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CAPÍTULO 2 – A EAD E SUA INSERÇÃO NAS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO

2.3 A organização da Rede e-Tec: recursos financeiros e condições para execução

A Rede e-Tec Brasil, configura-se como uma Política Pública de Educação Professional e Tecnológica, ofertada na modalidade a distância, e por isso deve atender às regulamentações referentes aos dois campos: a Educação a Distância (EaD) e a Educação Profissional e Tecnológica (EPT).

No que se refere à Educação a Distância deve-se tomar como base regulatória o Decreto nº 5.622 de 2005, que em seu Art 1º caracteriza a EaD como

modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos (BRASIL, 2005).

Como modalidade educacional, a EaD deve ser entendida como forma de se ofertar a educação, ou seja, como um meio e não como um fim educativo. Esse fundamento fica claro quando o referido Decreto estabelece que a "educação a distância organiza-se segundo metodologia, gestão e avaliação peculiares [...]" (BRASIL, 2005).

No entanto, de acordo com um questionário respondido e disponibilizado no Portal da Rede e-Tec - MEC não existe uma metodologia definida a priori no âmbito deste Programa. Deste modo cada instituição participante deverá implementar um sistema de ensino virtual que deverá ser complementado com as atividades presenciais realizadas no polos (Portal da Rede e-Tec, MEC). Uma vez que cada instituição poderá desenvolver uma metodologia específica, é possível constatar que não há um padrão de qualidade garantido para os cursos.

Um dos pontos frágeis do programa é a inexistência de um Referencial de Qualidade Específico para Educação Profissional a Distância. O modelo de referencial existente para EaD é dirigido para o ensino superior, e nem sempre as especificidades dos dois níveis coincidem. Além disso, os referenciais existentes preocupam-se mais com "itens necessários à EaD" do que com a formação dos sujeitos, como aponta Alonso, (2013, p.21):

A perspectiva de qualidade dos referenciais tem a ver, nesse caso, com itens a serem cuidados nos projetos desenvolvidos por meio dela. A questão da qualidade implicaria, pois, reconhecer elementos que presentes num projeto educativo caracterizassem-na como uma modalidade de ensino. (ALONSO, 2013, p.21)

Ainda segundo a autora, essa lógica se reflete nos documentos de avaliação e autorização de cursos a distância. Deste modo, o trabalho dos avaliadores consiste em verificar se os itens indicados estão presentes ou não nos cursos e projetos de EaD.

O financiamento da Rede e-Tec, como todo programa de governo, está sujeito à instabilidade da concessão de convênios e de repasses através de cronogramas pré- estabelecidos (WILHELM, CARVALHO E PENTEADO, 2012). Assim, não existe a

possibilidade de cobrir um demanda extra, já que todas as despesas precisam ser previstas e comprovadas através dos Relatórios de Prestação de Contas.

Segundo Alonso (2010, p.1328) devido à forma como ocorre o financiamento dos projetos de educação a distância nas instituições públicas, as vagas geradas na EaD não são computadas no total geral da oferta de cada uma delas. Deste modo, os cursos e programas desta modalidade são desenvolvidos fora da matriz orçamentária das instituições, colaborando para que os mesmos não sejam instituídos de fato nelas. Além disso,

Como o financiamento é restrito aos anos de integralização de um curso, a possibilidade de que os alunos da EaD sejam respeitados em seus ritmos e tempos de aprendizagem é equivocada, gerando diferenças significativas entre o aluno do presencial e o do não presencial. (ibidem)

Assim como no Sistema Universidade Aberta do Brasil, os profissionais da Rede e- Tec são contratados através de um Sistema de Bolsas, sem vínculos empregatícios. Isso implica em uma sobrecarga do trabalho docente, já que na maioria das instituições públicas o tempo de serviço prestado na EaD não é computado na carga horária semanal (ALONSO, 2010, p.1329). Acaba também originando a visão de que a EaD seria um "bico", um "trabalho extra" que não necessitaria de grande esforço e dedicação.

A fragmentação do trabalho também é nítida na Rede e-Tec, lembrando o paradigma fordista devido à presença de características como racionalização do trabalho, divisão de tarefas e produção em massa. O quadro 3 permite visualizar as modalidades de bolsas disponíveis na Rede e-Tec, e as funções atribuídas a cada profissional:

Quadro 3. Modalidades e atribuições dos bolsistas da Rede e-Tec

MODALIDADE FUNÇÃO

Coordenador Geral Coordenação e apoio aos polos presenciais e no desenvolvimento de projetos de pesquisa relacionados aos cursos e programas do e-Tec;

Coordenador Geral Adjunto

Apoio ao coordenador geral em suas atribuições;

Coordenador de Curso Coordenação de cursos implantados no âmbito do e-tec e desenvolvimento de projetos de pesquisa relacionados ao curso;

Coordenador de Polo Coordenação do polo de Apoio Presencial;

Coordenador de Tutoria Coordenação de Tutores dos cursos implantados no âmbito do e-Tec e no desenvolvimento de projetos de pesquisa relacionados aos cursos;

Professor-pesquisador Atividades típicas de ensino, de desenvolvimento de projetos e de pesquisa relacionados aos cursos e programas implementados no âmbito do e-tec;

MODALIDADE FUNÇÃO

Professor-pesquisador conteudista

Elaboração de material didático e desenvolvimento de projetos e de pesquisa relacionados aos cursos e programas implantados no âmbito do e- tec;

Tutor (presencial e a distância)

Exercício de atividades típicas de tutoria, explicitadas nos projetos pedagógicos dos cursos;

Fonte: Elaboração própria a partir da Resolução/CD/FNDE nº 18 de 16 de junho de 2010.

No quadro acima é possível verificar que as funções explicitamente relacionadas ao ensino estão distribuídas entre o professor-pesquisador, professor-pesquisador conteudista e o tutor. No entanto, não ficam claras as atribuições específicas de cada um no processo, já que estas deverão ser explicitadas no Projeto Pedagógico dos Cursos (PPC).

O Decreto nº 5.622, deixa claro que todos os projetos pedagógicos de cursos e programas na modalidade a distância deverão "obedecer às diretrizes curriculares nacionais, estabelecidas pelo Ministério da Educação para os respectivos níveis e modalidades educacionais" (BRASIL, 2005). Ou seja, no que se refere à Educação Profissional Técnica de Nível Médio, objeto de análise deste estudo, a Rede e-Tec deve estar em consonância com as Diretrizes Curriculares para o Ensino Técnico de Nível Médio, (Resolução/CEB nº6 de 20 de setembro de 2012).

No entanto, apesar da existência dessa determinação, um Grupo de Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina, a pedido do MEC, elaborou um documento alternativo denominado Currículo Referência para o Sistema e-Tec Brasil. Na introdução deste documento, as categorias definidas para a organização e análise da Matriz Curricular de Referência são compreendidas como:

competências, habilidades, bases tecnológicas que possibilitam uma análise das implicações entre si e, ao mesmo tempo, desencadeadas e limitadas a partir do perfil profissional que se deseja formar, definido pelo projeto dos cursos para, então, mapear os conteúdos que podem dar conta da formação desejada, expressos em forma de ementas. (CATAPAN et al, 2011, s/p)

Essa matriz está fortemente organizada com a lógica das competências típica da lógica neoliberal, na qual, segundo Deluiz (2001, p.2), conhecimentos e habilidades adquiridos no processo educacional, precisam ter uma utilidade prática e imediata, tendo sua qualidade avaliada de acordo com o produto final, que é o trabalhador instrumentalizado de acordo com as necessidades do sistema produtivo. Ainda segundo a autora,

A lógica das competências perpassa de forma contraditória, mas complementar, o mundo do trabalho: no núcleo do trabalho formalizado, a apropriação pelo capital do saber, do saber- fazer e do saber-ser dos trabalhadores, implica uma busca constante de ampliação e atualização do seu portfólio de competências e uma renúncia permanente aos seus interesses de classe em favor dos interesses empresariais. (ibidem)

Ou seja, a lógica das competências pressupõe a apropriação por parte do capital de saberes dos trabalhadores, que não foram adquiridos apenas na esfera formal, mas ao logo de suas experiências de vida e trabalho. Essa concepção está em consonância com os quatro pilares da educação propostos o documento "Educação Um Tesouro a Descobrir: Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI" organizado por Jacque Delors e seus assessores:

"aprender a conhecer, isto é adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas; finalmente aprender a ser, via essencial que integra as três precedentes". (DELORS et al, 1999)

Especialmente o primeiro pilar possui uma ligação direta com a lógica de competências, já que consiste em aprender a fazer o que o mercado de trabalho, em constante transformação, necessita. Inclusive no Relatório Delors é esclarecida a passagem da noção de qualificação para a noção de competências:

Aprender a fazer não pode, pois, continuar a ter o significado simples de preparar alguém para uma tarefa material bem determinada, para fazê-lo participar no fabrico de alguma coisa. Como conseqüência, as aprendizagens devem evoluir e não podem mais ser consideradas como simples transmissão de práticas mais ou menos rotineiras, embora estas continuem a ter um valor formativo que não é de desprezar. (DELORS et al, 2001, p.93)

Os quatro pilares deste relatório têm sido amplamente utilizados como elementos mediadores para o planejamento dos processos de aprendizagem a distância no Brasil, e dentre eles, na própria Rede e-Tec Brasil. Isso ocorre porque, como visto no primeiro tópico deste capítulo, a expansão da EaD como modalidade educativa sobretudo neste século XXI é decorrente de sua adequação ao novo estágio de acumulação do capital e das transformações na formação da classe trabalhadora.

Os organismos multinacionais, como a UNESCO, são vistos como os "grandes conselheiros" para que, através da educação, os países subdesenvolvidos e em

desenvolvimento alcancem o mesmo patamar dos países desenvolvidos. Dentro deste pacote de recomendações, encontram-se, pois, o desenvolvimento da EaD e utilização dos quatro pilares anteriormente definidos como princípios para os processos educacionais.

São inúmeras as contradições existentes na coexistência de lógicas distintas em ação nos currículos e práticas de Educação Profissional no Brasil. Como apontam Ciavatta e Ramos (2012, p.34), apesar dos documentos oficiais elaborados na última década apontarem uma tendência progressista de rompimento com a lógica do capital, "é na política oficial e no senso comum de seus dirigentes que se manifesta a concepção de educação influenciada pela classe dominante" (ibidem).

Costa (2013) com base em seus estudos sobre a Educação Profissional e sobre a Educação a Distância, considera que as ações referentes à Rede e-Tec "demonstram objetivar apenas a formação pragmática e imediatista de forma a atender as demandas de mão-de-obra e os índices de matrículas" (ibidem, p.10). Neste sentido, a autora considera a Rede e-Tec uma política neoliberal que está amparada em bases comportamentais, e não em elementos que contribuam para formação dos sujeitos em uma perspectiva integral (ibidem).