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4 AS MOBILIZAÇÕES DE PROFESSORES DA EJA: A ENTRADA NA

4.1.1 A “escolha” da profissão: modos experienciados de aprendizagem

4.1.1.3 Anselmo: eu pensei comigo mesmo basta

Anselmo é católico, tem 38 anos de idade, casado e pai de um único filho. Trabalha desde os 10 anos de idade e iniciou a sua vida profissional como artesão. Atualmente, além de professor da EJA, é também artesão, mas das duas funções que desempenha, prefere a de professor porque sente a necessidade de exercitar a mente, refletindo sobre seus erros e acertos, o que não se sente mobilizado a fazer em relação à outra ocupação.

Ser professor para Anselmo foi um sonho, mas que acabou ainda na juventude. Por esse motivo, a necessidade de ter um trabalho estável foi o que fez com que ele abandonasse por um tempo o seu trabalho de artesão, a fim de se dedicar à sala de aula.

Quando eu era bem novinho, eu não tinha nem o Ensino Médio ainda... Eu sonhava, assim, em ser professor. Quando foram passando os anos, eu não tinha esse sonho mais! Porque eu era... Eu percebi que na hora de apresentar os trabalhos no magistério, eu era tímido. Sabe? Então, eu percebi... Eu tava percebendo que não ia dar certo eu ser professor. Mas, era um meio... o meio mais eficaz, assim, né?, De trabalho. Você estando na sala de aula, você não tinha como estar desempregado, depois que você entrasse, né?... Que você fosse... Que eu fosse professor, não tinha como ficar desempregado (ANSELMO, 2009).

Nas palavras do professor, é possível observar que o motivo de sua opção pelo magistério teve como finalidade consciente desviar-se do risco de ficar desempregado. Portanto, escolher a docência como profissão foi para ele uma ação deliberada para a qual atribuiu um significado particular, ou seja, um sentido: ser professor “era um meio eficaz de trabalho”.

Assim, apesar da timidez, Anselmo resolveu assumir a docência pelo fato de querer garantir sua estabilidade no trabalho e também de não suportar mais trabalhar como artesão.

Eu terminei o magistério... e não tinha um trabalho, né? Assim... um trabalho, porque, na época, as pessoas conseguiam trabalho por meio de pistolão, assim, né? Era uma época que nem necessitava de concurso para se conseguir uma sala de aula pra ensinar. Então, qualquer pessoa conseguia, só que, na época, eu não consegui. Então, eu fui trabalhar como artesão... Fui convidado por uma amiga. Daí, foi um período de sete anos! Eu comecei a fazer trabalhos manuais, daí fui aumentando os meus conhecimentos, passei já a mexer com artes. Após esses sete anos, passei mais três anos tentando a vida... aí, quando chegou três anos, aí, eu disse: Basta!! Eu pensei comigo mesmo: Basta! Não quero mais saber disso! (ANSELMO, 2009).

pública, especialmente o de professor, eram assumidos em épocas ainda recentes. Não havia concurso, e os “pistolões”, nome utilizado para designar as pessoas que tinham acesso aos cedentes desses cargos, geralmente beneficiavam os membros de sua família ou dos correligionários eleitorais.

Quando Anselmo diz que qualquer pessoa conseguia uma sala de aula para ensinar, vejo nessa afirmação um dos elementos responsáveis pela desvalorização do papel do professor neste país. Contudo, não posso dizer que o professor brasileiro tenha se tornado um profissional desvalorizado, apenas, porque assumiu sua atividade sem que ela tenha sido fruto de uma decisão motivada por um desejo. Isto nem mesmo se sustentaria porque o “desejo de” estaria presente, embora não fosse o desejo de ensinar, de ser professor, mas de ter um trabalho estável, como é o caso do professor entrevistado.

No período em que surgiu o concurso de professor, fazia tempo em que eu não lia... Nem pegava em nada de material didático, era só mesmo as do artesanato. E aí, fiz o concurso, passei!! Foi até um... eu até estranhei assim eu passar devido a tanto tempo... não ter pegado em nada, não ter estudado, nada, assim... de material didático, nada de... de... de aula! Passei... e foi um período difícil! Porque, na época, tava aquele rebuliço assim do... do... da mudança, do tradicional para o construtivismo. E aí, eu... há tanto tempo que eu já tinha terminado o magistério, eu era totalmente tradicional... e pra que eu começasse a trabalhar no Construtivismo, Nossa Senhora!, foi um caso sério. Aí, comecei a pesquisar, a participar de palestras, de seminários, né? e aí fui me acostumando... Foi um período muito difícil na escola em que eu trabalhava, era bem pequenininha, as pessoas trabalhavam, assim, totalmente diferente, eu querendo... querendo fazer cada dia, assim, algo... que desse certo, no Construtiv/... através do construtivismo, mas aí...comecei a aliar as duas coisas, né? Tradicional e Construtivismo, porque eu não ia entender totalmente o Construtivismo, e a gente vai aprendendo aos poucos (ANSELMO, 2009).

Para Anselmo, a aprovação no concurso foi uma surpresa, e isto se deve ao fato de que ele estava, há bastante tempo, distante das atividades escolares. Percebo ainda nesse detalhe, uma frágil confiança em si mesma, haja vista sua inscrição no concurso não deve ter prescindido de uma preparação mínima.

Há ainda outro fato interessante a ser analisado, que diz respeito a uma concepção corrente de estudo que o professor me faz inferir. Quando falo em estudo, estou me referindo ao ato de ler e de pensar sobre o que leu, seja para se manter atualizado ou para construir novos conhecimentos. Pelo que declara, embora tenha feito o curso Magistério, parece que não se sentia apto a enfrentar o concurso para o cargo de professor. Isto implica dizer que o ele parou de estudar logo que concluiu o seu curso, e se dedicou a outras atividades,

“esquecendo-se”, circunstancialmente, do que tinha aprendido. Portanto, estudar para o mesmo, e certamente para muitas pessoas, parece denotar uma atividade que não tem razão de existir fora do âmbito escolar.

Ademais, a realização do concurso coincidiu com o momento em que a teoria construtivista de Piaget (1975) era eleita no Brasil, por influência das pesquisas de Ferreiro e Teberosky (1991) acerca da psicogênese da língua escrita, como o novo método para o ensino da leitura e da escrita. Um equívoco das administrações públicas que resultou em umas das mais cruéis e desastrosas “experiências” pelas quais passou a Educação Brasileira. Não pelo fato de que a proposta de um ensino de base construtivista seja um equívoco, muito pelo contrário, mas porque a pouca compreensão da teoria piagetiana, aliada à interpretação da pesquisa de Ferreiro e Teberosky (1991) como um método de ensino, provocou consequências negativas no que diz respeito à aprendizagem dos estudantes.

Em parte, isto ocorreu porque os docentes parecem ter compreendido o Construtivismo como um modo de trabalhar em sala de aula, no qual o professor não ensina, e o aluno, por sua vez, deve aprender sozinho, sem a devida mediação. Ao menos é o que se pode inferir das palavras de Wanja, as quais trago aqui para elucidar as dúvidas apresentadas por Anselmo que também coincidiam com as suas.

Uma dificuldade que eu sinto é porque nós trabalhamos na linha do construtivismo, e os pais e alunos, eles sempre nos procuram porque a gente não faz determinada tarefa. E eu sinto dificuldade. [...] Eu penso que nessa linha do construtivismo, o professor ele só... motiva, né? ... O papel dele é só de motivador, né? De incentivador. Daí, então, o aluno por si mesmo ele vai descobrir, tá entendendo? Aí, eu sinto essa dificuldade (WANJA, 2009). Isso se contrapõe, totalmente, ao que se espera de uma prática de ensino que se denomina de cunho construtivista. No entanto, pude constatar, também nas palavras do professor Anselmo, que a solução encontrada por alguns professores, para o problema com o Construtivismo, foi a de se estudar sobre o assunto, mesmo que em sua prática, continuassem aliando, como ela mesma disse, os métodos tradicionais ao modo de pensar construtivista.

Com o tempo, surgiu a faculdade, né? O vestibular, pra fazer Pedagogia... Porque já que a gente tava em sala de aula, a gente tinha que se formar. E aí fiz o Vestibular. Passei, foi outra surpresa também! Passei, atuei, gostei. Aprendi muita coisa lá, pra... é...é...foi um subsidio muito grande pra o que eu queria aprender a fazer com os meus alunos. E daí, passei quatro anos na escola que eu comecei lecionar (WANJA, 2009)

Como se pode observar, por causa da entrada na docência, e das dificuldades que encontrou na sala de aula, o professor se viu “obrigado” a buscar qualificação no curso de Pedagogia em Nível Superior, conforme ele nos diz no trecho supracitado da entrevista.

Vejo que sua admiração, dessa vez por ter sido aprovado no vestibular, retorna com força e soa como indício de uma autoconfiança comprometida. Por que isso teria acontecido? Seria essa “admiração” algo normal para quem estava um bom tempo afastado da escola? Ou poderia ser considerada fruto das reminiscências de uma escola autoritária, na qual Anselmo aprendeu que o professor é quem age no processo ensino-aprendizagem? Seja qual for a resposta, o fato é que a relação com o saber do professor parece ter sido fragilizada, em primeiro plano, ao longo de suas experiências escolares e profissionais.

Na Universidade, essa relação revestiu-se ainda de um caráter declaradamente utilitarista, visto que aquilo que o professor gostaria de aprender estava ligado ao seu uso na relação com os alunos em sala de aula. Mesmo que essa aprendizagem estivesse se efetivando em função de uma finalidade tão imediatista quanto aquela que lhe permitia trabalhar fazendo artesanato, a nova ocupação parecia lhe trazer mais expectativas do que a anterior. Por isso, o grito de “basta”, dado por Anselmo à função de artesão, permaneceu como um eco mobilizador para o professor, fortalecendo sua convicção de que é melhor ensinar jovens e adultos do que fazer artesanato.