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A DOR E A AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA DE SÍNDROMES DOLOROSAS

J. Kemer Klecksographie

2.7 A DOR E A AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA DE SÍNDROMES DOLOROSAS

A dor, como um fenômeno humano, é uma expressão de sofrimento físico e psíquico. Etimologicamente, na linhagem dos termos latinos, dor

(dolor) significa sofrimento. A vivência da dor é uma experiência ao mesmo

tempo individual e coletiva e informa diferentes níveis de interpretação: a) como um sofrimento moral, mágoa, pesar, castigo;

b) como um desconforto, uma sensação desagradável;

c) como um alerta, sobre um perigo potencial ou real. Em todos esse níveis de interpretação, há um sistema de relações de variáveis que condicionam diferentes conseqüências para a avaliação da dimensão da dor. O componente psicológico, por exemplo, é reconhecidamente uma variável incidente sobre os diferentes tipos de dor.

Para BONGERS e col. (1993), a correlação entre personalidade, problemas psicológicos e grau de cronicidade de dores músculo-esqueléticas é aspecto considerado fundamental, hoje, à investigação dos quadros diagnósticos em saúde no trabalho. Os fatores psicossociais no trabalho associados à capacidade pessoal de controle desses fatores podem influenciar no aparecimento dos sintomas do estresse e, consequentemente^

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produzir alterações no tônus muscular acompanhadas de outras alterações fisiológicas (hormonais, por exemplo) e sintomas músculo-esqueléticos

propriamente dito.

Em muitos diagnósticos de síndromes dolorosas, e a nossa pesquisa demonstrou isso em parte, é relativamente comum se apresentar um quadro de dor em que há claramente associado um quadro de "descompensação psicológica", termo empregado por DEJOURS e col. (1994) para se referir ao desequilíbrio de funções psíquicas sinalizadoras de um estado geral de desprazer e desconforto.

Para BORSOOK, LE BEL e MC PEEL, (1996), a primeira estratégia para lidar com a dor é a identificação de causas orgânicas ou metabólicas, embora seja mais comum não encontrar tão facilmente estas causas. O próximo passo, então, é considerar a associação com estados emocionais alterados.

Para CRAIG (1994), assim como para FIGUEIRÓ (1999), do ponto de vista da intervenção, a medicação via uso de analgésicos é recorrente, e significa, na maioria da vezes, a primeira formada alívio do desconforto ou do sofrimento experimentado, não muito raro acompanhada de indicação de medicação para controle de transtornos psicológicos.

à par da tradição ocidental inaugurada por Wipócrates, patrono da Medicina, e no âmbito mais moderno por Descartes, os primeiros estudos psiquiátricos e psicológicos sobre as- relações entre emoções e manifestações somáticas forma sintetizados por Wundt (através do paralelismo psicofísico), Chacort (através do estudo da hipnose como

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tratamento do fenômeno histérico) e Freud (com a criação da teoria e do método psicanalíticos), no final do século XIX. O século XX disseminaria um conjunto de teorias anátomo-fisiológicas e psicológicas explicativas acerca da natureza do sofrimento através da dor: fisiologia das emoções, distúrbios

emocionais, caracteriologia das emoções, fisiopatologia da dor,

psicopatologias.

MERSKEY e SPEAR (1967) sustentaram uma das primeiras grandes sínteses sobre o conceito de dor, ao descrevê-la, ao mesmo tempo, como uma experiência desagradável associada à danos teciduais. Em 1979, a IASP

(International Association for the Study of Pairí), “... dor é uma experiência

desagradável, sensitiva e emocional, associada com lesão real ou potencial dos tecidos ou descrita em termos dessa lesão” (IASP, 1979: 250). Para TURK e MELZACK (1992) e TOLLISON e HINNANT (1996), há apenas algumas décadas, a literatura especializada passou a apontar evidências das relações existentes entre estados emocionais e distúrbios

somáticos.

Uma das principais contribuições teóricas ao estudo da dor é a Teoria do Portal (Gate Control Theory), de MELZACK e WALL (1965), que enfatiza a incidência de aspectos emocionais nos processos dolorosos (percepção da dor). A Teoria do Portal descreve a percepção da dor como um tipo de modulação realizada pela espinha medular, sistema nervoso central e hipotálamo (em função de estimulação sensorial) sobre processos e estímulos dolorosos (inibindo ou estimulando as respostas de dor).

Fatores psicológicos, tais como experiências passadas, nível de atenção e outros aspectos cognitivos e emocionais são variáveis que atuam

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sobre o mecanismo espinhal de forma a suprimir ou potencializar o registro de dor no cérebro. De forma similar, TURK e MELZACK (1992:97) sugerem, de forma analógica, que “existe um sistema de portal no sistema nervoso central que se abre e fecha, deixando passar ou bloqueando as mensagens de dor até o cérebro”.

Em uma pesquisa brasileira conduzida por SARDÁ Jr., KUPEK e CRUZ (2000), são descritos e mensurados níveis de ansiedade, depressão e somatização em um grupo de pacientes portadores de lombalgia e lombociática, reafirmando a modulação, realizada pelo sistema nervoso central sobre a percepção da dor, através da manifestação de descompensações emocionais e somáticas.

LOOSER e MELSAK (1999) descrevem, a partir de uma atualização clínica dos aspectos anatômicos, fisiológicos e psicológicos, quatro categorias gerais em que se enquadram os diferentes tipos de dor:

a) nocicepção, relativa à detecção de dano nos tecidos responsáveis pela transmissão do estímulo doloroso da medula até o sistema nervoso central;

b) percepção de dor, relativa à descrição de uma resposta produzida por um estímulo nocivo, por doença ou mesmo por lesão no sistema nervoso central ou periférico;

c) sofrimento, relativa a uma resposta negativa à dor, induzida através do cérebro ou através de estados psicológicos aversivos, como o medo, a tensão nervosa, o estresse.

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d) comportamento de dor, relativa às formas de comunicação do estado de dor, através de verbalizações, gestos, sons, etc.

Essa forma de classificação em categorias de dor ainda nos permite distinguir duas modalidades em que a dor se manifesta e que tem implicações importantes sobre a avaliação do processo doloroso: as modalidades aguda e crônica. Essa divisão está associada inicialmente à duração do processo doloroso. Para LOOSER e MELZACK (1999), a dor aguda perdura por horas, dias ou poucas semanas e a crônica ultrapassa os 4 meses e pode prosseguir por vários anos. A dor aguda acompanha a instalação da lesão e a dor crônica persiste além do tempo esperado para a cura da lesão tecidual ou é resultado de processos patológicos.

Existem, porém, diferentes formas de categorização e classificação de síndromes dolorosas. Em sua maioria, a etiologia destes sintomas é classificada de acordo com a localização ou origem do(s) estímulo(s) e duração dos sintomas.

O Quadro 1 apresenta uma forma de classificação de síndromes

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Quadro 1. Classificação de síndromes dolorosas

CRITÉRIO CATEGORIA TIPO

Do r p o rn o c ic e p ç â o

(ocorre por acometimento de estruturas somáticas superficiais e profundas, de estruturas do aparelho locomotor e vísceras).

• Dor somática superficial • Dor somática visceral • Dor múscu4lo-esqueléiica

Do r p o rd e s a fe r e n ta ç ã o

(decorrente de lesão ou disfunção de estruturas neurais periféricas e

■ Neuropatias periféricas, radiculares, plexulares, troncülares O R IG E M

centrais). • Síndromes polineuropáticas • Síndromes dolorosas de órgão amputado. • Neuropatias centrais, medulares, encefálicas. • Neoplasias. Do r Mis ta • Sindrome da distrofia (resultante de ambos mecanismos). simpaticoreflexa DOR PSICOGÊNICA

(quando não há evidências orgânicas e~ suspeita d e etiologia comportamental e/ou psicológica).

• Transtornos somatoformes

O «< O

2

Aguda • Duração de minutos, horas, dias ou semanas. Crônica • Ultrapassa 4 sl 6 meses e até anos 3 a Dor episódica • Reicidivante ou recorrente.

TURK e MELZACK (1992), assim como SARDÁ Jr., KUPEK e CRUZ (2000), avaliam que existem evidências sinalizadoras da participação de variáveis psicológicas na manifestação e instalação do circuito crônico da dor, dentre as principais:

a) a influência de pensamentos e emoções sobre respostas fisiológicas, tais como, tônus muscular, fluxo sangüíneo, níveis de substâncias na corrente sangüínea e no cérebro;

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c) a influência da valoração de eventos dolorosos na qualidade emocional da dor;

d) a possibilidade de ansiedade, depressão, raiva e outros estados emocionais provocarem alterações viscerais, autonômicas e músculo-esqueléticas.

Além dessas evidências, outros estudos (CRAIG, 1994; MARTIN-EZ & CASTRO, 1992; TOLLISON & HINNANT, 1996) apontam para uma associação entre depressão e ansiedade e a instalação ou manifestação de dores crônicas ou agudas. No caso de dores contínuas ou crônicas, as alterações comportamentais mostram-se mais visíveis. Ansiedade e depressão, por exemplo, são típicos estados emocionais encontrados em sindromes dolorosas, particularmente, quando verificada sua cronicidade (MELZACK & WALL, 1994).

MELZACK e LOESER (1999), por sua vez, afirmam que estados depressivos tendem a intensificar dores, dado às confirmações científicas de que a ansiedade, a depressão, a raiva e outras emoções provocam alterações viscerais, autônomas e músculo-esqueléticas. Essa interação, denominada às vezes de ciclo vicioso, tem sido freqüentemente observada em desordens envolvendo o sistema múculo-esquelético. Independente da conceituação, há um certo consenso entre a existência mútua de componentes emocionais e fisiológicos da dor.

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2.8. EM BUSCA DE UM PSICODIAGNÓSTICO: PROCEDIMENTOS E