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CAPÍTULO III – O tema da educação em Montesquieu

2. A educação nas formas de governo

2.1 A educação monárquica

Antes de partir mais propriamente para a análise da educação nas monarquias, o autor no capítulo I do livro IV já menciona inicialmente a singularidade e a importância das leis da educação de uma maneira geral: “As leis da educação são as primeiras que recebemos. E, [...] nos preparam para sermos cidadãos”. (MONTESQUIEU, 2005, p. 41). Tais leis são fundamentais para a formação da cidadania e, consequentemente, para a construção do Estado político. Sua função, em geral, é a de preparar os indivíduos para que adquiram as qualidades e virtudes necessárias ao bom funcionamento do seu governo em particular. A educação deve, nesse sentido, incutir nos homens desde os seus primeiros anos de vida os ensinamentos necessários para que estes possam mais adiante cumprir sua cidadania a contento.

No caso das monarquias, regime de governo que possui a honra como princípio, à educação principal se inicia como indica o autor, não nas escolas públicas propriamente ditas, mas a partir do momento em que se entra no mundo (Ibid., p. 41). Isso significa que é no ambiente familiar e nos primeiros contatos com o mundo social que já se aprende os requisitos fundamentais e as qualidades necessárias para se tornar um bom cidadão. Ademais, isso denota também, que nessa forma de governo, na qual as aparências e o desejo de distinção são elementos norteadores do comportamento humano, existem regras que não são aprendidas diretamente ou simplesmente nas escolas, mas de maneira mais efetiva no convívio social e por meio dos costumes.

A monarquia é um regime de governo que pouco se precisa da virtude política, ou seja, de um amor às leis, à pátria e de uma renúncia de si mesmo, o que a distinguirá, por exemplo, do regime republicano do qual se discorrerá mais adiante. O bom funcionamento dela ocorre estranhamente quando os indivíduos pensam mais em si e nos seus interesses particulares do que nos da coletividade e, tal mecanismo, que preza mais pela distinção dos homens do que pela igualdade deles, é o que move o regime monárquico.17 Nele, os indivíduos em geral ao olharem mais para si do que para os outros, ao buscarem o engrandecimento, a riqueza, o orgulho, a

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Acerca das “virtudes” do governo monárquico Montesquieu destaca: “As virtudes que nos são ali mostradas são

sempre menos o que devemos aos outros do que o que devemos a nós mesmos: não são tanto o que nos aproxima de nossos concidadãos do que o que nos distingue deles”. (MONTESQUIEU, 2005, p. 42).

distinção e a superioridade, estão seguindo de certo modo a essência das leis desse governo, o qual pressupõe hierarquias, preferências e distinções.

Nas monarquias, a política promove as grandes coisas com a menor virtude possível; [...]. O Estado subsiste independentemente do amor à pátria, do desejo da verdadeira glória, da renúncia de si mesmo, do sacrifício dos seus interesses mais caros e de todas as virtudes heroicas que encontramos nos antigos e das quais só ouvimos falar. As leis ocupam aí o lugar de todas essas virtudes das quais não se precisa [...]. (MONTESQUIEU, 2005, p. 35).

Nesse sentido, a educação precisa conduzir e formar os homens em busca das honrarias e das distinções, de tal modo que, ao incorporar esse espírito da honra, eles contribuam, por outro lado, para a manutenção da monarquia. Se isso a princípio parece inusitado, a saber, que um governo se valha, grosso modo, das ambições particulares para a sua conservação e bom funcionamento, Montesquieu trata logo de explicar, como já foi sinalizado no capítulo anterior dessa dissertação, o fato segundo o qual se “a ambição é perniciosa numa república. Tem bons efeitos na monarquia; dá vida a esse governo, e nele [...] ela não é perigosa, pois pode ser incessantemente reprimida”. (MONTESQUIEU, 2005, pp. 36-37). As leis aqui regulam as ações humanas ao passo que contribuem para o equilíbrio desse governo, e embora no regime monárquico todos pensem ir em direção a seus interesses particulares, acabam caminhando no sentido do bem comum.

É por isso que, para Montesquieu, a educação na monarquia difere daquela que é ensinada em outros regimes de governo, tais como o republicano e o despótico, dada a especificidade do mecanismo estrutural e político desse regime em particular. Nessa forma de governo, afirma o Barão de La Brède, a educação “deve colocar nas virtudes certa nobreza, nos costumes certa franqueza, nas maneiras certa polidez”. (MONTESQUIEU, 2005, p. 41). Isso se deve ao fato de que as ações dos homens nesse regime político não devem ser simplesmente boas, justas ou razoáveis, mas belas, grandes e extraordinárias. As virtudes, assim, devem estar acompanhadas das qualidades dos nobres que se distinguem e se caracterizam frente aos demais pela grandeza de seus gestos e costumes, bem como, pela superioridade que acompanham sempre suas ações. A franqueza nos costumes precisa ser ensinada não porque se busca a verdade nos gestos ou nas palavras, mas para aparentar certa audácia e liberdade perante os outros. Já a polidez nas maneiras, deve ser ensinada, uma vez que se trata de outra forma de afastar-se da baixeza e se

distinguir frente aos demais. A polidez nasce do orgulho ou do desejo de tornar-se distinto e superior e, desse modo, mostra-se necessário aprender suas regras fundamentais.

Como se vê, as aparências se apresentam na monarquia como elemento fundamental do comportamento humano e as ações dos indivíduos devem priorizar sempre a busca pelo crescimento, pela superioridade e pela grandeza. A nobreza, por exemplo, que possui tais atributos, tão requisitados nessa conjuntura social e política, é beneficiada e sustentada pelas leis e pelo monarca, de tal modo que não seria um absurdo até mesmo torná-la hereditária18. As vantagens e privilégios que lhes são concedidas, porém, não agridem ou corrompem a ordem e manutenção desse governo, mas contribuem para o equilíbrio do mesmo. Como um canal médio por onde flui o poder político, esse corpo intermediário, como já salientado no capítulo anterior, serve como elemento moderador das ações do poder central impedindo abusos de sua parte e detendo em alguma medida seus avanços desmedidos. A nobreza aqui se posiciona estrategicamente entre o monarca e o povo suavizando as relações entre essas forças distintas.

Cabe à educação, nessa conjuntura, fornecer elementos que façam os homens compreender o mecanismo desse sistema político que apesar dos privilégios e das distinções de determinados grupos, como a nobreza e o clero, freiam, ainda assim, o ímpeto de um governante que busca todas as vantagens somente para si. Essa ordem política balanceia o equilíbrio dos diversos interesses e mantém a estabilidade do Estado monárquico. Este se mantém na medida em que todo o sistema de privilégios e hierarquias é preservado e quando de nenhum grupo são retiradas tais prerrogativas e preeminências.

A educação monárquica, como se observa, traz certa contribuição na construção da mentalidade dos membros dessa sociedade; ela se dá mais especificamente em dois níveis: o primeiro compete às escolas públicas, o segundo ao mundo. No primeiro, a educação pelo que se depreende do pensamento de Montesquieu, se restringe ao ensinamento de elementos básicos e tem como alvo principal a infância. No segundo, o mais importante nível da educação monárquica, esta se efetiva mais no ambiente familiar e no contato com o mundo social. Aqui o autor do Espírito das leis, indica ser a “escola da honra”, o mestre universal que conduz os indivíduos ao entendimento e à execução das prerrogativas desse governo. Esse segundo e

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Montesquieu (2005, p. 66), ao analisar o modo como as leis na monarquia são relativas a seu princípio de governo,

afirma sem hesitar que é preciso que as leis trabalhem para sustentar a nobreza. Esse grupo inclusive deve tornar-se hereditário, pois ao invés de serem o limite entre o poder do príncipe e do povo, são na verdade a ligação entre os dois.

principal nível da educação monárquica se concentram de uma maneira mais precisa na esfera dos costumes; é aí que os indivíduos precisam estar atentos, percebendo a todo o momento a postura e as regras às quais devem seguir, bem como as qualidades que se precisa aprimorar. Todas as ações dos homens devem estar norteadas e impregnadas pelos preceitos da honra e, nesse sentido, a educação deve se conformar e se submeter a tais regras19, trabalhando na direção de um Estado cada vez mais coeso, forte e equilibrado.

Diante do que se percebe, as leis da educação na monarquia vinculam-se efetivamente ao princípio da honra e em função deste ela contribui na estruturação política de tal regime. A formação dos indivíduos é a sua principal atribuição e isso se dá nas esferas tanto da escola pública quanto na do convívio familiar e social. Não é na primeira esfera – a do âmbito escolar – que a educação, para Montesquieu, se inicia mais propriamente ou possui maior força e importância, mas é no âmbito familiar e no convívio social que ela assume, nas monarquias, uma intensidade mais significativa. Seria através dos costumes e do contato com o comportamento dos homens na sociedade monárquica que se entenderia de maneira mais objetiva as prerrogativas necessárias para tornar-se um bom cidadão. Sendo assim, a educação no Estado monárquico visa em última instância à formação da cidadania ou daquilo que Montesquieu chama de “homem de bem”. 20