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CAPÍTULO II – A noção de liberdade em Montesquieu

3. Da liberdade à tolerância

Diante do que foi analisado nesse capítulo pode-se afirmar que a noção de liberdade, tanto política quanto religiosa, relaciona-se de maneira efetiva com o conceito de tolerância em Montesquieu.

Diz-se desse modo, pois o fato de tolerar de uma maneira geral implica, em alguma medida, na manutenção da integridade das individualidades, o que converge para a possibilidade dos indivíduos terem em suas vidas particulares certa autonomia nos modos de pensar e viver.

Isso foi possível perceber nos dois aspectos específicos da liberdade política (em sua relação com a constituição e em sua relação com o cidadão) e, de maneira mais nítida, na liberdade religiosa.

No que se refere ao primeiro aspecto da liberdade política (o da constituição), viu-se que a divisão de poderes e a manutenção de corpos intermediários, aos olhos de Montesquieu, têm como principal objetivo, grosso modo, que os diversos interesses dos mais variados grupos da sociedade sejam atendidos. O poder não fica concentrado nas mãos de uma única parte do corpo político, ele é repartido entre as diversas camadas da sociedade de tal modo que se evite o privilégio de umas em detrimento de outras e, consequentemente, não torne desproporcional as vantagens concedidas a um determinado grupo.

O que se tem em vista é, portanto, o equilíbrio de interesses e um mecanismo político que se evite abusos de poder, partilhando entre as diversas instâncias, a execução deste. Isso denota, em alguma medida, o apreço que o autor tem pela preservação das singularidades, pelo respeito aos direitos dos cidadãos e pela liberdade.

O conceito de liberdade política relacionado à constituição se aproxima, nesse sentido, da ideia posterior de tolerância, o que se efetivará ainda mais quando esse autor passa a discorrer a respeito do segundo aspecto da liberdade política: a liberdade em relação ao cidadão.

Se num primeiro momento Montesquieu optou por teorizar sobre a estrutura constitucional que possibilitaria a concretização da liberdade dos cidadãos, num segundo momento ele se propôs a analisar em que consistiria essa liberdade.

A liberdade dos cidadãos é, grosso modo, a segurança que os indivíduos possuem de que não serão prejudicados em seus direitos privados, sendo isto viabilizado pelas leis do Estado. Ser livre numa sociedade política, como já fora apontado, não significaria fazer o que se quer, mas cumprir o que as leis determinam. O cidadão só é livre dentro das prescrições da lei, pois afastado dela a insegurança e o temor de uns para com os outros ganham uma intensidade maior.

A liberdade do cidadão é, com efeito, manifestada a partir de um sentimento de tranquilidade que os indivíduos, por conta da proteção das leis do Estado, sentem em seu convívio social. Desse modo, a liberdade em sua relação com o cidadão se aproxima similarmente à ideia de tolerância, pois em ambas as noções a segurança dos indivíduos é o que está em primeiro plano. Tolerar, em última instância, é respeitar o outro apesar das diferenças e, ser livre em sociedade, é estar seguro de que essas diferenças serão preservadas.

A liberdade política nesses dois aspectos (constituição e cidadão) traz, portanto, em seu cerne elementos que já apontam para o desenvolvimento de um conceito de tolerância que Montesquieu defenderá mais adiante. Porém, será no conceito de liberdade religiosa, essa segunda faceta do seu conceito geral de liberdade, que se perceberá de modo mais claro um entrecruzamento entre a noção de liberdade e a ideia de tolerância.

A defesa da liberdade religiosa no Estado político implica certamente numa visão segundo a qual no âmbito individual os homens devem possuir certa autonomia e livre opinião em matéria de religião. Estes, a partir de suas convicções particulares possuem o direito de optar pelo caminho espiritual que mais lhe apraz e, deste modo, não devem ser coagidos a professar uma fé que no fundo não corresponde às suas certezas mais íntimas.

As leis do Estado precisam, conforme já assinalado, contribuir para a manutenção dessa liberdade e, além disso, promover a tolerância não só entre as religiões já instaladas, como também entre os próprios cidadãos, de modo tal, que estes se respeitem mutuamente apesar das diferenças.

A liberdade religiosa é, portanto, uma extensão da liberdade civil e o estabelecimento dela promove, conforme Montesquieu: a segurança dos cidadãos e a estabilidade do Estado político, pois a opressão ou exclusão de determinada crença pode gerar conflitos que perturbem a ordem social.

A tolerância surge aqui como uma medida política de apaziguamento e pacificação das relações entre os que divergem por conta de suas crenças. Ademais, através de uma política da tolerância o Estado acaba por preservar outro valor tão caro aos indivíduos em sua vida particular: a liberdade de consciência.

Em suma, a concepção de tolerância em Montesquieu tem em vista não somente estabelecer a paz civil como também promover a liberdade entre os cidadãos. É nesse sentido que uma noção se interliga à outra. Ser livre implica, em contrapartida, no respeito pela liberdade alheia e isto significa tolerar.

Cabe ao Estado promover entre as religiões e entre os indivíduos essa tolerância recíproca. No caso das entidades religiosas será preciso leis e sanções para aquelas que, porventura, se manifestem intolerantes. No caso dos indivíduos além das leis e sanções aos que desrespeitarem o outro em sua livre expressão religiosa, caberá o aperfeiçoamento de outro mecanismo que se mostrará primordial para o estabelecimento da tolerância: a educação. É o que se observará no capítulo seguinte.