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CAPÍTULO II – DISLEXIA

2.2. O atraso na leitura, enquanto processo cognitivo Teorias explicativas:

2.2.1. Outras correntes

Um dia, uma amiga, quando falávamos em investigação qualitativa e quantitativa, disse-nos que a investigação quantitativa era sobrevalorizada, na medida em que se consegue provar o que se quiser. Muito controversa esta afirmação, pensámos na altura. Contudo, à medida que íamos acrescentando mais uma teoria às tantas que íamos lendo sobre as origens da dislexia, mais nos íamos aproximando da radicalidade (quase absurda) que é aquela afirmação.

A teoria do défice de automatização

Esta teoria pretende, então, justificar as dificuldades sentidas pelos alunos disléxicos, argumentando que a leitura que os disléxicos empreendem é feita com esforço, ao contrário do que deveria ser, ―effortless‖ e ―unconscious‖ (Logan, 1988, p. 513). Tal justificará as dificuldades de compreensão sentidas pelos alunos disléxicos: é que se comportam, enquanto leitores, como se estivessem sempre na fase inicial da leitura, e Logan (1988) refere que ―LaBerge and Samuels (1974) claimed that beginning readers may not be able to learn to read for meaning until they have learned to identify words and letters automatically‖. Para a investigação que apresentamos neste trabalho, partimos também (porque partimos igualmente de mais duas) desta teoria, o que significa que tivemos de perceber o que poderia ser feito para potenciar a automatização dos processos inerentes à descodificação. Para já, diremos apenas que Logan (1988) fala

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na importância da prática consistente: ―automaticity is acquired only in consistent task environments, as when stimuli are mapped consistently onto the same responses throughout practice‖.

A teoria do défice na taxa de processamento

Breznitz (2008, citado por Reid, 2009) chama a este défice ―Asynchrony Phenomenon‖ (p. 19), caracterizando essa expressão as lacunas nas entidades responsáveis pelo processo de descodificação de palavras. Aquele autor chegou, aliás, a criar um programa com que pretendia melhorar a velocidade de processamento da informação, alegando tê-lo conseguido.

A teoria do duplo défice

A teoria do duplo défice parte do princípio de que as pessoas disléxicas apresentam dificuldades quer ao nível do processamento fonológico, quer ao nível da velocidade de nomeação (Wolf, 1996; Wolf & O‘Brien, 2001 – citados por Reid, 2009).

A teoria do modelo de balanço da leitura

Reid (2009) retoma o «modelo de balanço» da leitura de Robertson e Bakker (2002) para explicar dificuldades no desenvolvimento da leitura. Aquele modelo parte do princípio de que a leitura é conduzida por regras sintácticas e linguísticas e é predominantemente mediada pelo hemisférico esquerdo do cérebro. Tal significa que a leitura se desenvolve através da mediação, inicialmente, do hemisfério direito, quando a criança automatiza as características perceptivas, e, posteriormente, através do hemisfério esquerdo, à medida que as características sintácticas e lexicais da leitura se desenvolvem. Bakker (1979, 1990, citado por Reid, 2009) procura explicar falhas no desenvolvimento da leitura, afirmando que é possível que algumas crianças não consigam fazer esta transição do hemisfério direito para o esquerdo.

A teoria do tempo de permanência da atenção

Quer se considere o factor atenção como uma causa do défice fonológico (Tallal, 2006), quer se proponha que será outro processo cognitivo (juntamente com o défice fonológico) que concorre para a aprendizagem da leitura – e para as suas dificuldades – (Logan, 1997, citado por Shaywitz & Shaywitz, 2008), o que parece claro é que o centro

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executivo, um dos componentes da memória de trabalho, controla a atenção (Gathercole & Alloway, 2009). A teoria que agora relanceamos é, portanto, tida em conta no trabalho que apresentamos, na medida em que permite contribuir para um dos pressupostos da nossa investigação: o de que a memória de trabalho interfere fortemente com a leitura. Vejamos o que diz este modelo.

Shaywitz e Shaywitz (2008) mencionam um estudo que pretende demonstrar ―the critical role of attention in phonological recoding processes‖ (p. 1333), propondo uma segunda leitura à crença que afirma que os processos de leitura exigem apenas mecanismos fonológicos, e sugerindo em alternativa, como propõem Reynolds e Besner (2006, citados pelos autores), que se considere a atenção como um mecanismo crucial necessário à leitura fluente. Nesta linha de orientação, Logan (1997, citado por Shaywitz & Shaywitz, 2008), neste seguimento, propõe a ―instance theory‖ (p. 1332), segundo a qual o mecanismo da memória, mais especificamente a memória episódica (cremos que as autores estarão a referir-se à memória de trabalho, até pela relação que a seguir estabelecem com a atenção), destacando-se aqui a atenção (Logan, 1988a, 1988b, 1990, 1992, 2002, citados por Shaywitz & Shaywitz, 2008), são fundamentais em todo este processo: ―Attention to an object is sufficient to cause it to be encoded into memory, whereas attention to an object is sufficient to cause things associated with it in the past to be retrieved‖, defende Logan (1997, citado por Shaywitz & Shaywitz, 2008, p. 1332).

Shaywitz e Shaywitz (2008) propõem que esta ligação entre atenção e dislexia poderá justificar a forte percentagem de comorbilidade entre PHDA (Perturbação de Hiperactividade com Défice de Atenção) e dislexia (August & Garfinkel, 1990; Dykman & Ackerman, 1991; Shaywitz, Fletcher, & Shaywitz, 1994; Willcutt & Pennington, 2000 – citados por Shaywitz & Shaywitz, 2008). Desta comorbilidade falam também Pennington e Olson (2007), que estudaram a genética da dislexia e propuseram que o cromossoma 6p é responsável por duas comorbilidades6: a dislexia e a PHDA (Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção).

38 A teoria do atraso na maturação

Bishop e McArthur (2005) afirmam que ―any deficits seen in children with SLI or dyslexia reflect delayed maturation of cortical development, rather than a more permanent abnormality‖.

Beaton (2004), por outro lado, afirma que, quando se fala em atraso na maturação, corre-se o risco de se considerar que a dificuldade sentida pelas crianças disléxicas – portadoras do tal atraso – poderá ser ultrapassada, se ultrapassado for esse atraso. Este investigador refere que estudos longitudinais permitem concluir que, apesar de melhorarem, com o tempo, as suas capacidades fonológicas, ―they increasingly fall behind their chronological-age and reading-age peers‖ (p. 38).

A teoria das percepções distorcidas ou da desorientação (teoria da imagem em branco)

O destaque que damos aqui a esta teoria deve-se à curiosidade que nos suscitou o livro, que procura encarar a dislexia não como um problema, mas como um dom.

Comecemos por perceber o que é a dislexia para os defensores desta teoria, Davis e Braun (2010):

Um tipo de desorientação causada por uma capacidade cognitiva natural que pode substituir percepções sensoriais normais por conceptualizações; dificuldades com leitura, escrita, fala e direcção, que têm origem em desorientações desencadeadas por confusões relacionadas com símbolos (p. 238).

―A desorientação é um companheiro mental constante na vida de crianças disléxicas‖, afirmam Davis e Braun (2010, p. 60), acrescentando que ―Os sintomas da dislexia são os sintomas da desorientação‖ (p. 153). ―O transtorno da aprendizagem é composto pelas soluções compulsivas que o indivíduo adquire‖ (p. 128), que, por sua vez, são o que compromete o processo de aprendizagem. Acabando com a desorientação, os sintomas deixarão de ter lugar. Devido às percepções distorcidas, ou desorientações, que acompanham os disléxicos, ―o trajecto neural próprio para ver linhas diagonais rectas‖ pode nunca ter sido estimulado, o que fará com que essas pessoas sejam incapazes de ―ver linhas diagonais rectas‖ (p. 64).

Os autores concordam que a dislexia provém de um código genético que propicia – não causa – a dislexia. Não será, contudo, resultado de uma lesão cerebral ou

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nervosa, nem é causada por uma malformação a qualquer nível: ―A dislexia é produto do pensamento e é uma forma especial de reagir ao sentimento de confusão‖ (p. 30).

Entre os três e os seis meses, um ―Disléxico em Potência (D.P. (…)) começa a utilizar a sua ―função cerebral de distorção da percepção‖ (p. 87), a capacidade que possui para ―completar mentalmente percepções fragmentadas‖ (p. 89). E os autores dão um exemplo: ―a visão do cotovelo da sua mãe dá-lhe a imagem completa dela‖ (p. 88).

Aos dois anos, ―os talentos disléxicos do pequeno D.P. estão a progredir‖ (p. 91), a sua função de desorientação permite-lhe reconhecer, sem falhar, objectos disfarçados (uma bola de pêlo é automaticamente identificada como sendo um gato).

O que acontecer entre os três e os cinco anos levará o D.P. a uma inteligência superior ao normal, mas trará também o potencial que poderá conduzir a uma perturbação de aprendizagem. De facto, uma vez que o D.P. possui um sistema, mais rápido e preciso, para reconhecer o todo a partir da parte, ele não necessita de desenvolver ―as capacidades de raciocínio analítico e de lógica‖ (p. 94). Visto os processos deste tipo de raciocínio se basearem na linguagem, as crianças que necessitam de o desenvolver precisam também de desenvolver as capacidades de conceptualização verbal. Cada pessoa especializa-se num modo de pensamento, explicam os autores: verbal, ou linear, que segue a estrutura da linguagem, ou não verbal, evolutivo, ou pensamento por ―imagens mentais de conceitos ou ideias‖ (p. 30). Quando se usa a primeira forma de conceptualização, pensa-se com os sons da linguagem; quando se usa a conceptualização não verbal, pensa-se com o significado da linguagem. Ora, ao desenvolverem as capacidades de conceptualização verbal, as crianças «normais» desaceleram o seu processo de pensamento: de facto, uma vez que a conceptualização verbal segue o mesmo padrão de frases, ao usar o centro da linguagem e da fala do cérebro ―tem de operar necessariamente à velocidade máxima inteligível da fala‖. O facto de, por volta dos cinco anos de idade, as crianças «normais» começarem já a pensar com os sons das palavras, ser-lhes-á útil quando aprenderem a ler.

Quando se depara com o ensino da leitura, o D.P. constata que a metodologia que sempre adoptou para reconhecer as coisas, pela primeira vez, não funciona. Ele não consegue reconhecer as palavras, que tenta perceber ―não como um símbolo mas como um objecto‖ (p. 97). Segundo estes autores, ―Até que alguém diga ao D.P. que o seu método para lidar com dados incorrectos e com a confusão está errado, ele não

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manifestará as reacções emocionais associadas ao transtorno de aprendizagem da dislexia‖ (p. 99). A passagem de dislexia em potência para disléxico faz-se quando a criança adquire a angústia emocional. A dislexia, para Davis e Braun (2010), é, então, ―uma condição auto-gerada‖ (p. 127). As diferenças entre o cérebro de um disléxico e o de um não disléxicos dever-se-ão, de acordo com esta linha de pensamento, ao modo como o primeiro se desenvolveu por causa da forma como é utilizado.

As teorias não se resumem ao quadro que aqui deixámos. Para trás ficam, por exemplo, a teoria do síndrome da orelha de cola (Peer, 2005, 2009, citado por Reid, 2009), a teoria do triplo défice (Badian, 1997, citado por Reid, 2009), que acrescenta à teoria do duplo défice dificuldades visuais. E outras…

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