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CAPÍTULO 1 – A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO

1.1 A Educação Profissional no Governo FHC (1995-2002)

Segundo Ciavatta e Frigotto (2006, p.11), as mudanças de concepção e de política ocorridas a partir da década de 1990, conduziram a um balanço do ensino médio técnico e da educação profissional sob uma visão de totalidade social, de seu significado educativo, socioeconômico, político e cultural. No entanto, para compreender este processo, é necessário tecer o cenário precedente das mudanças no capitalismo mundial, que repercutem diretamente sobre a estruturação do Estado brasileiro, sua economia e consequente relação entre Trabalho e Educação.

O final do século XX foi marcado por uma enorme transformação na economia política do capitalismo, que trouxe impactos em processos de trabalho, hábitos de consumo, configurações geográficas e geopolíticas, e até mesmo na sociedade (HARVEY, 2009, p.117) Essas transformações foram ocasionadas pela transição do fordismo para um novo modo de funcionamento do capitalismo, denominado acumulação flexível, “que se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de

consumo” (HARVEY, 2009, p.140).

A reestruturação produtiva surge como forma de compensar a crise estrutural do capital, provocando diversas alterações nas empresas e em seus processos de trabalho, com vistas à recuperação do ciclo reprodutivo capitalista (ANTUNES, 2009; SANTOS, 2006). Essas alterações afetaram de diversas formas a classe trabalhadora, seja nas exigências de qualificação, alteradas pelo novo perfil demandado pelas empresas, seja em sua exploração pelo capital, que fica ainda mais evidenciada.

Segundo Antunes, o processo de reorganização do capital e de seu sistema ideológico e político de dominação adquirem contornos mais evidentes com o advento do neoliberalismo (ANTUNES, 2009, p.33). Este se caracteriza pela privatização do Estado, desregulamentação dos direitos do trabalho e desmontagem do setor produtivo estatal (ibidem, p.33).

O Consenso de Washington, em 1989, propôs uma série de medidas neoliberais que deveriam ser adotadas pelos países da América Latina para compensar a crise do capital e proporcionar a retomada do crescimento econômico nestes países. Entre elas, encontram-se: disciplina fiscal; reforma tributária; controle das taxas de juros e taxas de câmbio; abertura

comercial; investimento direto estrangeiro; privatização; desregulação; e direito de propriedade (WILLIAMSON, 1990, apud NAIM, 2000, p.11).

No Brasil, o neoliberalismo entrou em cena a partir da década de 1990, com o governo de Fernando Collor. Segundo Frigotto (2006, p.43), "seu programa de reconstrução nacional buscava atender às diretrizes dos organismos internacionais, de abertura do mercado, reforma do Estado e restrição dos direitos sociais enunciados pelo Consenso de Washington". Com o impeachment de Fernando Collor, em 1992, Itamar Franco – vice-presidente eleito – nomeou Fernando Henrique Cardoso (FHC) como Ministro da Fazenda, permitindo que ele se firmasse como principal candidato nas eleições de 1994 e fosse de fato, eleito.

Segundo Frigotto e Ciavatta (2006), o governo de Fernando Henrique Cardoso teve como direcionadores a ideologia neoliberal e os influxos da sociedade de mercado globalizada, privilegiando a estabilidade econômica, compromissos com agências internacionais, privatização dos bancos e empresas estatais, bem como o desmonte das universidades públicas federais e a expansão do setor privado (FRIGOTTO e CIAVATTA, 2006, p.73-74).

Essas condutas estabeleciam uma reforma de Estado 'mínimo para o trabalho e máximo para o capital', que na medida em que aumentava o volume de terceirizações e privatizações, diminuía as políticas públicas e os direitos sociais da população (ibidem, p.62). De acordo com Fonseca (2006, p.203), o Estado deixava ser o indutor das políticas públicas, transferindo essa função para esfera privada, que utilizava fundos públicos e introduzia o voluntariado, um modelo de assistencialismo neoliberal.

Como mencionado no início deste tópico, a reestruturação produtiva e as transformações na organização dos processos de trabalho, impõem um novo perfil de trabalhador: flexível, polivalente, autônomo e competitivo. Neste sentido, as políticas de formação profissional na década de 1990 eram organizadas de modo a atenuar os efeitos da reestruturação produtiva, adequando o sistema educacional brasileiro às novas imposições do mercado (FONSECA, 2006, p.205).

Nesse período, as políticas de formação profissional tiveram forte influência dos organismos internacionais, que afirmavam que o investimento na oferta da educação básica de qualidade era a chave para que o Brasil desse um "salto" em direção à competitividade global

(FERRETTI, 1997, p.245). Dentre as recomendações do Banco Mundial para as reformas educativas em países em desenvolvimento, encontra-se: investimento prioritário em educação básica; melhoria da qualidade da educação; preferência de oferta da educação profissional separada da educação básica, em módulos; fomento à oferta privada de educação; descentralização das instituições escolares; definição de políticas estratégias baseadas na análise econômica; dentre outras (ALTMANN, 2002; KUENZER, 1997; OLIVEIRA, 2001).

Segundo Oliveira (2001, p.1), a preocupação do Banco Mundial com a educação profissionalizante justifica-se pela necessidade das economias em desenvolvimento disporem de uma mão-de-obra flexível, capaz de adequar-se às mudanças ocorridas no mercado de trabalho. No entanto, o BIRD considera que diversos setores da sociedade deveriam estar envolvidos no processo de qualificação dos trabalhadores, principalmente os setores privados, sendo que o setor público interferiria apenas no caso dos demais não derem conta de atender às demandas (ibidem, p.1).

A nomeação de Paulo Renato de Souza – ex-funcionário do Banco Mundial - como Ministro da Educação deixou claro que a influência dos organismos internacionais seria inseparável das propostas educacionais no governo de Fernando Henrique Cardoso. Neste sentido, diversas reformas educativas foram organizadas no Brasil, tendo o Banco Mundial à frente.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) – Lei nº 9394/96 foi aprovada após mais de uma década de discussões entre sociedade civil e câmara dos deputados, sofrendo diversas alterações em relação ao projeto inicial proposto pelo senador Darcy Ribeiro. Na LDB, a Educação Profissional foi incorporada como um processo educacional específico, não vinculado necessariamente à educação básica e relacionado ao desenvolvimento de aptidões para vida produtiva (RAMOS, 2006, p.292). Iniciava-se um processo de Reforma na Educação Profissional, originada no Projeto de Lei 1603/96, que apesar de não ter sido aprovado, teve algumas de suas diretrizes absorvidas pelo Decreto nº2208 e outras portarias instituídas pelo governo FHC.

O Decreto nº 2208, de 17 de abril de 1997 regulamentou a Educação Profissional, estabelecendo níveis para essa modalidade, sendo eles: básico, técnico e tecnológico. Através deste decreto, é extinta a possibilidade de integração curricular entre ensino médio e técnico, restando apenas duas alternativas para o ensino técnico: concomitante, com matrículas

distintas para educação profissional e ensino médio; e subsequente, sendo realizado após a conclusão do ensino médio. Outra característica é a adoção do modelo das competências para definição dos conteúdos curriculares, conforme o art.7º:

Art. 7º Para a elaboração das diretrizes curriculares para o ensino técnico, deverão ser realizados estudos de identificação do perfil de competências necessárias à atividade requerida, ouvidos os setores interessados, inclusive trabalhadores e empregadores (BRASIL, 1997)

Segundo Ferretti (1997, p.229), o modelo de competências surge como alternativa para orientar a formação de recursos humanos compatível com a organização do trabalho no contexto da reestruturação produtiva. Diferente do conceito de qualificação, esse modelo "enfatiza menos a posse dos saberes técnicos e mais a sua mobilização para a resolução de problemas e o enfrentamento de imprevistos na situação de trabalho, tendo em vista a maior produtividade com qualidade" (ibidem). Segundo Ramos (2006, P.301), a partir da noção de competências, "os conteúdos curriculares deveriam ser compreendidos como meios para constituição de competências e não como objetivos do ensino em si mesmos".

A separação curricular entre ensino médio e técnico, bem como a introdução das noções de competências implicaram em diversas mudanças nas Escolas Técnicas Federais. Segundo Militão (1996), de modo antagônico, no início da década de 1990 essas instituições vivenciavam uma experiência coletiva de construção do Projeto Político Pedagógico pautado na compreensão de que

a função do ensino técnico não se restringe à preparação de recursos humanos demandados pelo mercado de trabalho, mas tem a ver com a formação intelectual, cultural, profissional, social política e ética de cidadãos que sejam tanto trabalhadores produtivos como agentes na construção da equidade social (PERROTA, 1995 apud MILITÃO, 1996, p.121).

Ou seja, tratava-se de uma concepção que considerava a vinculação entre a cidadania e a tecnologia, entre o homem como ser histórico–social e os meios de produção (MILITÃO, 1996, p.121). No entanto, diante das regulamentações federais, as instituições federais tiveram como única alternativa se adequarem às mudanças instituídas pelo governo, e com isso atenderem a uma concepção de formar restritamente para o trabalho, desconsiderando a integração entre ciência e tecnologia no processo educativo.

A Portaria MEC nº646/97 regulamentou a Reforma da Educação Profissional, e impôs um prazo de quatro anos para que as mudanças na rede federal de educação tecnológica ocorressem. A partir deste documento, ficou determinado que as instituições federais de educação profissional deveriam elaborar um plano de implementação, levando em consideração suas condições materiais, financeiras e de recursos humanos (BRASIL, 1997). Outro ponto importante foi o fato dessa portaria ter autorizado as instituições federais a manterem o ensino médio independente da educação profissional, desde que com um limite máximo de 50% do total de vagas oferecidas para cursos regulares em 1997 (ibidem).

O passo seguinte do governo FHC com relação à Educação Profissional foi a criação do Programa Expansão da Educação Profissional (PROEP), uma parceria entre o Ministério da Educação (MEC), o Ministério do Trabalho e Emprego (MTb) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O PROEP foi formalizado através da Portaria MEC nº1005/97 - que institui a Secretaria de Educação Média e Tecnológica como coordenadora e responsável pela implementação do programa (BRASIL, 1997) - e pela Portaria MEC nº1018/97 – que institui o Conselho Diretor do referido programa.

Segundo Ferreira (2006, p.276), o objetivo do PROEP era financiar a expansão da Rede de Educação Profissional Pública e privada, e fazer as adaptações necessárias à implementação da reforma da educação profissional, principalmente no que diz respeito às inovações introduzidas pela legislação. Ainda segundo a autora, dentre os aspectos técnico- pedagógicos envolvidos estavam:

a flexibilização curricular e a adequação à demanda, formação e avaliação por competências, aspectos de gestão que contemplem a autonomia, a flexibilidade, a captação de recursos próprios e a questão das parcerias bem como a expansão da Rede de Educação Profissional mediante iniciativas do segmento comunitário. (ibidem)

Em seguida, evidenciando o processo de descentralização e privatização da educação profissional, a Lei Federal nº 9649 de 1998 estabelece que a expansão da oferta de educação e a criação de novas unidades de ensino deveriam ocorrer em parceria entre os entes federativos, o setor produtivos e organizações não-governamentais:

"§ 5o A expansão da oferta de educação profissional, mediante a criação de novas unidades de ensino por parte da União, somente poderá ocorrer em parceria com Estados, Municípios, Distrito Federal, setor produtivo ou organizações não- governamentais, que serão responsáveis pela manutenção e gestão dos novos

estabelecimentos de ensino. (BRASIL, 1998)

Cabe destacar que, paralelamente à execução das reformas da educação profissional e da implementação do PROEP, o governo de FHC desenvolveu o PLANFOR – Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador, financiado através do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Segundo a Resolução nº 194, de 23 de setembro de 1998, em seu Art 2º:

O PLANFOR tem o objetivo de construir, gradativamente, oferta de educação profissional (EP) permanente, com foco na demanda do mercado de trabalho, de modo a qualificar ou requalificar, a cada ano, articulado à capacidade e competência existente nessa área, pelo menos 20% da PEA - População Economicamente Ativa, maior de 14 anos de idade, com vistas a contribuir para: a) aumento da probabilidade de obtenção de trabalho e de geração ou elevação de renda, reduzindo os níveis de desemprego e subemprego; b) aumento da probabilidade de permanência no mercado de trabalho, reduzindo os riscos de demissão e as taxas de rotatividade; c) elevação da produtividade, da competitividade e renda. (BRASIL, 1998)

Segundo Fidalgo e Machado (1999, p.96), o PLANFOR atribui ao Estado "o papel de simples articulador e fomentador de políticas globais, deixando para as instituições da sociedade civil todas as iniciativas de execução direta dessa atividade educacional". Desde modo, o Estado evidenciava uma postura de centralização na determinação das diretrizes gerais e descentralização na implementação dos cursos (ibidem).

Ferreira (2006, p. 269) considera que, através do PLANFOR, a formação profissional se tornou cada vez mais desarticulada da escolarização, uma vez que este programa não consistia em uma política educacional, e sim em uma política de emprego administrada pelo Ministério do Trabalho. Segundo Kuenzer (2006,p.13):

As avaliações externas mostraram que o PLANFOR, além do mau uso dos recursos públicos, caracterizou-se pela baixa qualidade e baixa efetividade social, resultante de precária articulação com as políticas de geração de emprego e renda, desarticulação das políticas de educação, reduzidos mecanismos de controle social e de participação no planejamento e na gestão dos programas e ênfase em cursos de curta duração focados no desenvolvimento de habilidades específicas.

De forma conclusiva, pode-se afirmar que a Educação Profissional na década de 1990, embalada no contexto da reestruturação produtiva e pela forte política neoliberal dessa década, teve como característica "uma profunda regressão ao pensamento educacional orientado pelo pragmatismo, tecnicismo e economicismo" (FRIGOTTO, 2006, p.47). Diante da hegemonia do capital, a educação pareceu se colocar à serviço do mercado, sem abertura

para propostas contra-hegemônicas que buscassem uma educação pública, de qualidade e que permitissem a integração entre a ciência e a tecnologia.