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A diversificação das Rendas através da Carbonização Controlada

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CAPÍTULO III: MANEJO LOCAL DA FLORESTA COMUNITÁRIA DE

III 2 O P ROCESSO DE “ MISE EN DÉFENS ’ DA F LORESTA DE S AMBANDÉ

III. 4.2 Impactos Institucionais do Manejo Florestal Local

III. 5 OS DESAFIOS DO MANEJO LOCAL DA FLORESTA DE SAMBANDE

III.5.3 A diversificação das Rendas através da Carbonização Controlada

Durante a concepção do plano de manejo da floresta de Sambandé, grande parte da população expressou seu interesse em introduzir de novo à atividade de carbonização na floresta. Tal decisão foi surpreendente para mim porque durante o período anterior do manejo local, a carbonização foi apontada como a atividade mais destruidora da floresta, apesar de sua proibição pelos oficiais. O código de conduta estabeleceu até severas sanções aos produtores de carvão e as populações locais que colaborassem com os infratores. Quais poderiam ter sido então as motivações das populações para uma reconversão à produção de carvão?

As entrevistas revelaram que as populações seriam animadas a voltar à carbonização devido às potencialidades que existem em termos de volume de madeira (24.319 m3) que não se conserva bem como lenha, nem são apropriadas para construção. Como já mencionei, na floresta de Sambandé tem uma predominância da espécie Acácia seyal, que é considerada de muito boa qualidade para fazer carvão. A carbonização seria, no entanto um modo de valorização da Acácia Seyal. A produção de carvão terá como objetivo satisfazer as necessidades das populações locais, mas, sobretudo a satisfazer a crescente demanda de carvão nos centros urbanos e semi-urbanos. Frente ao crescimento demográfico urbano, a

demanda de carvão não pára de crescer. Mesmo que muitas famílias urbanas usem o gás para uso doméstico, este ainda substitui parcialmente o carvão.

Segundo as populações locais, as produções anteriores de carvão foram devastadoras para a floresta porque eram praticadas por indivíduos não residentes, que realizavam abates abusivos de árvores verdes sem nenhuma preocupação de preservação ou de proteção da floresta. Elas tiveram que assistir passivamente a degradação de sua floresta, pois toda autoridade de gestão estava concentrada nas mãos do serviço florestal. Desta vez, após a transferência de competências, com as regras estabelecidas no plano de manejo e aprovadas pelas autoridades, a produção de carvão será novamente autorizada, organizada e regularizada. De fato, as próprias populações locais que terão a exclusividade em exercer esta atividade, e se tornar assim ativos na cadeia do carvão desde a produção até a comercialização nos centros urbanos. Quanto ao conselho rural, ele vai se beneficiar financeiramente com o pagamento de taxas sobre os sacos de carvão produzidos na floresta. As populações locais têm recebido apoio das autoridades administrativas para liberar uma produção de carvão controlada e sustentável, pois devido ao aumento do preço do gás, o Estado para evitar protestos populares, é obrigado aplicar uma política energética que assegura o abastecimento regular do carvão para necessidades nacionais, mais especificamente nas cidades.

Mesmo se o contexto institucional favorece uma produção de carvão controlada, as populações locais têm a sua frente muitos desafios de revelar, pois a cadeia do carvão do Senegal se caracteriza pelo monopólio de empresários. Tradicionalmente, a cadeia de carvão foi dominada por empresários urbanos que possuem licença de exploração, e estes empregam ‘surgha87’, especialistas em fabricar o carvão. Além dos ‘surgha’ que vinham de Guiné, os ‘laobé 88’ são uma casta especializada no abate de árvores e na produção de carvão. No Senegal, esta atividade foi, por muito tempo, associada aos tabus e apreensões porque o abate de árvores é geralmente uma tarefa realizada por pessoas de castas. Os ‘surgha’ não somente participam na produção, mas são ativos em todos os níveis da cadeia de carvão. Em Dacar

87 Os surgha são da etnia peulh de Fouta Djalon castee que tem a tradição de produzir carvão 88 Os laobe sao uma caste dea etnia al poular especializasos no trabalho de madeira. Na cadeia de

durante muitas décadas, o comércio atacadista de carvão foi dominado pelos pulaar da Guiné. Todavia, estas considerações étnicas vêm desaparecendo frente aos benefícios financeiros que acompanham a produção e a comercialização do carvão. Indivíduos de outras etnias aspiram tomar parte no negócio do carvão.

Os empresários do carvão são os principais detentores da licença de abate, e isto deste o período colonial. A partir de 1965, a política florestal pós-colonial instituiu a necessidade de obtenção de uma licença da corte e de circulação, antes de qualquer atividade comercial com os recursos florestais lenhosos. Esta legislação favoreceu primeiramente atores econômicos urbanos cujas redes de relacionamentos lhes davam vantagens de contornar as dificuldades burocráticas para a obtenção destas licenças. Em 1974 a lei obrigou estes empresários florestais a possuir uma carta profissional antes da obtenção das licenças. Para reduzir o número crescente de carvoeiros e proteger o potencial florestal, em 1980 um sistema de quota foi introduzido e justificado por três principais argumentos: controle da produção de carvão, o abastecimento das cidades de combustíveis lenhosos, o acompanhamento da produção e do transporte do carvão. Assim uma quota anual de exploração de madeira é estabelecida para cada comunidade rural por uma comissão a nível regional. Os empresários responderam a esta medida, organizando o mercado em termos de cooperativas para facilitar a distribuição das quotas e, sobretudo, para melhor controlar os mercados, mostrando mais uma vez sua resistência à regulamentação estatal e sua persistência em manter o monopólio.

Apesar de todas estas medidas governamentais, as estatísticas nacionais revelaram a existência de desvio de uma parte entre as quotas de produção alocadas a cada ano, e as taxas reais de execução, e da outra parte entre as quotas alocadas e o nível nacional de consumo de carvão. O número de quotas alocadas segue uma curva inversa ao consumo nacional de carvão (BOULINOT & DIOUF, 2006). Estes desvios observados, apenas nos esclarecem sobre o aspecto da produção ilegal do carvão nas florestas do Senegal, muitas vezes, frente às populações locais sem legitimidade para reagir. Complexos sistemas de corrupção envolvem a cadeia de carvão, o que leva RIBOT (2006) afirmar que a única função do sistema nacional de quotas que ainda subsiste, é aquele de alocar direitos de produção através de acordos políticos e sociais, para alimentar as redes de clientelismo. Para este autor, os sistemas de

quotas nacionais deveriam ser eliminados e permitir que as quotas sejam determinadas a nível local pelas coletividades locais e pelo serviço florestal. Acredita-se que se as quotas fossem distribuídas a nível local, as coletividades locais teriam um melhor controle sobre as autorizações de corte e sobre os mecanismos de atribuição de quotas.

Os textos da descentralização tornaram possível o controle das quotas de abate pelas autoridades locais. O artigo 4 do código da descentralização, estipula que o presidente do conselho rural tem a competência de autorizar a licença de todo corte prévia de árvores de sua entidade territorial. Isto significa literalmente que o conselho rural pode decidir a quem alocar quotas e o número de quotas a ser distribuídas segundo as recomendações do plano de manejo. A conseqüência imediata desta mudança institucional foi que os principais interlocutores dos empresários de carvão passaram do serviço florestal ao conselho rural, o que consequentemente perturbam as relações de clientelismo que, historicamente estruturaram a cadeia de carvão desde a produção até a comercialização e nomeadamente a distribuição de quotas. Além de depender da autorização das coletividades locais para exercer sua atividade, os empresários de carvão têm ainda que superar a concorrência das populações locais que se posicionam doravante como atores da cadeia do carvão. No entanto é de se esperar que o contexto de descentralização possa promover tensões nas relações entre os empresários, as comunidades rurais e o serviço florestal que BOURDIEU ([1984] 2002: 113) descreveu como “les formes spécifiques entre le nouvel entrant qui essaie de faire

sauter les verrous du droit d’entrée et le dominant qui essaie de défendre le monopole et d’exclure la concurrence”.

Quando se refere à literatura (KANTE, 2006; BOUTINOT 2007; RIBOT, 2006) que relata sobre situações similares no Senegal, de populações locais assumirem o manejo de florestas e passarem à produção de carvão, muitas dificuldades acompanham esta transição. As primeiras experiências da aplicação de planos de manejo que resultaram da integração das populações locais na cadeia de carvão, foram registradas na Kolda (Sul) e em Tambacounda (centro-Oeste), regiões muito ativas na produção de carvão. Para integrar a cadeia, as populações tiveram que se organizar e serem reconhecidas juridicamente em associações para de beneficiar de licença de exploração. O procedimento

burocrático para aquisição da licença desencorajou mais que um. BOUTINOT & DIOUF (2007) destacou que nos anos 2003 e 2004 as populações encontraram sérias dificuldades para vender o carvão produzido. Os canais de comercialização e de distribuição de carvão nas áreas urbanas são monopolizados pelos empresários urbanos. Muitas vezes eles tiveram que contar com o apoio de projetos ou de Ongs na comercialização. Nisto a produção das populações locais ficou limitada, sendo confrontadas com a falta de recursos (crédito, apoio institucional) e dificuldades de ascender ao mercado.

A produção de carvão na floresta de Sambandé ainda está em fase de projeto, mas as populações locais estão muito animadas com a sua execução. Todavia as experiências de outras localidades indicam numerosos desafios. A falta de experiência das populações em participar da cadeia de carvão, assim como a resistência dos empresários em manter seu monopólio, são alguns obstáculos se a estratégia de valorizar seus recursos florestais for uma inserção na cadeia de carvão. Apesar das possibilidades que oferecem os textos em termos de direitos locais de controlar o manejo e a produção nas florestas, o jogo de poder seja econômico ou político, entre atores privados, públicos e comunidades poderia paralisar o processo da gestão descentralizada.

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