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A distinção entre a função administrativa.e a função política ou governativa

No documento URI: DOI: (páginas 33-37)

3. A função administrativa no contexto das funções estaduais

3.1. A distinção entre a função administrativa.e a função política ou governativa

3.1.1. A autonomização de uma função política começou por fazer ‑se a partir da tradicional “função executiva”.

Segundo a formulação doutrinal mais reconhecida – reiteradamente adoptada, entre nós, pelo Tribunal Constitucional –, a função política en‑

globa, em geral, “todos os actos.concretos dos órgãos constitucionais, cuja competência e cujos limites estejam definidos na Constituição” (A. Queiró), e não em leis ordinárias.

Por sua vez, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo adoptou um entendimento estrito, em razão da importância. primacial.

do.conteúdo: “a função política corresponde à prática de actos que expri‑

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mem opções.fundamentais.sobre.a.definição.e.prossecução.dos.interesses.

ou.fins.essenciais.da.colectividade”.(cf. Acórdão do STA de 06/03/2007, P.1143/06), ou “uma actividade de ordem superior, que tem por conteúdo a direcção.suprema.e.geral.do.Estado, tendo por objectivos a definição dos fins últimos da comunidade e a coordenação das outras funções, à luz desses fins” (Acórdão do STA de 20/05/2010, P. 390/09).

A dificuldade da distinção reside em especial na circunstância de as duas funções (política e administrativa) se situarem, nuclearmente, no âmbito da actividade do tradicional poder.executivo – actualmente, entre nós, bicéfalo (Presidente da República, Governo) –, tratando ‑se em ambos os casos, tipicamente, de actuações.de.carácter.concreto.

Para indiciar as diferenças entre a função administrativa e a política, pode verificar ‑se o teor dos artigos 197.º e 199.º da CRP, que enumeram, respectivamente, as competências políticas e administrativas do Governo (a par das competências legislativas, no artigo 198.º).

Exemplos tradicionais de actos da função política são os “actos auxiliares de direito constitucional”, no quadro das relações entre órgãos consti‑

tucionais (promulgação de diplomas, referenda ministerial dos actos do PR, marcação de eleições legislativas, nomeação e demissão do Governo, dissolução da Assembleia da República, etc.), actos diplomáticos no con‑

texto das relações externas, actos de defesa nacional, actos de segurança do Estado, actos de clemência (indulto e comutação de penas), todos eles praticados por órgãos de soberania – mas aí se podem incluir também certos actos dos órgãos de governo das Regiões Autónomas, ao abrigo da competência política regional, em aplicação directa da Constituição ou dos respectivos Estatutos Regionais.

A distinção encontra ‑se tradicionalmente no carácter primário da acti‑

vidade "política", que se desenvolve em aplicação.directa da Constituição (onde está fixada a competência, bem como os respectivos limites), sem interposição da lei ordinária (a não ser, quando muito, para mera ordena‑

ção do procedimento) e tendo em vista a realização directa de.interesses.

fundamentais.da.comunidade.política.

3.1.2. Actualmente, a distinção torna ‑se mais difícil, na medida em que a função de governo se desenvolve também, como vimos, através de dimensões de programação e de orientação político.‑estratégica da actividade administrativa (políticas. públicas), sobretudo nos domínios económico e social (política energética, política de saúde, política de ordenamento do território, política de ambiente, política de transportes, políticas de educação e de investigação) e financeiro (política orçamental) – que resultam dos poderes gerais do Governo como “órgão de condução da política geral do país” (artigo 182.º da CRP), exercidos pelo Conselho de Ministros, frequentemente através de decretos ‑leis (muitas vezes,

“decretos ‑leis ‑medida”), submetidos a uma legislação.‑quadro genérica, nacional ou europeia, ou até a regras e orientações técnicas elaboradas por instâncias internacionais especializadas.

Esta actividade política concreta não é meramente executiva – a li‑

berdade de conformação governamental não se confunde, por isso, com a discricionaridade administrativa –, mas também não é tipicamente le‑

gislativa, seja porque se traduz em medidas concretas, seja porque não é inteiramente inovadora.

Esta dimensão da função política aparece designada como função governativa (“indirizzo politico”), mas, como entre nós se manifesta fre‑

quentemente sob a forma de decreto ‑lei, podemos falar de uma actividade.

político.‑legislativa de governo.

Como é óbvio, já não deve considerar ‑se como actividade política a actividade de regulação.técnico.‑económica, levada a cabo por entidades administrativas “independentes” nos respectivos sectores: ainda que, en‑

quanto agências técnicas especializadas, estejam muitas vezes vinculadas apenas a directivas ou a standards europeus, falta ‑lhes a legitimidade.

democrática e, consequentemente, a capacidade para tomarem e se responsabilizarem por decisões. primárias na escolha ou concretização de fins públicos.

3.2. A distinção entre a função administrativa e a função legislativa Tradicionalmente a função legislativa distinguia ‑se com alguma facili‑

dade da função administrativa (executiva): a) quer pelo respectivo autor:

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de um lado, o Parlamento, do outro, o Governo, b) quer pela respectiva modalidade: de um lado, a emissão de normas jurídicas gerais e abstrac‑

tas, do outro, a prática de actos individuais e concretos.

Além disso, a distinção era recortada e denotada por considerações de substância (as leis consubstanciavam as normas jurídicas, relativas aos cidadãos), de competência (cada um dos poderes teria a sua reserva:

um, a de fazer leis, o outro, a de executar leis) e de hierarquia funcional (primado das decisões tomadas ao nível legal sobre as decisões tomadas ao nível administrativo).

As dificuldades actuais de distinção resultam de diversos factores de perturbação, entre os quais se destaca sobretudo a circunstância peculiar de o Governo, além de exercer as funções política e administrativa, cons‑

tituir, na nossa ordem jurídico ‑constitucional, um órgão com competências legislativas normais (artigo 198.º da CRP).

Por um lado, e sobretudo, altera ‑se o conceito de acto legislativo:

i) o sujeito não distingue sempre, pois que o Executivo também exer‑

ce a função legislativa (decretos ‑leis), com respeito pela reserva parlamentar;

ii) o carácter geral e abstracto não é decisivo: o Parlamento e o Governo aprovam leis individuais e leis ‑medida com carácter concreto;

iii) a hierarquia normativa não é inequívoca: também existem leis de valor reforçado relativamente a outras leis ou diplomas de carácter e de nível legislativo;

iv) a substância legislativa, isto é, as matérias que são objecto de lei alteram ‑se e ampliam ‑se, visando assegurar a realização eficiente dos interesses públicos e não apenas a definição e protecção da esfera jurídica dos cidadãos;

v) o âmbito material não serve para distinguir as funções em ambos os sentidos: não existindo uma reserva de regulamento administrativo, admite ‑se, entre nós, que a lei regule em termos gerais e abstrac‑

tos a totalidade dos aspectos, mesmo de aspectos de pormenor, do regime de qualquer matéria, que adquirem assim qualidade legislativa – todos. os. preceitos. gerais. e. abstractos. regulados. sob.

forma. de. lei. são. considerados. materialmente. legislativos, ainda que o respectivo conteúdo pudesse ter sido disciplinado por via regulamentar administrativa.

Depois, a actividade administrativa não se limita às decisões concretas: a Administração emite normas.jurídicas gerais.e.abstractas (regulamentos), por vezes com grande autonomia em face da lei (regulamentos independentes).

Os principais problemas da distinção substancial entre estas duas fun‑

ções surgem na fronteira recortada pela dimensão formal.‑orgânica, na medida da tipicidade constitucional das formas e dos órgãos legiferantes – isto é, põe ‑se sobretudo perante decisões.administrativas.tomadas.por.

um.órgão.que.também.dispõe.de.poderes.legislativos,.como.o.Governo.

Nesse contexto, as características da generalidade e abstracção são ape‑

nas típicas (não são exclusivas) da função legislativa, e o carácter concreto é (se tanto) típico da função administrativa, de modo que não são sufi‑

cientes para assegurar a respectiva diferenciação.

Torna ‑se, por isso, necessário complementar esse critério por ideias de primariedade da função legislativa, designadamente a essencialidade do.

conteúdo.(cabe à lei determinar as soluções fundamentais nas matérias mais relevantes) e a novidade (cabe à lei estabelecer as bases gerais dos regimes jurídicos, não anteriormente regulados).

Estas ideias de essencialidade e novidade são indispensáveis: seja para diferenciar o que é lei em sentido material e não pode ser matéria de re‑

gulamento; seja para identificar as leis.‑medida (medidas concretas de nível legislativo, que contêm implicitamente o critério de decisão, pertencendo à função legislativa), distinguindo ‑as de actos.administrativos.sob.forma.

legislativa.(actos individuais e concretos de aplicação de leis anteriores, embora contidos em diplomas legais, que pertencem à função administrativa).

3.3. A distinção entre a função administrativa.e a função jurisdicional

No documento URI: DOI: (páginas 33-37)