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Piaget não se dedicou especificamente a estudos sobre a educação, mas não podemos deixar de considerar suas reflexões no campo educacional.

Piaget fez referência à pedagogia em algumas obras, como Psicologia e

Pedagogia (1976), Para onde vai a Educação (1973) e alguns artigos, deixando

claras algumas idéias sobre o tema da educação moral. Seriam questões básicas, centrais na educação, que são freqüentemente debatidas no âmbito educacional, e que dão oportunidades a novas discussões sobre as questões morais.

Por não ter incluído sistematicamente o social em seus estudos, Piaget recebeu muitas críticas a esse respeito, mas ele não desconsiderava a fundamental importância da transmissão social no desenvolvimento humano.

Para Piaget, a escola não é o único ambiente que possibilita a educação, pois a educação escolar ocorre de forma específica, cumprindo um programa formal, enquanto em outros ambientes a educação se dá através de experiências espontâneas, criando perturbações e fazendo com que a inteligência se desenvolva. Mas, considera também que a família por si só estabelece uma relação assimétrica e coercitiva, em que um tem mais poder (autoridade) que o outro. Portanto, este é um ambiente que não facilita as relações de cooperação e que, mesmo em casos de famílias democráticas, esta relação não pode se dar por completo, pois a criança sabe que o poder da autoridade pode voltar a se estabelecer a qualquer momento da relação. Já no ambiente escolar, a criança tem mais possibilidades de vivenciar diferentes tipos de experiência que contribuiriam para o seu desenvolvimento, desde que

não seja reproduzido o mesmo ambiente coercitivo das relações familiares (LA TAILLE, 1996).

É importante ressaltar que a relação professor-aluno também se constitui em uma relação assimétrica, pois o professor é detentor de autoridade. Então, serão as relações entre pares (entre as crianças) mantidas na escola que, segundo Piaget, auxiliará no desenvolvimento da autonomia.

Outra preocupação com relação à educação das crianças está no fato de sua responsabilidade não ser conferida a qualquer um, pois “a educação pede plena e complexa formação daqueles que por ela são responsáveis” (LA TAILLE, 1996, p. 157).

Os professores devem ter uma boa formação para que possam, através da educação, propiciar condições para o desenvolvimento intelectual e moral das crianças, favorecendo o processo de descentração, que será alcançado mais facilmente através do trabalho em grupo, pois esta atividade propicia colaboração e respeito aos diferentes pontos de vista.

Entendemos por boa formação aquela que prepara os professores com conhecimentos e prática para a sua atuação em sala de aula, de modo que ele seja sensível aos problemas que encontra e que saiba lidar com os imprevistos. Sob este aspecto, Piaget (1973, p. 25) ressalta que

a preparação dos professores constitui a questão primordial de todas as reformas pedagógicas em perspectiva, pois, enquanto não for a mesma resolvida de forma satisfatória, será totalmente inútil organizar belos programas ou construir belas teorias a respeito do que deveria ser realizado.

Outra questão seria a própria formação moral e intelectual do docente, o que nos faz concordar com La Taille (1996) sobre como poderia ocorrer a educação de crianças autônomas se aqueles que as ensinam são heterônomos?

Sob essa perspectiva, Vinha (2000) relatou no livro “O educador e a

moralidade infantil: uma visão construtivista” alguns resultados de uma

pesquisa experimental que realizou com um grupo de professores de pré- escola mediante um curso de aperfeiçoamento (O educador e o desenvolvimento da moralidade infantil). O curso consistia na intervenção em sala de aula (observação), supervisão pedagógica (individual ou em grupo) com o intuito de analisar e discutir as situações vivenciadas em sala de aula, além de reuniões com o grupo de professores, em que seria abordada a teoria piagetiana do desenvolvimento da moralidade, bem como a apresentação de procedimentos pedagógicos que poderiam favorecer tal desenvolvimento.

Um dos objetivos do curso era preparar melhor o professor para auxiliar na formação do juízo moral e do comportamento moral em seus alunos. Subjacente a esse objetivo, esperava-se que as discussões propostas provocassem conflitos cognitivos e morais no próprio grupo de professores, o que favoreceria a autonomia moral dos mesmos. Dessa forma, o objetivo entrelaçava como auxiliar as crianças na conquista moral mediante a constante reflexão do professor sobre a teoria apresentada e as situações vivenciadas em sala de aula.

Um critério importante utilizado foi com relação a escolha do grupo de professores. Como o tempo para a realização da pesquisa era relativamente curto, a autora definiu o perfil dos participantes da pesquisa. Dessa forma, os

professores do PROEPRE (Programa de Educação Infantil e de Ensino Fundamental) enquadravam-se nesse perfil, pois era necessário que os professores tivessem estudado os princípios básicos da construção de conhecimentos e alguns aspectos cognitivos e afetivos do desenvolvimento infantil, conteúdos ministrados pelo referido programa.

A autora relata ter apresentado aos professores um extenso quadro teórico piagetiano sobre o desenvolvimento infantil intelectual e moral, além de salientar a importância de procedimentos que contribuem para o desenvolvimento moral, advertindo que não há receitas e nem um só ambiente que favoreça tal desenvolvimento. Dentre os procedimentos abordados, destacou: a importância da interação professor-aluno, o planejamento da rotina diária com as próprias crianças, criando assim oportunidades para que elas construam a noção de tempo, atividades diversificadas, uso de materiais coletivos, bem como a organização desses materiais e a limpeza da classe após seu uso, a avaliação do dia, a autoavaliação e a dinâmica da classe.

Vinha esclarece que o replanejamento do curso foi uma constante, visto a necessidade de se fazer cada vez mais a interdependência entre teoria e prática.

Os resultados mostraram que os professores conseguiram colocar em prática o que foi estudado durante o curso e, também, adquiriram um conhecimento mais aprofundado sobre o desenvolvimento da moralidade. Ocorreu mudança de postura da parte docente, valorização de si mesmos enquanto profissionais e busca constante em fundamentar teoricamente o que estava acontecendo na prática.

Segundo a autora, houve reconstrução do conteúdo pelo professor. Alguns conteúdos foram entendidos por eles ao “pé da letra”, assim como ocorre nas crianças, o que mostra o desenvolvimento intelectual e moral por parte do professor.

Para Vinha (2000, p. 560),

é necessário que um curso de aperfeiçoamento promova perturbações ou conflitos cognitivos e morais, que desencadeie o processo de equilibração, que desafie o sujeito de maneira a fazer com que reflita sobre sua ação pedagógica, solicite a tomada de consciência, a comparação e o estabelecimento de relações; promovendo, dessa forma, o desenvolvimento do raciocínio moral.

Portanto, assim como nas crianças, é necessário que haja a superação da heteronomia pela autonomia e isso só é possível mediante as perturbações que ocorrem durante a interação do sujeito com o que se deseja conhecer.

Piaget acredita em uma continuidade, em um processo em que a fase heterônoma (de respeito unilateral), em que se privilegiam as regras e o respeito advindos dos mais velhos, é normal nas experiências infantis, mas ela deve ser superada por um outro sentimento de respeito que lhe possibilitará a conquista da autonomia, o respeito mútuo.

Para Piaget, a característica fundamental dessa continuidade se manifesta por meio das primeiras relações de reciprocidade, ditas espontâneas, isto é, quando a criança, ao receber um favor, tende a retribuí-lo, mas não considera a obrigatoriedade dessa retribuição. Somente quando se conservar a obrigação pela retribuição é que “a relação de reciprocidade permanecerá viva e promovedora de ações” (LA TAILLE, 1996, p. 165).

A reciprocidade é o centro de outro aspecto importante da educação moral no que se refere às sanções. Segundo Piaget (1994), as sanções devem ser pautadas na reciprocidade, fazendo com que se perceba a ruptura da confiança mútua.

Assim, o desenvolvimento moral se dá através da interação, ou seja, a partir de experiências vivenciadas pelos sujeitos e que não são passíveis de ocorrer em um único ambiente. Portanto, a escola como instituição que tem por finalidade a educação e que, segundo Piaget (1973), tem como um dos seus principais objetivos a autonomia, deve cumprir seu papel com relação a este desenvolvimento.

A autonomia moral, para Piaget, significa ser governado por si mesmo, isto é o oposto de ser governado por outra pessoa e é neste sentido que a escola pode dar sua colaboração, deixando os discursos democráticos e partindo para práticas democráticas, em que todos possam participar das decisões do grupo com que estão se relacionando.

Devemos salientar que a escola tem suas normas e precisa continuar a tê-las, pois não queremos a anomia, isto é, a ausência de regras, imperando em nossas escolas.

Dentro da escola, o melhor espaço para que haja a democracia é a sala de aula, pois é o lugar em que a criança permanece mais tempo e, nesta perspectiva, o papel do professor é de fundamental importância.

No que se refere especificamente ao campo educacional, no ano de 1996, foram lançados os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que constituem uma referência nacional para a formação escolar no Brasil, com uma estrutura curricular completa e propostas flexíveis, o que permite

adaptações na construção e no estabelecimento de um currículo por parte das Secretarias de Educação, capaz de atender às reais necessidades dos alunos (BRASIL, 1997b).

Na introdução dos PCN já se faz referência a um ensino que propicie o desenvolvimento da autonomia ao longo do Ensino Fundamental, ressaltando que a escola pode criar situações planejadas e sistematizadas que auxiliem na conquista da autonomia com o desenvolvimento de procedimentos e atitudes, tais como:

planejar a realização de uma tarefa, identificar formas de resolver um problema, formular boas perguntas e boas respostas, levantar hipóteses e buscar meios de verificá-las, validar raciocínios, cuidar da própria saúde e da de outros,

colocar-se no lugar do outro para melhor refletir sobre uma determinada situação, considerar regras estabelecidas

(BRASIL, 1997c, p. 95, grifo nosso).

Esses procedimentos e atitudes são alguns dos instrumentos que podem estar presentes no cotidiano das crianças em sala de aula.

Assim, a questão da autonomia é reafirmada e constitui-se num eixo norteador dos Temas Transversais, intitulado como Ética, sendo que seus pressupostos percorrem várias dimensões da vida social, relacionando-a aos demais Temas Transversais bem como às demais áreas disciplinares, além de elegerem como conteúdos de Ética o respeito mútuo, a justiça, o diálogo e a solidariedade, valores fundamentais para o convívio social (BRASIL, 1998).

Vários estudos têm abordado a questão da moralidade sob diversos aspectos no campo educacional; discorreremos a partir de agora sobre alguns

temas importantes e, com eles, esclareceremos a moralidade no cotidiano escolar.