poderá referir-se a uma ―habilidade para ler textos rapidamente, suavemente, sem esforço e automaticamente, depositando pouca atenção aos mecanismos de leitura, nomeadamente à descodificação‖ (p. 71). Só uma leitura fluente é compreensiva. Assim, é nosso entender que um aluno disléxico que apresenta dificuldades a nível da consciência fonológica dificilmente conseguirá realizar uma leitura fluente, na medida em que a leitura que empreende será sempre fruto de esforço e, neste caso, a compreensão da leitura estará sempre mais ou menos comprometida. E isto é o que, de facto, nos preocupa no caso dos alunos disléxicos mais velhos: o compreenderem com muita dificuldade o que lêem. Tal significa, assim o defendemos, que a intervenção educativa com estes alunos faz – continua a fazer, nestas idades -, sim, todo o sentido.

A propósito do que afirma Carvalho (2011) sobre a ausência de atenção numa leitura fluente, teremos de lembrar o que veicula Shaywitz e Shaywitz (2008):

For almost two decades, the central dogma in reading research has been that the generation of the phonological code from print is modular, that is, automatic and not attention demanding and not requiring any other cognitive process. Recent findings now present a competing view, suggesting that attentional mechanisms play a critical role in reading and that disruption of these attentional mechanisms plays a causal role in reading difficulties (p. 1343).

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Shaywitz (2008) é uma das autoras que têm como preocupação todas as idades dos indivíduos disléxicos. Nesta obra, a investigadora crê que

O modelo que emergiu pode ser aplicado na compreensão e no tratamento das dificuldades de leitura de crianças que estão a iniciar o seu percurso escolar, bem como nas de alunos que estão já a frequentar o 1.º, o 2.º ou o 3.º ciclos e nas dos que frequentam o ensino secundário ou o universitário, que estão a fazer pós-graduações ou que estão inscritos em escolas profissionais. O modelo é também relevante para as legiões de adultos que vivem a sua vida sem a capacidade de apreciarem a leitura. (…) Independentemente de quem seja a criança ou o adulto (…) a capacidade de um indivíduo para ler segue o mesmo percurso estabelecido na zona profunda do cérebro. Este percurso foi identificado. Em termos práticos, isto significa que sabemos qual o sistema funcional cerebral envolvido na leitura. (…) as novas descobertas possibilitam agora que (1) se identifique com um elevado grau de precisão as crianças que correm um maior risco de serem afectadas pela dislexia – mesmo antes de desenvolverem problemas de leitura -, (2) se diagnostique com precisão a dislexia em crianças, jovens adultos e em adultos e (3) se aborde a perturbação através do recurso a programas de tratamento comprovados e de elevada eficácia.

Reside aqui também a nossa demanda.

Em Março de 2010, iniciámos as nossas pesquisas para além dos livros sobre como intervir. Enviámos um pedido de entrevista a quatro Instituições de referência no nosso país ligadas à Dislexia. Uma dessas Instituições referiu não intervir com alunos disléxicos nestas faixas etárias e, por conseguinte, os dados que obtivemos, a nível nacional, tiveram apenas três fontes (cf. ponto 2.2. da II Parte). Contactámos ainda a British Dyslexia Association e a American Dyslexia Association, cujas respostas cabem no ponto 2.3. também da II Parte.

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