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2. OS CAMINHOS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

2.4. A Educação Ambiental como fonte de reflexões para a Educação

Atualmente, há uma preocupação constante com as questões ambientais, tendo em vista que a cada dia que passa se torna mais perceptível que o homem está esgotando os recursos naturais da terra.

Muitos são os fatores que levam o homem a destruir o planeta em que vive. De um lado, tem-se um indivíduo carregado de informações, mas também com grande desejo de enriquecer, imediatista, despreocupado com a destruição dos recursos naturais para atingir os seus objetivos. Do outro lado, tem-se outro indivíduo, sem grande ambições, entretanto, alienado em relação aos recursos inesgotáveis, consumindo tudo que há na natureza de forma inadequada. Ambos indivíduos contribuem para a destruição do nosso meio ambiente, e, possivelmente, as suas gerações herdarão esse mesmo pensamento.

Muitas vezes os modelos de desenvolvimento econômico adotados pelos países ricos são causadores de degradação ambiental, provocando nos países pobres, além da degradação ambiental, desigualdades sociais e miséria.

O desejo de preservar o planeta em que vivemos deve prevalecer em relação à aquisição de bens que apenas destroem recursos essenciais para a nossa subsistência.

São muitos os exemplos do mau uso desses recursos. Pode-se citar o problema da distribuição de terras que agride homens, mulheres e crianças, provocando falta de trabalho, e como conseqüência, gerando um grande problema social. Outros exemplos que não têm a preocupação com o custo ambiental podem ser citados, como a especulação imobiliária; a falta de planejamento e de fiscalização dos recursos naturais (ar, água, solo, subsolo, flora, fauna); o zoneamento industrial tendencioso e incompatível com as peculiaridades locais e a ação social; os loteamentos irregulares ou aprovados sem a devida cautela, os faraônicos e improvisados projetos urbanísticos e construtivos, de execução acelerada, sob pressão de enormes interesses particulares e políticos em jogo; a abertura ou o prolongamento de rodovias ou ferrovias sem planejamento adequado; os arrojados empreendimentos hidrelétricos, ocasionando o desaparecimento, na paisagem brasileira, de recursos naturais de riqueza e beleza incomparáveis como a extinção do Parque Nacional de Sete Quedas, no Paraná; os desmatamentos irracionais em todos os estados brasileiros e outros grandes empreendimentos; o perigo eminente de destruição da Floresta Amazônica.

As soluções para tais problemas exigem esforços de grande amplitude, de ordem política, econômica e social. Primeiramente, é preciso que todos se conscientizem dos graves problemas de devastação dos recursos naturais e da conseqüente deterioração do patrimônio ambiental natural e cultural do planeta. A sociedade clama pela paz, pela igualdade de direitos e oportunidades entre o homem e a mulher, pela conservação do meio ambiente, por viver de uma maneira mais saudável, possibilitando melhorar as relações interpessoais.

O desenvolvimento de novas tecnologias ocorre em ritmo acelerado, contudo o quadro atual é bastante desanimador, com insegurança, fome, doenças. A falta de reflexões e a atribuição errônea de valores contribui para manter o quadro em questão.

É preciso reverter esse quadro, levando para as escolas a importância de preservar os recursos naturais. Não é possível se limitar simplesmente a conhecer as relações entre os seres vivos, os seus mecanismos, processos e sistemas, também devem-se considerar os aspectos sociais, econômicos, políticos, culturais e éticos.

Várias camadas da população podem ser atingidas ao interagir com o meio ambiente, o ensino e a aprendizagem. Felizmente, esse movimento vem crescendo não apenas em atividades exclusivamente da área da Educação Ambiental, mas também em outras áreas, tais como Ciências, Tecnologia e Matemática.

A Matemática está seguramente envolvida com as questões ambientais, tanto em termos de ordem política, econômica ou social. Desse modo, cabe aos educadores matemáticos uma parcela dessa responsabilidade. Não se pode negar que a Matemática é uma ferramenta poderosa para se fazer importantes análises sociais, atendendo aos objetivos sociais, como, por exemplo, problemas referentes à destruição do meio ambiente, à fome e doenças e à falta de segurança.

A situação ambiental tem originado preocupações de ordem científica e, ao mesmo tempo, políticas. A mídia tem contribuído para despertar o interesse dos alunos pela temática ambiental, revelando várias questões dessa ordem e fornecendo dados e estimativas. Assim, parece natural usar a Matemática, uma disciplina em que a maioria apresenta dificuldades, para solucionar problemas referentes às questões ambientais. Para isso é necessário utilizar de instrumentos matemáticos como, por exemplo, porcentagens, áreas, volumes, proporcionalidade, estatísticas, gráficos, para que seja possível compreendê-los ou analisá-los, podendo levar os alunos a construir hipóteses, pesquisar e usar a Matemática de forma mais contextualizada.

Ao propor modelos alternativos a vários tipos de problemas da realidade, sem dúvida torna-se necessária uma base científica apoiada sobre conhecimentos matemáticos básicos. D’Ambrósio (1986, p. 111) alerta para a construção de uma educação voltada às necessidades da população:

[...] os conteúdos e métodos de educação precisam ser desenvolvidos para servir às necessidades básicas de aprendizagem dos indivíduos e das sociedades, proporcionando-lhes o poder de enfrentar os seus problemas mais urgentes – combate à pobreza, aumento da produtividade, melhora das condições de vida e proteção do meio ambiente – e permitindo que assumam seu papel por direito na construção de sociedades democráticas e no enriquecimento de sua herança cultural.

Carrera de Souza (2001) apresenta várias questões ambientais que podem ser colocadas aos alunos do Ensino Fundamental e Médio, para que façam análises matemáticas. Os mesmos problemas podem ser trabalhados no Ensino Superior através de uma análise mais profunda. Algumas dessas questões são listadas a seguir:

Como obter um aumento de 2% a 3% no rendimento médio per capita dos países de menor renda?

É possível obter a eliminação da desnutrição grave e uma redução de 50% na desnutrição moderada?

Como gerar o abastecimento para promover o acesso universal à água tratada e 80% de acesso a serviços de saneamento? Como funciona o abastecimento de água tratada no meu município? Qual a relação que isso tem com a mortalidade infantil?

Qual a taxa de mortalidade infantil na cidade em que moro? E no Estado? E no País? Quais são as razões dessas taxas de mortalidade infantil? Qual o outro fator social que é correlacionado com este?

É possível a redução da mortalidade infantil pelo menos à metade da taxa de 1990, ou a 70% em cada 1000 bebês?

Existe relação matemática entre desnutrição, mortalidade infantil e oferta de saneamento básico em uma dada região?

É possível que nos países de alta renda, 50% das cidades com população superior a um milhão de habitantes, e nos países de baixa renda, 25% das cidades de igual densidade populacional – implementar políticas que resultem em sistemas de transporte mais rápidos, seguros e eficientes, com 25% de redução na poluição do ar?

Qual a taxa de analfabetismo juvenil e adulto na cidade em que moro? E no Estado? E no País? Aumentou?

Como medir a eficácia e a eficiência de serviços públicos como saúde, educação, fornecimento de água potável, saneamento e segurança?

É possível implementar políticas públicas que resultem em sistemas de transporte mais rápidos, seguros e eficientes, e com 25% de redução de poluição do ar?

O modelo agrário dos latifúndios provoca maior ou menor devastação nas matas?

Qual a participação dos agrotóxicos e pesticidas, utilizados nas grandes plantações, na poluição dos rios e mananciais de água?

Além de expor as questões acima, Carrera de Souza (2001) descreve alguns problemas relacionados com as questões ambientais, apresentados abaixo.

Analisar vazamentos de petróleo, tendo em vista que um litro de óleo contamina um milhão de litros de água doce.

Analisar e pesquisar os lixões, as doenças, a mortalidade infantil, a expectativa média de vida, a escolaridade, a poluição das terras e das águas, a qualidade do ar, o trabalho infantil ou a escravidão, os juros das dívidas externas, o modelo energético mundial, o Produto Interno Bruto, o consumo desenfreado de alguns países e a decorrente pobreza extrema de outros, o esgotamento de reservas naturais não renováveis.

Carrera de Souza (2001) sugere também que se faça o estudo do impacto ambiental da construção de um conjunto habitacional para 15.000 famílias em uma cidade de um milhão de habitantes. Segundo Batschelet (1978) na nossa civilização, cada pessoa necessita de 60 m2 para residir, 40 m2 para o seu trabalho, 50 m2 para edifícios públicos e práticas desportivas, 90 m2 para o tráfego e 4.000 m2 para a produção de seu alimento, em média. Carrera de Souza (2001) acrescenta que cada pessoa tem necessidade de 200 litros de água por dia, para higiene e alimentação; e formula as seguintes questões: O conjunto habitacional poderia ser implantado? Qual a qualidade de vida do município ou bairro? Qual a área verde que seria desmatada e qual o impacto no meio ambiente em termos de produção de oxigênio e vapor de água para a atmosfera? Batschelet (1978) esclarece que cada cm2 da superfície da Terra está carregado com uma massa de 1,0 kg de ar. A superfície do planeta é de 5,1 x 108 km2. Um km2 de uma floresta jovem produz cerca de 2,5 x 105 kg de oxigênio anualmente.

Outros exemplos do relacionamento de questões ambientais com a Matemática para o Ensino Fundamental e Médio podem ser encontrados em Jacobsen (1994), Hudson (1995), Friske (1998), Caldeira (1998), Escher (1999), Francisco (1999), Costa (2000). Batschelet (1978) traz vários exemplos envolvendo questões ambientais e Matemática de vários níveis, desde o fundamental ao superior.

Schwartz (1994, p. 209) preocupado com o ensino da Matemática, chama a atenção para o fato que é possível aumentar o interesse dos alunos estimulando os debates relacionados com questões ambientais, como por exemplo:

- É o crescimento populacional a causa principal da pobreza e fome, ou a pobreza e fome contribuem para o crescimento populacional?

- Deveria haver um depósito [em dinheiro] sobre os vasilhames de bebidas?

- O desperdício nos países mais ricos ajuda a causar fome no mundo?

- Qual é a melhor forma de energia: nuclear; solar; conservação; outras formas?

- Deveriam os países mais desenvolvidos fornecer mais ajuda aos países subdesenvolvidos? Se sim, sob quais condições, e que tipo de ajuda?

- O vegetarianismo é a melhor dieta para os indivíduos e para o mundo?

O autor assinala ainda que conectar a Matemática com questões ambientais fornece oportunidades de discussão e conexões para problemas abertos (SCHWARTZ, 1994).

Outros exemplos do uso da Matemática na Educação Ambiental podem ser citados quando ONGs desejam convencer entidades governamentais a respeito de executar certas atividades, e na fase de decisão de alocação de verbas, há necessidade de contemplar a Matemática, mostrar planilhas para que essas entidades possam realmente financiar tais projetos. Ou, ainda, refletir sobre as situações propostas pelos governantes, verificando a veracidade de suas propostas do ponto de vista matemático. Também, pode-se citar a oposição dos ambientalistas referente aos processos de mecanização, como, por exemplo o uso de defensivos agrícolas. É evidente que a agricultura orgânica é melhor, mas é preciso trazer a discussão fazendo vários tipos de análise tirando proveito da Matemática, pois não basta ter melhor qualidade se apenas uma camada da população poderá ter acesso a ela.

Muitas vezes, alunos das camadas mais pobres carregam a experiência de viver em áreas descuidadas, enfrentando problemas da poluição dos riachos, dos lixões. Esses temas poderiam ser trazidos para a sala de aula e usar a Matemática a fim de solucionar ou levantar sugestões para alguns problemas.

Estes estudos, além de auxiliar no aperfeiçoamento dos sistemas de estatísticas sociais, fornecem aos alunos a possibilidade de discutir as questões socioambientais, utilizando-se de conhecimentos matemáticos (CARRERA DE SOUZA, 2001). Nesse sentido, a Matemática deixa de ser exclusivamente informativa de conteúdos e passa a atuar como formadora de hábitos e atitudes no sentido de conscientização da preservação do meio ambiente.

As questões ambientais proporcionam questionamentos que instigam a necessidade da Matemática, podendo tornar o seu aprendizado mais interessante, conduzindo o aluno a levantar hipóteses e analisá-las por meio dessa ferramenta.

Na busca de problemas do cotidiano relacionados com questões ambientais, fica evidente a necessidade da integração da Matemática com outras disciplinas, auxiliando no processo de tomada de decisões. Contudo, o tratamento das questões ambientais não se encerra aí, se faz necessária também a discussão de atitudes éticas envolvendo essas questões.

Barcelos e Noal (2000, p. 108), incomodados com a falta de integração dos professores no processo educacional, fazem a seguinte colocação:

Será que não podemos encontrar pontos de partida para a realização da Educação Ambiental também na aula de Matemática, a partir da busca criativa deste professor de Matemática e de seus alunos? Ou será que alguém, ‘especialista em Educação Ambiental’ é que vai ensinar o professor de Matemática a fazer isso?

Infelizmente, as escolas enfatizam a memorização, provocando um distanciamento cada vez maior do cotidiano e do interesse do aluno, gerando, portanto, conhecimento científico desligado das questões que envolvem a realidade. É necessário desvincular o ensino baseado na transmissão de fórmulas decoradas e o aprendizado de receituários de problemas vazios e desconectados do real. As atividades escolares devem levar em conta dados obtidos na realidade sociocultural. Nesse sentido, Carrera de Souza (2001, p. 61-62) enfatiza que:

Os alunos estão cada vez mais naufragando em um mar de fórmulas prontas e regras pré-estabelecidas que, embora não possuam um significado concreto em relação à realidade deles, devem ser apreendidas e memorizadas. Esse desencanto [grifo do autor] deve-se, basicamente, à postura internalista no ensino de Matemática com um projeto de educação que através de um processo analítico e mecânico não leva em conta o dado cultural, a realidade socioeconômica e o fator histórico engedrando uma educação rica em ideologia e pobre em conhecimento.

Geralmente, os alunos aprendem Matemática pela experiência dos professores, através dos problemas retirados do livro-texto, que em geral não têm relação com a sua realidade, simplesmente seguem as regras passadas pelos seus professores.

As questões ambientais são muitas vezes complexas, mas é possível tratá-las por meio de uma abordagem mais simples no Ensino Fundamental, já nos Ensinos Médio e Superior pode-se avançar em alguns conteúdos matemáticos. É interessante salientar que, ao se trabalhar com Modelagem Matemática relacionada com questões ambientais, diversos conteúdos matemáticos de vários níveis de ensino podem ser necessários, assim como outras questões poderão ser aventadas, de ordem social, política ou econômica.

A Educação Ambiental no contexto da Modelagem favorece um ensino de Matemática onde os alunos têm que coletar informações, pesquisar, levantar hipóteses, refletir sobre as suas soluções, enfim, participar e ao mesmo tempo se envolver nesse aprendizado, de tal forma a poder indagar a realidade através da Matemática. Como destaca D’Ambrósio (1990, p. 24): “Nossas responsabilidades, como educadores numa democracia, vão além de reproduzir o passado e os modelos atuais”.

CAPÍTULO 3

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