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5 A CONSTRUÇÃO DOS SABERES DE PROFESSORES DA EJA:

5.3 O BALANÇO DOS SABERES PRIVILEGIADOS PELOS

realização de suas tarefas cotidianas. De acordo com Tardif (2002a; 2002b), estão enraizados em sua história de vida, na sua experiência do ofício de professor e, embora sejam construções psíquicas, eles não se configuram e nem agem somente como representações cognitivas, mas, como convicções pessoais, crenças e valores, socialmente elaborados, a partir dos quais os professores analisam e organizam sua prática. Portanto, dizem respeito a atividades, objetos, processos e relações que, por meio de um distanciamento reflexivo,

podem ser enunciados e transmitidos pelo docente em forma de saberes-objetos ou objetivados, tal como Charlot (2000) os denomina.

Nessa perspectiva, os saberes, assim como as relações nas quais eles são construídos, possuem sempre uma dimensão epistêmica, ao mesmo tempo em que comportam a dimensão da identidade do sujeito que os constrói e a dimensão dos espaços sociais em que são construídos. Assim, conforme, Charlot (2000), essas dimensões, que também são dimensões da relação com o saber, configuram-se como aspectos indissociáveis do processo de construção da subjetividade do produtor de saberes.

Com efeito, os saberes mais privilegiados ou selecionados pelos professores dizem respeito a sua conduta no desenvolvimento da ação docente. Essa atividade, sem dúvidas, é regida por alguns aspectos subjetivos e normativos da moral e da ética que perpassam, profundamente, as relações com o outro. Por isso, de um modo bastante acentuado, os professores da EJA privilegiaram saberes construídos nas relações de natureza ético-moral com os alunos. Contudo, dizem respeito a atitudes e valores, altamente, necessários ao desempenho da específica função de educar jovens e adultos.

Na pesquisa desses saberes, observei os saberes que se associam, mais diretamente, à dimensão social das relações do professor com a atividade de educar. Essas relações dizem respeito ao próprio trabalho docente na instituição educativa e às tomadas de decisão que os professores são impulsionados a realizar durante sua execução. Assim, os saberes que comportam tais características são aqueles que auxiliam na gestão da sala de aula e sinalizam, de acordo com Therrien e Therrien (2000, p. 88), os “[...] processos de intervenção que detêm [também] a marca própria do responsável pela condução das atividades curriculares e dos controles necessários a sua efetivação.” Por conseguinte, têm a ver com a intencionalidade do ato pedagógico situado e com as relações subjetivas e intersubjetivas.

Desse modo, eles fazem referência à capacidade da “estagiária” saber: elaborar enunciados claros ao se comunicar com jovens e adultos, levar em consideração o que os alunos já conhece, favorecer o desenvolvimento da autonomia dos alunos, compreender as diferenças individuais e sociais entre os alunos, lidar com a agressividade e a indisciplina na sala de aula, manter o “domínio” da sala de aula, resolver conflitos dentro e fora da sala de aula, enfrentar situações imprevistas e complexas, buscar orientação pedagógica, adotar uma postura construtivista de ensino, planejar as atividades e avaliar sua própria prática. Como se pode verificar, tratam-se de saberes delineadores da própria competência formadora do professor da EJA, uma competência que abarca não apenas a dimensão técnica do educar, mas também as dimensões de caráter político-pedagógico.

Em adendo, outros saberes, encontrados no “balanço”, sinalizam para diferentes possibilidades de expressão e de linguagens e parecem orientar práticas educativas nas quais os professores são desafiados a novas experiências, tais como saber cantar, representar, desenhar e pintar. Essas experiências se traduzem, como diz Candau (2002), em saberes que ajudam os professores a pensar não apenas na seleção e a sistematização dos conteúdos a serem trabalhados, mas também nas técnicas que facilitam o trabalho com esses conteúdos. Aliados a esses saberes, os professores também sinalizaram para aqueles com os quais eles atendem aos cuidados mais básicos em relação aos alunos

Essas técnicas se associam a outras que foram referenciadas pelos professores, apontando a necessidade de aprender a alfabetizar, ou seja, saber ensinar a ler e escrever. Por isso, eles impõem ainda uma necessidade de saber organizar o tempo, o espaço e os materiais didáticos da EJA, assim como saber planejar, registrar e avaliar as atividades a serem realizadas com os alunos.

Finalmente, foram identificados, no balanço, saberes cuja dimensão epistêmica se tornou mais evidente. Eles foram os que tiveram o menor número de referências por parte dos professores. Dessa dimensão foram listados os saberes que possuem características mais teóricas e intelectuais, devido ao distanciamento presente na maneira como eles foram evocados. Sendo assim, representam uma espécie de ponte para se construir, a partir dela, os outros saberes que foram arrolados. Portanto, encontram-se entre esses saberes os enunciados sobre a organização curricular proposta pelas diretrizes curriculares para Educação de Jovens e Adultos.

Além dos saberes identificados, a técnica do “balanço do saber “trouxe referências acerca dos espaços onde o professor da EJA aprende sua função. Elas apareceram, voltadas, quase que exclusivamente, para o universo da instituição onde os professores trabalham. No entanto, além da sala de aula e do tempo para o planejamento, os professores fizeram referência também à participação em cursos, palestras e seminários. Em último plano, eles citaram a Universidade como um lugar de aprendizagem da função que exercem, acrescentando que “não se aprende a ser professor em uma aula da faculdade”.

Nesse contexto, embora não tenha adentrado pela discussão acerca das iniciativas de formação, é preciso pensar no que estamos fazendo na universidade, especialmente nas Faculdades de Educação. Por isso, não posso ignorar a proposta de Perrenoud (2002) sobre a importância de se ver na construção da relação com o saber do professor um elemento forte para sua formação e, inclusive, para a construção de um projeto de coletividade mais sólido no interior da própria escola, já que a universidade parece está pouco promovendo uma maior

transversalidade entre as dimensões teóricas e práticas do trabalho docente.

De acordo com o citado pesquisador, concomitante aos cursos, programas e dispositivos de formação, é preciso investir na construção dos saberes do professor por meio da formação de um coletivo institucional. Segundo esse autor, somente com a escola reunida é possível que a relação com o saber, especialmente, com o saber do outro, com a aprendizagem e com o ensino, possa evoluir, satisfatoriamente, ao sabor das iniciativas do trabalho orientado em equipe.

Nessa mesma linha de pensamento, buscarei analisar, na sequência, a relação que os professores constroem com a situação específica do educar. Porém, antes de fazê-lo, gostaria de explicar porque essa análise não foi apresentada na seção anterior, juntamente com as outras relações que analisei. Justifico dizendo que a “relação com o educar”, a meu ver, comporta o conjunto das ideias, atitudes, valores, comportamentos, dificuldades, expectativas e práticas que estão associadas à função do professor da EJA e, por isso mesmo, configura-se como uma relação para a qual convergem todas as dinâmicas ligadas ao saber desse professor. Dessa forma, a relação com o educar destaca-se entre as demais porque concentra todos os outros processos analisados na seção anterior.

5.4 A ATIVIDADE DE EDUCAR: TENDÊNCIAS DOMINANTES NA RELAÇÃO COM O