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CAPÍTULO II – DISLEXIA

2.6. O modelo da dupla via e as dislexias fonológica e lexical

Ler, escreve Coltheart (2007), ―is information-processing: transforming print to speech, or print to meaning‖ (p. 6). Este autor afirma ser pacífico que este processo de transformação - falamos, então, agora, do ―processo de leitura‖, ou seja, a descodificação, e não da ―função da leitura, que é, ―geralmente, a compreensão‖ (Castro & Gomes, 2000, p. 119) – é conseguido por meio de duas vias8, modelo enunciado, segundo aquele investigador, pela primeira vez por Saussure. Essas duas vias são, então, a léxica ou directa e a fonológica, também chamada subléxica ou indirecta (Cruz, 2009). ―The lexical procedure involves accessing a representation in the model‘s orthographic lexicon of real words and from there activating the word‘s node in the model‘s phonological lexicon of real words, which in turn activates the word‘s phonemes at the phoneme level of the model‖ (Coltheart, 2009, p. 12). Fala-se, portanto, da ―via usada pelos leitores eficientes (…), que apenas «num olhar» reconhecem de imediato a palavra escrita (Viana, 2009, p. 19). Coltheart (2009) expõe que os processos que envolvem a via não lexical, ou seja, a fonológica, usam as regras de correspondência grafema-fonema.

Como facilmente se compreende, escrevem Festas, Martins e Leitão (2007), ―e na medida em que a própria aprendizagem da leitura depende da consolidação deste sistema de CGF9, a via fonológica é aquela que predomina nas fases iniciais dessa mesma aprendizagem, cedendo, à medida que o leitor se torna mais proficiente, cada vez maior proeminência à via lexical‖ (p. 4). Os autores ressalvam, contudo, que ―mesmo o leitor experiente terá, ainda assim, necessidade de manter a via fonológica operacional, sob pena de ficar impedido de ler palavras desconhecidas e pseudopalavras‖.

O sistema de reconhecimento das palavras envolve, como defende Lupker (2007), três tipos de representação mental: ortográfica, fonológica e representações

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Castro e Gomes (2000), contudo, defendem que ―O modelo de dupla via não é isento de críticas‖ (p. 123). Festas, Martins e Leitão (2007) dão conta de outros modelos explicativos da leitura de palavras, destacando, entre estes, ―os que se baseiam no processamento paralelo, como o de Seidenberg e McClelland (1989), e que prevêem, desde modo, uma única via e não duas. ―Ainda assim e apesar dos modelos concorrentes, o modelo da dupla via continua a ter um elevado nível de aceitação pelas possibilidades que oferece para a explicação e compreensão do fenómeno da leitura de palavras, tanto em leitores normais, como em casos de distúrbios de desenvolvimento ou decorrentes de lesões cerebrais‖ (p. 5).

9 ―Conversão Grafema-Fone‖ (Festas, Martins & Leitão, 2007, p. 4). Alguns autores (Castro & Gomes,

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semânticas – ―Units of each type are assumed to be connected to units of other types‖ (p. 49). Esta representação mental será o léxico mental, que é definido por Castro e Gomes (2000) como uma noção usada em Psicologia Cognitiva para referir o conhecimento intuitivo que temos sobre as palavras. Neste léxico cabe o léxico fonológico - que se refere ao conhecimento que desenvolvemos sobre a maneira como as palavras soam (é, portanto, o leque de sequências fonológicas que formam as palavras da língua) –, o léxico ortográfico - que se vai constituindo através do contacto com as formas escritas da língua10 – e o léxico semântico: não só aprendemos como as palavras se dizem e escrevem, como também o que elas querem dizer.

Carvalho (2008) lembra que existe uma variação do modelo da dupla via ―que explica a ocorrência da leitura sem compreensão da mensagem: uma terceira via que recorre também ao léxico visual -, em que o sujeito passa directamente do léxico visual ao léxico fonológico sem entrar no sistema semântico (Morton & Patterson, 1980; Vega, 1998 – citados por Carvalho, 2008, p. 16).

Na sequência do que ficou exposto, diremos agora que os indivíduos disléxicos que lêem através da via lexical, porque a fonológica está alterada, se enquadram num contexto de dislexia fonológica; pelo contrário, quando os indivíduos conseguem aceder à leitura através de procedimentos fonológicos, mas não por via directa ou léxica, inserir-se-ão num quadro de dislexia lexical ou superficial (Cruz, 2009).

Olhemos mais atentamente para a primeira, a dislexia fonológica. Aqui, porque ―o sistema de conversão grafema-fonema não é capaz de fornecer uma resposta apropriada‖ (Castro & Gomes, 2000: 148), existe ―uma incapacidade de ler pseudopalavras e palavras desconhecidas. Apesar desta dificuldade, os pacientes com dislexia fonológica mostram-se capazes de ler palavras conhecidas‖, uma vez que a via lexical está intacta, ―sendo a essa que recorrem na leitura‖ (Festas et al., 2007, p. 6). Carvalho (2008) elabora uma lista de aspectos comprometidos na dislexia fonológica, a que também denomina Disfonética, Fonética e Linguística, a saber:

―Comprometimento da consciência fonológica (análise segmental da palavra); Ausência de automatização da descodificação (associação grafema-fonema) necessária à leitura de palavras novas e pseudopalavras; Défice na memória de trabalho e comprometimento da memória auditivosequencial; Lentidão no acesso à palavra nas tarefas de nomeação rápida; Tendência a

10 Castro e Gomes refere que o léxico ortográfico começa por ser uma espécie de léxico visual, onde estão

59 fazer erros derivacionais e a utilizar ao máximo o contexto e a via semântica (substituição por

sinónimos)‖ (p. 53).

A dislexia lexical, também denominada diseidética, morfémica, de análise visual ou de superfície (Carvalho, 2008) ―caracteriza-se por um funcionamento relativamente preservado da via fonológica‖ (Castro & Gomes, 2000: 149), pelo que ―os doentes conseguem ler, sem dificuldade, pseudopalavras e palavras regulares, ao mesmo tempo que apresentam muitos erros na leitura de palavras irregulares (Marshall & Newcombe, 1973; Patterson, Marshall, & Coltheart, 1985 – citados por Festas et al., 2007: 6). Festas et al. (2007) prosseguem nesta caracterização, afirmando que ―Os portadores deste tipo de dislexia procedem a constantes «regularizações» na leitura de palavras irregulares. Tal comportamento evidencia que os doentes lêem através da activação do sistema CGF11, mobilizando as respectivas regras de conversão dominantes. Na ausência de uma regra de CGF dominante para um dado caso, a leitura pode igualmente evidenciar erros de conversão‖ (p. 6). Carvalho (2008) refere ainda haver ―Confusões persistentes na orientação espacial das letras e/ou dos números ao nível da leitura e da escrita‖ (p. 53). A autora salienta também as dificuldades de compreensão dos indivíduos disléxicos em que a via afectada é a lexical, ―devido à lentidão anormal na descodificação e à tendência para fazer erros de regularização e de segmentação‖. Terá aqui de se referir que muitos autores salientam as dificuldades de compreensão dos alunos disléxicos sem especificar a via afectada – posição que aqui adoptamos. Carvalho (2008) afirma ainda que, na dislexia lexical, devido ao défice na memória de trabalho, não ocorre ―o alargamento do léxico visual de entrada‖ (p. 53).

Já o sabíamos de leituras anteriores, mas, do que atrás ficou dito, retiramos agora um dos aspectos em que porventura mais assentámos o nosso estudo: que a memória de trabalho está comprometida nos alunos disléxicos, independentemente da via afectada.

11―Conversão Grafema-Fone‖ (Festas, Martins & Leitão, 2007: 4). Alguns autores (Castro & Gomes, 2000; Teles &

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