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O problema do silêncio administrativo

No documento URI: DOI: (páginas 169-173)

V. A organização da Administração Pública Portuguesa

1. O conceito de acto administrativo

1.8. Os problemas de delimitação do acto administrativo em sentido estrito

1.8.3. O problema do silêncio administrativo

O consenso doutrinário e jurisprudencial que se foi formando sobre esta matéria manifestou ‑se na revisão do CPA de 2015.

Por um lado, aceitou ‑se a eliminação da figura do “indeferimento tácito” e a sua substituição pela figura do incumprimento de dever de decisão, consagrada agora no artigo 129.º do CPA, em consonância com a previsão, na lei processual, da “acção de condenação à prática de acto administrativo devido” como processo judicial adequado para defesa dos direitos dos particulares em todos os casos de omissão administrativa, designadamente do silêncio relativamente a requerimentos dirigidos pelos interessados às autoridades competentes.

Por outro lado, continua a justificar ‑se a inclusão no conjunto dos actos administrativos do “deferimento tácito”, que subsiste, nos termos do artigo 130.º, nos casos em que a lei determine expressamente que a ausência de decisão sobre pretensão dirigida a autoridade competente dentro do prazo legal tem o valor de deferimento (embora para alguns autores a figura devesse ser totalmente eliminada).

1.8.4. Outro problema respeita à qualificação como acto administrativo do acto.negativo.expresso, que surgiu em face da não impugnabilidade isolada do indeferimento, resultante da inclusão dessas situações, pela reforma processual de 2002/2004, no âmbito da acção de condenação à prática de acto devido (artigo 67.º, n.º 1, alínea c) do CPTA) – como, perante o indeferimento de um pedido, o interessado não pede, em re‑

gra, ao tribunal que anule o acto, mas que condene a Administração ao deferimento, suscita ‑se a dúvida sobre se o indeferimento tem a força decisória própria de um acto administrativo (embora por nossa parte entendamos, que sim como se dirá).

167 1.9. A posição adoptada

No quadro problemático traçado, tendemos a adoptar uma posição intermédia, que parte de um conceito.estrito.de.acto.administrativo, ao qual se aplica essencialmente e tipicamente um determinado regime.subs‑

tantivo,. procedimental. e. processual, mas que admite a extensão desse regime legal a outras figuras ou situações.

Assim, em aspectos procedimentais, pode a lei ou a jurisprudência estender circunstancialmente o regime típico dos actos decisórios a actos incluídos em procedimentos, sobretudo em procedimentos complexos.

E, no plano processual, sendo decisiva a ideia de lesividade efectiva, associada a uma protecção judicial adequada, poderá haver razões para que o legislador, ultrapassando o princípio da impugnação unitária, ad‑

mita a impugnação (através da acção administrativa especial) de actos (sobretudo de decisões interlocutórias) que não produzam os seus efei‑

tos directamente na esfera dos destinatários e não integrem, por isso, o conceito de acto administrativo em sentido estrito.

1.9.1. O conceito restrito de acto administrativo corresponde a uma estatuição de autoridade (“reguladora” e “constitutiva”), produzida por um órgão administrativo, que visa definir estavelmente a situação jurídica dos particulares (ou outros destinatários) num caso concreto, com “efeitos externos” (alterando a sua esfera jurídica) – absorvendo as qualidades que a doutrina tradicional integrava na "definitividade material" e, em parte, na definitividade "horizontal".

1.9.2. O conceito de “definitividade” (ou de acto definitivo) valerá hoje apenas no sentido vertical, como uma pura dimensão processual – o acto administrativo do órgão subalterno, mesmo que o superior detenha competência concorrente, é susceptível de impugnação judicial imediata, salvo nos casos em que a lei estabeleça expressamente, como pressuposto processual, a necessidade de uma impugnação administrativa prévia – só nestes casos expressamente previstos é que o acto não é definitivo para efeitos processuais (isto é, não é susceptível de impugnação judi‑

cial imediata), por estar sujeito à revisão da decisão pelo seu autor (em caso de reclamação necessária) ou à pronúncia do órgão “superior” ou

“dominante” (em caso de recurso necessário).

1.9.3. O regime.substantivo.e.procedimental previsto no CPA e também o regime.de.impugnação.judicial.da lei processual são aplicáveis em pri‑

meira linha aos “actos administrativos” em sentido estrito, sem prejuízo da aplicabilidade, total ou parcial, desses regimes legais a outras figuras, por extensão ou em concorrência, designadamente quanto ao regime processual, que obedece a uma lógica dominante de protecção judicial efectiva e adequada.

Assim, por um lado, aplicam ‑se ou poderão aplicar ‑se às “pré ‑decisões”

certos aspectos do regime.procedimental (e até porventura substantivo) estabelecido pelo CPA para os actos administrativos, embora sempre com as necessárias adaptações.

Por outro lado, é nítida alguma divergência funcional entre a noção substancial de acto administrativo, que suporta o regime procedimental e substantivo, e o conceito de “acto administrativo impugnável” tal como é definido na legislação processual, que visa a adequação às necessidades de tutela pelos tribunais.

Na realidade, o CPTA estabelece, quanto à tutela judicial:

i) uma protecção condicionada ou diferida contra os actos admi‑

nistrativos ainda não eficazes, que, apesar de serem verdadeiros actos administrativos, nem sempre são imediatamente impugnáveis (artigo 54.º);

ii) uma protecção apenas implícita contra o indeferimento expresso, na medida em que, em princípio, apesar de ser um acto, não é directamente impugnável, obtendo ‑se a sua “eliminação da ordem jurídica” através da condenação à prática do acto devido (artigo 51.º, n.º 4 e 66.º, n.º 2);

iii) uma protecção.alargada – admite ‑se a impugnação de actos pre‑

paratórios, incluídos em procedimentos, desde que possam ser destacados (“actos destacáveis”), por serem susceptíveis de lesar

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direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares (ar‑

tigo 51.º);

iv) uma protecção extensiva – admite ‑se impugnação de “decisões materialmente administrativas” de outros poderes públicos ou de entidades privadas (artigo 51.º, n.º 2).

Além disso, leis.especiais podem ainda determinar expressamente ou permitir, através de uma jurisprudência “criativa”:

i) uma protecção condicionada – quando a impugnabilidade judi‑

cial de actos administrativos não definitivos fica dependente de uma prévia impugnação administrativa necessária (reclamação ou recurso);

ii) uma protecção antecipada – quando se admita a impugnação de “actos centrais” em procedimentos complexos, independen‑

temente de serem ou não verdadeiros actos administrativos, por constituírem o momento adequado à fiscalização judicial (por exemplo, a impugnabilidade do acto de aprovação do projecto de arquitectura, da perspectiva de terceiros); ou quando se admite a impugnação de “actos preparatórios relevantes” no contexto de procedimentos concursais (por exemplo, actos pré‑

‑contratuais não adjudicatórios nos procedimentos de formação de contratos públicos);

iii) uma protecção ampliada – ao aceitar ‑se a impugnabilidade de actos organizativos dos serviços ou de decisões relativas ao funcionamento de órgãos colegiais (em princípio, actos internos), quando adquiram relevância externa (por exemplo, para os utentes) ou intersubjectiva (para os membros do órgão colegial).

1.9.4. O indeferimento.expresso deve configurar ‑se como verdadeiro acto administrativo, integralmente sujeito ao respectivo regime procedimental e substantivo (CPA) – e que poderá até ser impugnado isoladamente nos tribunais em determinadas condições, embora, em regra, em caso de in‑

deferimento, o particular tenha de lançar mão da acção de condenação à prática de acto devido.

No documento URI: DOI: (páginas 169-173)