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5 A CONSTRUÇÃO DOS SABERES DE PROFESSORES DA EJA:

5.1 O SABER E SEUS PROCESSOS DE CONSTRUÇÃO: A DIMENSÃO

5.2.1 A relação do professor com os alunos jovens (adolescentes) e adultos

Uma das mais fortes características da relação dos professores com os alunos, em especial com os jovens e adultos foi a de um “cuidado quase maternal\paternal”, tendo em vista que todos mencionaram o fato de que esses alunos são para eles como filhos que não tiveram. Essa afirmação, por certo, versa apenas sobre o modo como os professores representam, simbolicamente, os alunos de suas salas de aula, já que quase todos passaram pela experiência de ser mãe e pai. Nesse sentido, ao observar as falas abaixo, percebo que algumas palavras e expressões ajudam a deixar claro que os professores conhecem bem a distância entre o “ser mãe e pai” e o “ser professor(a)” desses alunos.

Os alunos em destaque os adolescentes de 13 e 14 anos, com quem eu trabalho são aqueles filhos que eu não tive. Entendeu? Eu amo eles! (IRENE, 2009).

Acho que os jovens e adultos não tem como comparar! Eles são especiais, devido a sua condição!, Assim, já por ser adolescente, jovem, né? Eu posso comparar, assim, a meu filho! Se eu quero que a professora queira bem ao meu filho, então, assim vou fazer com os outros, como se fosse meus filhos! Eu comparo eles, as meus filhos! É como se eu estivesse lidando com o meu filho. Aí, eu vou querer o mal pro meu filho? Então, eu num vou querer o mal pros meus alunos também não! (WANJA, 2009).

O adolescente é pureza, né? A gente olha ele e ele já transmite pra nós um carinho. Mesmo aquele... Mais inibido. Mas, se você olhar, assim, você já sente o olhar, né? E eu... Eu me sinto realizada em trabalhar com esses alunos (GILKA, 2009).

Como se pode perceber, apesar de as expressões usadas pelas professoras Gilka e Wanja denotarem um forte sentimento de mãe em relação aos alunos-adolescentes, elas sabem

que precisam manter a distância. Esse processo de “distanciação-regulação” se torna claro quando as professoras citadas assumem os alunos como alguém “com quem eu trabalho”, e a situação relacional concreta enquanto posição condicionante “se eu estivesse lidando com o meu filho”. Portanto, seria incoerente da parte de alguém que afirmasse que as professoras estão confundindo seu papel na instituição escolar.

Eu adoro aquele afeto, aquele amor que os alunos têm por nós. A confiança que eles passam... Eles vêm com uma certa carência de afeto e aí a gente abraça... Eu percebo que sou como se fosse, pra eles, uma segunda mãe naquele momento, ali. Isso pra mim, eu acho gratificante! Esse amor que eles têm pela gente... Essa confiança (ELIETE, 2009).

A fala da professora Eliete reforça, destarte, o que se vinha discutindo anteriormente, quando ela diz: “eu percebo que sou como se fosse, pra eles, uma segunda mãe naquele momento”. No entanto, dizer “como se fosse” não significa assumir que “é”. Diante disso, elas estão, conscientemente, trazendo para seu trabalho a dimensão afetiva que tende a não prescindir da função do professor na EJA.

Isto se explica porque, no caso em questão, o “ser professora” não implica abrir mão do “ser mãe”, do “ser mulher” nem de todas as características inerentes à construção da personalidade feminina. Apesar de se configurarem como papéis sociais bastante distintos, eles terminam se complementando em função das “[...] múltiplas formas de ser, sentir e agir [que] são engendradas [por meio das] inúmeras e complexas redes que fabricam [esses sujeitos]” (PERÉZ, 2004, p. 89). Com isso, passei a ser mais compreensivo a respeito de tal comportamento, uma vez que se trata de uma estratégia das professoras para melhor gerir essa atividade tão específica e tão impregnada de afetividade.

Uma outra característica da relação dos professores com os alunos denota um grande “investimento pessoal”.

Eu vejo os alunos como um... sei lá... Uma esperança! O meu futuro! O adolescente, o jovem e o adulto é o meu futuro! E dali eu estou, futuramente,... Vou estar lá em cima, através da aprendizagem deles, porque eu quero ser um bom professor para eles. E o sucesso dele é também o meu sucesso! O meu sucesso! (RAIMUNDO, 2009).

Nós professores somos mediadores,... né? A gente tá ali pra resolver a vida dos alunos... A gente precisa dar carinho e atenção, porque, às vezes, tem aluno carente, e aí eles se apegam! Eu quero um bom professor! Se for um professor que goste de dar carinho, eles se apegam! E eu goste dessas coisas, assim: dar carinho, atenção, né? Eles adoram e eu também! (PEDRO, 2009).

Com base na fala de Raimundo, é possível inferir que a aprendizagem do aluno é valorizada na medida em que ela valida sua atuação como professor. Sua realização ou sucesso, como é chamado por ele, depende também do sucesso do aluno. Por esse motivo, zelar pela aprendizagem do aluno implica cuidar da própria imagem de “bom professor”.

Já no caso de Pedro, o investimento se dá por meio da troca de carinhos e de atenção entre os alunos e ele. Entretanto, essa troca não me parece ser gratuita, já que se apresenta como uma possibilidade para que o professor cumpra com sucesso sua função de mediador do conhecimento. Se, como professor, Pedro está ali “pra resolver a vida” dos alunos por meio da mediação, então, faz-se, extremamente, necessário que ele conquiste a colaboração dos alunos nessa tarefa.

Para ser professor da Educação de Jovens e Adultos, primeiro de tudo é preciso gostar de ensinar, depois se empenhar na profissão. É preciso dar o melhor de si para os alunos e estar sempre buscando se aperfeiçoar, ampliando novos horizontes, porque a educação não para no tempo. Por isso, procuro aprimorar meus conhecimentos para as mudanças da minha prática pedagógica e estar sempre atendendo as necessidades dos alunos, através dos conteúdos que a gente passa, né?... Assim, aqueles que a gente vê que eles vão aprender! Não é só a gente repassar, mas que haja uma troca de conhecimento entre os dois: o aluno e o professor. Porque se ele não aprende, se não tem esse conhecimento, como é que ele vai, né? Ter mais sucesso na frente? Então, quando eu chego aqui, a gente se transforma; é uma alegria! uma satisfação! ver o aluno aprendendo, né? (PEDRO, 2009). Portanto, para o professor, dar carinho e atenção é uma qualidade para quem quer fazer um bom trabalho na Educação de Jovens e Adultos.

Uma terceira, e última, característica que identifiquei na relação dos professores com alunos passa pelo calibre da “responsabilidade profissional”.

Eu sou muito, assim, preocupada na questão do aluno aprender. Aprender a ler, aprender a ter boas maneiras. Por isso, mesmo se eu estou com algum problema, eu procuro fazer o máximo para não interferir no meu trabalho!... Eu também não sou perfeita, né? Tenho minhas falhas, mas não posso passar pro aluno o que está acontecendo comigo no momento, tá entendendo? Tenho que saber... é... Separar as coisas! (ELIETE, 2009).

Eu queria muito aprender a fazer com que todos os alunos aprendessem igual, que o que eu ensinasse, todos aprendessem... Todos! Não só alguns, que fossem todos... Que valesse para todos! Por isso, vou vendo a necessidade deles, vou prestando muito atenção a necessidade de todos. Porque... a gente... percebe de imediato diante..., Assim, quando a gente chega na sala de aula, quando a gente faz o diagnóstico, que não são todos iguais, ou seja, o nível não... Eles não têm níveis iguais, não é? O que um aprendeu hoje, o outro já vai aprender daqui a um mês... não é? Ou daqui a

duas semanas. O que eu posso dar hoje, um aluno pode... Dois, três, quatro, cinco, entender tudo! Enquanto isso, cinco ou dez só vão entender daqui a um mês... E é isso que eu queria...: fazer todo mundo aprender igual (ANSELMO, 2009).

Nos dois exemplos expostos, a preocupação com a aprendizagem do aluno mostra-se presente, embora de modos diferentes. A meu ver, apesar da distinção, tal inquietação representa para os dois professores um auto-convencimento acerca de seu trabalho como sendo de qualidade e, profissionalmente, correto.

No que concerne ao relato da professora Eliete, o fato da profissionalidade passa, em primeiro lugar, por favorecer aos alunos os conhecimentos de que ela precisa para se desenvolver. Aliado a isto, os problemas pessoais da professora não podem interferir em suas relações pedagógicas. Portanto, para ser uma “boa professora”, segundo a entrevistada, faz-se necessário não somente saber como se promove a aprendizagem do aluno, mas também como se administra essa tarefa, separando os problemas de ordem pessoal daqueles que são inerentes à própria relação com o aluno.

A respeito da fala de Anselmo, chamam-me a atenção as ideias que se apresentam de modo contraditório, sem que o próprio professor se aperceba disso. Para ele, é preciso prestar a atenção nas necessidades individuais de cada aluno, a fim de que lhes seja facilitada a aprendizagem. Contudo, o desejo do professor é o de que seu trabalho pudesse ajudar todos os alunos a aprender de forma homogênea, abolindo as diferenças entre os níveis e os tempos individuais que são típicos nesse processo de ensinar e aprender. Ainda que o referido professor reconheça o fator temporalidade na aprendizagem dos alunos, suas expectativas para o que considera ser um bom professor remetem à unidade na atividade intelectual dos alunos; e isto, pelo que já discuti, anteriormente, acerca do ato de aprender, parece-me um tanto difícil de ele conseguir.

Por efeito do que venho apresentando, infiro que o aprendizado dos professores sobre a atividade de educar, mediante sua relação com os alunos, apresenta duas “figuras do aprender” bastantes específicas e inter-relacionadas. A primeira delas trata do “domínio da própria atividade”, para a qual os professores se fazem “lugar de apropriação”, ou seja, tornam-se um “Eu” enquanto “[...] sujeito encarnado em um corpo” e “imbricado na situação”. Simultaneamente a essa primeira figura, a segunda diz respeito ao “domínio da relação” com os alunos, para qual os professores se tornam “sujeito afetivo e relacional, definido por sentimentos e emoções em situação e em ato”. Todavia, faz-se relevante salientar que, segundo Charlot (2000, p. 69-70), em nenhuma das duas figuras, e seus respectivos

processos epistêmicos, o saber, como “produto do aprendizado”, pode ser “separado da relação em situação”.

Além dessas duas figuras, uma outra também se fez presente na relação com os alunos: o “saber-objeto ou saber objetivado”.

Conhecer as fases do desenvolvimento do ser humano é a primeira coisa que se deve saber para ser professora de criança, jovem e ou adulto; depois, conhecer os referenciais, as teorias da área em que se ensina e fazer muita leitura (JOSÉ, 2009).

O trabalho com jovens e adultos requer que o professor tenha algum conhecimento sobre a psicologia, conheça a literatura tenha uma ampla visão de mundo (ANSELMO, 2009).

É muito importante que o professor conheça e valorize as fases de aprendizagem de cada aluno, iniciando com atividades mais simples e depois com as mais difíceis, pra que esses conhecimentos se ampliem (RAIMUNDO, 2009).

Assim como José, a maioria dos professores ressaltou a necessidade de se conhecer as fases do desenvolvimento do ser humano para trabalhar na EJA. Em adendo, as falas subsequentes a dele trazem outras “objetivações-denominações” que foram, igualmente, expostas, nas quais se pode observar a nomeação precisa de saberes-objetos, tais como, por exemplo, no momento em que os professores se referem à literatura.

Considerando todos os elementos de tais relações, tomo-as como outras fontes de construção da relação com o saber do professor da EJA. Isto se justifica porque as situações de aprendizado não são, para Charlot (2000), marcadas apenas pelas pessoas, mas também pelos locais onde elas interagem e por uma infinidade de momentos vividos nesses locais.