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3 O CONTATO COM O CAMPO DE PESQUISA E A ANÁLISE DA

3.2 A ENTRADA NO CAMPO E A DIMENSÃO EPISTÊMICA DA

Os primeiros contatos que mantive com os atores da escola aconteceram no final do último semestre de 2008. Todavia, não considero que a pesquisa tenha se iniciado nesse período, posto que não havia nada ainda muito estruturado para isso. Minha intenção era fazer o reconhecimento dos espaços na escola e estabelecer algumas relações iniciais com os sujeitos, a fim de melhor planejar a pesquisa. Além disso, conforme sugerem Bogdan e Biklen

(1994), estava a perseguir a finalidade de deixar os sujeitos tão à vontade que pudessem chegar ao ponto de me fazerem confidências.

Essa foi uma tarefa bastante difícil, especialmente no caso dos professores da EEJJAA, visto que no início do trabalho eles se mostraram um pouco “incomodados” em virtude de a minha atenção se voltar, de maneira mais acurada, para as suas atividades. Embora já conhecesse algumas pessoas da escola, com quem mantive os primeiros contatos em outras ocasiões, meu interesse pelos professores da EJA, suas formações, suas práticas e discursos se tornava evidente para todos e, de certa maneira, isso os incomodava. Assim, em consequência de tal interesse, aliado ao fato de eu ter me apresentado como professor da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte do Campus Avançado Walter de Sá Leitão, alguns receios e expectativas surgiram entre alguns e aberturas de outros. Tal fato pode ser explicado pela formação adquirida no campus onde trabalho como professor e a boa relação que alguns professores mantiveram com a instituição, dando credibilidade a ela.

De acordo com os trechos a seguir, percebemos que uma primeira sensação que eles tiveram a meu respeito foi a da chegada de alguém que sabia mais do que eles e que estava ali para “inspecionar” os seus trabalhos.

Eu achei que você era um [...] que vinha pesquisar o quê que a gente... o quê que a gente tava fazendo com os alunos, se a gente tava sa... é sabendo lidar com eles, o quê que a gente tava fazendo, se o que a gente tava fazendo era certo, ou era errado... eu pensei também que você vinha até nos auxiliar no planejamento da gente (GILKA, 2009).

Eu imaginava que você ia ficar nas salas de aulas observando a gente, como seria o nosso trabalho, se eu estaria trabalhando bem, se não. Assim... Imaginava também que você fosse ensinar alguma coisa pra gente, né? Alguma coisa que a gente ainda não sabe ou quer aprender. Era isso que eu imaginava, mas principalmente que você ia ficar observando nas salas de aula (risos). Então eu já pensava assim: Meu Deus, será que ele... será que ele vai gostar do meu trabalho? Será que ele vai achar que eu tô trabalhando bem, ou não? (MARTA, 2009).

Eu não conheci você igual com as outras meninas, né? Você lembra? Eu não te vi logo que você chegou. Então, eu cheguei aqui uma manhã, e você já tinha vindo um dia... acho que a tarde! Não sei como foi o seu primeiro dia aqui! Eu sei que eu não te avistei de jeito nenhum! De forma alguma eu o vi! Então, conversando com os colegas e eles me dizendo que tinha essa pessoa na escola, eu disse: eita! Veio fiscalizar o nosso trabalho! (risos) Eu disse: pelo amor de Deus! (JOÃO MARIA, 2009).

Essas falas foram gravadas em conversas espontâneas com alguns professores. Conforme podemos perceber, minha presença despertou, no início, a construção de uma

imagem de alguém que vinha para avaliar o trabalho e que, a partir dessa avaliação, poderia propor mudanças no modo de conduzirem suas práticas docentes na escola.

É compreensível que os professores tenham pensado dessa maneira, porque seus comentários não são de toda sorte infundados. Eles vêm confirmar o que Charlot (2002b) observa sobre o relacionamento que comumente se estabelece entre os professores da Educação Básica e os pesquisadores que frequentam as escolas. De acordo com o autor, esse relacionamento

[...] é, muitas vezes, vivido pelos professores como situação de avaliação, numa relação hierárquica: o professor formador pertence à universidade e a universidade despenca nas cabeças a hierarquia do saber. [...]; e qualquer que seja o comportamento do professor da universidade, por mais simpático que seja, o professor [da educação básica] vai sentir-se avaliado, vai sentir uma hierarquia intelectual (CHARLOT, 2002b, p. 92).

Apesar de todos os cuidados que os pesquisadores procuram tomar, é sempre possível que essa impressão inicial seja tecida na situação de pesquisa, como ficou bem evidente no comentário da professora Eliete, a seguir exposto:

Quando eu perguntei por você, me disseram: Ele veio aí ontem. Fiquei um pouco preocupada, mas aí a minha amiga me disse: - Não, mulher, ele é uma pessoa tão bacana! Aí, eu disse: - Sim, eu sei!! Então, aí foi criando [...] criei essa imagem antes de lhe conhecer, né? Então, eu lhe vi outras vezes. Você chegou... a gente nem chegou a conversar! Você sentou ali à mesa e só disse assim: - Acho que você não estava no dia que eu vim, não é? Eu disse: - Não, não estava! E eu um pouco tímida. Você [...] esse doutor, aí, que eu não... nem sei quem é! Primeiro eu vou estudar pra pisar no terreno, e aí você muito espontâneo, uma pessoa muito bacana, e a gente foi vendo que não era nada disso (ELIETE, 2009).

De acordo com essa fala, parece-me coerente a afirmação de Bogdan e Biklen (1994), a qual afirma que todo início de trabalho investigativo comporta um risco que pode, dependendo da condução do processo, minar a qualidade do trabalho de campo, essas são, exatamente, as fragilidades por que passa o estabelecimento das relações entre o pesquisador e os seus colaboradores. Ciente desse risco, procurei ganhar a confiança dos professores por meio de um contato diário, sem muitas perguntas e deixando-os bastante a vontade para responder, ou não, uma ou outra indagação que, por ventura, fosse feita.

O estreitamento dessa relação de confiança começou a acontecer por meio dos encontros mensais para o planejamento. Quando cheguei à escola para realizar, efetivamente, a pesquisa em 2009, já se havia passado um bom tempo desde a minha primeira visita.

Estávamos em março de 2009 a espera de que as salas de aula da EJA ficassem prontas para receber os alunos. Por causa desse contratempo, a solução que a diretora da instituição encontrou, juntamente com os professores e alunos, foi a de realizar as aulas apenas aos sábados, uma vez que, durante a semana, as salas de aula estavam disponíveis apenas para as turmas do Ensino Fundamental (EF).

Nesse contexto, para não ficar sem ocupação durante a semana, os 10 professores vinham à escola, de terça a quinta-feira, para realizarem o planejamento das aulas do sábado. Ele acontecia na sala dos professores, lugar onde se reuniam todos os docentes da escola, tanto na hora do intervalo como em outros momentos. Conjugada a ela, estava a sala da Supervisão Escolar, função que era desempenhada por 04 profissionais, 02 das quais também exerciam o trabalho de professora da EJA..O ambiente era muito agradável, com uma boa ventilação. No entanto, era muito barulhento em virtude da proximidade às salas de aula.

Havia uma mesa grande em volta da qual aconteciam as reuniões e onde as 04 supervisoras atendiam, em forma de revezamento, tanto aos professores da EJA quanto aos do EF. Durante o planejamento das aulas da EJA, o trabalho da supervisora que estava conosco se reduzia a dar um suporte aos professores no que concerne ao material que iriam precisar para planejar. Desse modo, o seu trabalho consistia em expor muitos livros didáticos da EF (tendo em vista que a escola não dispunha de livros, específicos, para a EJA) sobre a mesa da sala, providenciar as cópias das tarefas no mimeógrafo, além de suprir a necessidade de outros recursos tais como: papel ofício, cartolinas, lápis e pincéis.

Esses materiais eram utilizados para a elaboração de exercícios, que envolviam a leitura e a escrita com os alunos e demais atividades das disciplinas. A essas atividades era dada uma ênfase especial, já que as professoras da alfabetização e sistematização inicial falavam de uma certa pressão, por parte dos alunos, em razão do fato de que os alunos “não estavam aprendendo nada” na escola. Segundo os professores, essa expressão era comum entre os alunos, porquanto para eles, eles já deveriam, no mínimo, saber ler e escrever, utilizando, corretamente, o alfabeto. A partir dessas constatações, percebi que as turmas da EJA se configuravam como classes de alfabetização para alguns alunos, mesmo em níveis diferentes ao da alfabetização. Portanto, para atender às necessidades dos discentes, os professores quase que restringiam as ações de ensinar a ler e escrever às técnicas didáticas para alfabetizar jovens e adultos. Destaco que essa atitude era praticada pelos professores, independente da disciplina que lecionavam.

A concepção da EJA ––de alfabetizar, ensinar a ler e a escrever, justifica tanto esforço no sentido de que os alunos dos níveis I e II da EJA e demais níveis aprendessem as letras do

alfabeto, a ler e a escrever, mesmo já estando no nível III e IV. Isto revela a limitação conceitual dos professores sobre a EJA. A concepção materializada nas ações dos professores limita essa modalidade da Educação apenas ao processo de alfabetização, distanciando-se da concepção da EJA enquanto educação permanente, desenvolvida ao longo da vida e avançando nos demais níveis de ensino. A partir dela, comecei, então, a ficar atento às nuances da relação epistêmica com o saber dos professores, sobretudo no que concerne ao ensinar, enquanto ações indissociáveis que constituem a Educação de Jovens e Adultos. Vejamos algumas falas dos professores:

A professora tem de ensinar, e dar aquele amor que o aluno está necessitando e que os pais não deram. Entendeu? Então, se ele vem a nossa procura, a gente tem de abraçar! Entendeu? Tem de abraçar! Procurar abraçar aqueles alunos, porque elas são carentes! (MARTA, 2009).

Eu acho que educar é... é... transformar! Certo? Como eu acabei de dizer, transformar em cidadãos, né? Ele vai desenvolvendo e vai ter que... como é que se diz?... dia a dia, passo a passo, ele vai ter que ir descobrindo... não é isso?... o rumo de sua vida... dentro da educação. Entendeu? (RAIMUNDO, 2009).

Eu acho que a leitura e escrita pra o aluno na Educação de Jovens e Adulto, ele é tudo, né? Quase tudo! Não é tudo porque a gente sabe que na educação de jovens e adultos não e só isso. A socialização é muito importante para um aluno! Desde cedo! Mas, a gente pode criar as condições para que tenham os conteúdos e que o aluno nem perceba que está estudando “a”, “e”, “i”, “o”, “u”, o alfabeto, a ler e escrever, entendeu? (ELIETE, 2009).

Como podemos perceber, o processo de objetivação-denominação dos professores para o que é ensinar revela uma necessidade apresentada pela defasagem do ensino e uma aproximação das ações educativas desenvolvidas na EJA. No entanto, essas ações não deixam de ter, na visão dos professores, um caráter de complementaridade. Para eles, a leitura e a escrita vêm em primeiro plano, e, em seguida, por meio de atividades socializadoras, envolvendo o sistema de escrita alfabética, devem oferecer o saber necessário ao desenvolvimento intelectual e moral do aluno, bem como a sua socialização.

Por se tratar de jovens e adultos ensinar o alfabeto e as vogais são os conteúdos mais indicados, na concepção dos professores, para que eles comecem a ter contato com a língua escrita e, assim, cheguem à alfabetização como meta principal da atividade de educar.

Alfabetizar é ensinar o básico. Eu acho, assim, conhecer as letras, fazer o nome, certo? O que a gente faz no planejamento! Eu acho que isso serve, assim, pra quando o aluno chegar no Ensino Médio pelo menos já sabendo o

básico. E, aí, num vai ter muita dificuldade (MARTA, 2009).

Alfabetizar vai de acordo com a cabeça de cada um, porque tem aluno que é mais fácil, ‘pega’ mais fácil! E tem aluno que a gente tem muito trabalho e num consegue chegar ao objetivo que a gente quer! Por isso, ... alfabetizar é muito difícil! É muito difícil de entrar as coisas... não sei se é porque ele tem problema em casa, e quando chega na sala de aula ele fica muito agitada, num quer prestar atenção! Eu num sei... porque acontece isso! (ELIETE, 2009).

Como é possível observar, o sentido de alfabetizar para essas professoras inclui não somente o ensino das letras, mas também outros conteúdos culturais básicos para que os alunos estejam bem preparados para entrar no Ensino Fundamental e Médio. Isto se justifica porque elas entendem que os alunos na EJA devem manter algum contato com o sistema de escrita alfabético, com a leitura e a escrita. Entretanto, é preciso que esse contato seja significativo para eles, e que se dê de maneira natural, sem as artificialidades de uma escolarização infantilizada. Um exemplo do efeito dessas artificialidades pode ser observado no próprio comentário de Eliete a respeito da preferência dos alunos pela brincadeira e conversa em detrimento dos exercícios de escrita que lhes são propostos. Assim, a preferência pela brincadeira, ocasiona, sem dúvidas, uma ausência de sentido desses exercícios para os alunos.

Tal como preconiza Vygotsky, não se pode negar que

[...] o ensino tem de ser organizado de forma que a leitura e a escrita se tornem necessárias [aos alunos]. [...] uma necessidade intrínseca deve ser despertada nelas e a escrita deve ser incorporada a uma tarefa necessária e relevante para a vida. Só então poderemos estar certos de que ela se desenvolverá não como hábito de mão e dedos, mas como uma forma nova e complexa de linguagem (VYGOTSKY, 2000, p. 155-156).

Destacar essa assertiva desse pensador russo é relevante para pensarmos sobre os exercícios que eram propostos pelos professores aos alunos da EJA. Entretanto, como já adverti, não tenho a intenção de julgar como certa ou errada tal proposta; pretendo, tão somente, compreender para explicar a razão pela qual, e o modo como, eles organizam a experiência educativa de seus alunos.

Eu acho que o melhor método é aquele que o aluno aprende, que ele consegue assimilar. Então, se eu vou pra sala de aula, eu tenho que... se é adulto, eu tenho que levar o interessante. É muito mais prazeroso pra um adulto ir pra sala de aula fazer atividades interessantes para ele. É muito

importante que a gente pense nisso, né? na hora, ali, de planejar! (ELIETE, 2009).

Os exercícios planejados para os níveis I e II eram utilizados, também, pelos professores dos níveis III e IV de Língua Portuguesa e demais disciplinas. A maioria desses exercícios era direcionada à fixação da leitura e escrita pelos alunos. Na fala ora apresentada, percebemos a atenção ao termo “interessante”, visto pela professora como ponto inicial para as atividades desenvolvidas em sala de aula. Apesar da presença dessa preocupação e de procedimentos específicos na EJA, o principal objetivo da atividade das professoras, como já foi dito de outro modo, era preparar os alunos para os ensinos subsequentes por meio da apropriação do sistema de escrita alfabética, da leitura e escrita.

Em outro momento do planejamento, as próprias professoras pareciam perceber que tais livros didáticos pretendem direcionar a capacidade de compreensão dos alunos jovens e adultos. Porém, elas diziam que ficavam meio perdidas porque tinham vontade de assumir uma postura mais construtivista, menos tradicional, mas tinham dificuldades para isto, e que os alunos diziam que elas estavam “enrolando aula”, ou seja, usando a brincadeira ou outras atividades como desculpa para passar o tempo e não ensinar.

O curioso é que não havia na escola nenhuma mobilização para que os professores e alunos da EJA pudessem participar das discussões acerca da proposta pedagógica da escola, o que talvez os fizessem compreender melhor a natureza da EJA. Ademais, os professores pareciam não ser vistos como profissionais que estudaram e se prepararam para assumir as suas funções docentes em sala de aula da EJA.

Compreendo que os professores devem ter autonomia para saber como agir em sala de aula. Mas, pelo que pude depreender de suas falas, e do que presenciei, a opinião e a atitude dos alunos e da direção da escola são o que norteiam grande parte do trabalho docente. Como eles se reuniam durante a semana para elaborar as suas aulas, foi por meio dessas reuniões que consegui me aproximar de todos eles ao mesmo tempo, a fim de explicitar os interesses da pesquisa. Na primeira dessas reuniões, fui muito bem recebido pelo grupo com palavras de boas vindas e, após as apresentações coordenadas pela diretora da escola, recebi um “recado” muito claro. Uma das professoras, chamada Gilka, disse que eu era muito bem-vindo, mas deixou escapar, em outras palavras, que sua disponibilidade para cooperar comigo tinha um preço.

Segundo a mencionada professora, a minha convivência poderia se dar em forma de troca, pois se eu estava ali para aprender com eles, eu também poderia dar alguma

contribuição para a melhoria dos seus trabalhos. Além disso, a professora Gilka me solicitou que não “observasse” apenas as suas falhas, posto que eles também se colocavam na posição de quem quer e precisa aprender sempre mais. Entendi o “recado” e me pronunciei acerca das intenções deste trabalho. Contudo, apesar das explicações com relação à pesquisa, uma expectativa se mostrou, constantemente, presente nos comentários dos professores a respeito do que eles imaginavam em relação às minhas visitas na escola.

Eu pensei que você ia ajudar a gente bastante, né? É... é passar novos conhecimentos pra gente, fazer um curso, alguma coisa pra gente! Foi só isso o que eu imaginei (ELIETE, 2009).

Bom, quando falaram, assim, que vinha um professor pra trabalhar com a gente. Eu disse: Oh! Coisa boa! Só assim ele vai ajudar a gente! Vai ser ótimo porque, assim, vamos ter mais conhecimento ainda! Aí, quando você chegou, né? Se apresentou e tudim, eu disse: - Esse aí é o professor? A diretora disse: - É. Aí, eu achava assim que você vinha trabalhar com a gente! Assim que você vinha passar... os seus conhecimentos pra gente, entendeu? Eu disse: - Oh! Coisa boa! (risos) Então, vai aumentar mais os conhecimentos da gente! (JOÃO MARIA, 2009).

Diante desses comentários, fiquei receoso de não conseguir desfazer tal expectativa, pois ela não correspondia ao meu intuito naquela escola. Como se pode perceber, os professores estavam ávidos por uma ajuda em relação ao trabalho docente deles. Nesse sentido, depositaram em mim as expectativas dessa ajuda, visto que a coordenação pedagógica da escola não estava atendendo às necessidades profissionais daqueles profissionais. Além dessa expectativa, a resistência silenciosa a minha presença se fazia mostrar, constantemente, por meio de perguntas, tais como: Estou fazendo certo? Será que é assim que eu devo fazer? O que você está achando de nosso planejamento? Apesar de responder, calmamente, a essas perguntas, sentia que eles estavam atravessados por um ranço avaliativo em relação a mim.

Acredito que esse tenha sido um dos principais conflitos da minha relação com a alteridade naquela escola. Foi preciso dizer que eu não viria mais aos planejamentos porque os professores não haviam compreendido os meus propósitos. Disse-lhes que não estava ali para julgar ou avaliar o trabalho deles nem tampouco para dar um curso sobre a EJA, já que eu tinha o objetivo de aprender sobre isso com eles. Depois desse momento, eles passaram a não tocar no assunto com tanta frequência e amenizaram os comentários com relação as minhas observações, embora não tenham deixado, completamente, de fazê-lo.

espécie de assessoria para eles, eu deveria passar-lhes alguns conhecimentos. Essa ideia de formação baseada no repasse de conhecimentos parece ter sido construída de maneira bastante sólida entre os sujeitos daquela escola. É como se todos tivessem introjetado a imagem do formador como alguém cuja função é passar conhecimentos para os seus formandos. Desse modo, a postura dos professores diante do saber parece ainda distante de um Eu epistêmico, o qual, para Charlot (2005), é o sujeito como puro sujeito de saber, que se inscreve no âmbito da universalidade, da objetividade, e que é distinto do Eu empírico, porquanto este diz respeito ao Eu envolvido em experiências de natureza cultural, moral e social e denunciadora de uma experiência de formação que remete, frequente e culturalmente, à noção de um repasse professoral.

Os sujeitos não percebem que sem o mínimo de desafio e de esforço intelectual, por meio do simples repasse, os conhecimentos pouco serão transformados em uma rica