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2 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

3.1 A epistemologia das Representações Sociais

A Teoria das Representações Sociais é uma vertente da Psicologia Social, cujas matrizes são sociológica e psicológica. Ela se originou do intento de Moscovici em compreender os modos de elaboração de saberes na conjuntura social, tendo desenvolvido na França um estudo sobre a representação social da psicanálise, na década de 50. As investigações dos estudos do autor buscavam compreender a construção e a partilha de saberes no cotidiano das pessoas comuns. A representação social de Moscovici centra-se no momento em que a sociedade começa a pensar a partir do pensamento científico. Bem na época em que o conhecimento da ciência se difundia e a psicanálise era um objeto de conhecimento em ascensão na França, Moscovici atentou-se para construir uma teoria que desse conta de compreender a dinâmica da realidade social moderna. Nesse sentido, o psicólogo social apoia-se na teoria das representações coletivas de Émile Durkheim (2008)6 para, a partir das lacunas dessa teoria, criar um aporte teórico que desse conta de compreender e explicar a realidade social.

Na perspectiva do sociólogo francês, Durkheim (2008) a existência de uma sociedade se dá por meio da coesão social que assegura sua continuidade e só se torna possível quando os indivíduos se adaptam ao processo de socialização, isto é, quando são capazes de internalizar costumes, hábitos, valores que são a maneira de ser e de agir do grupo social a qual pertencem. Neste aspecto, a consciência coletiva, como denominou Durkheim (1968 apud MOSCOVICI, 2001), reside nas mentes individuais e serve para nortear a conduta dos 5 Autoria do educador e filósofo Paulo Freire (1921-1997).

6 Para maior aprofundamento, ver obra: As formas elementares da vida religiosa: o sistema totêmico na

indivíduos. No entanto, a consciência coletiva está acima dos indivíduos e é externa a eles. Com base neste pressuposto teórico, o autor chama atenção para o fato de que os fenômenos individuais devem ser explicados a partir da coletividade e não o inverso:

Se é comum a todos é porque é obra da comunidade. Já que não traz a marca de nenhuma inteligência particular, é porque é elaborado por uma inteligência única, onde todas as outras se reúnem e vêm, de certa forma, alimentar-se. Se ele tem mais estabilidade que as sensações ou as imagens é porque as representações coletivas são mais estáveis que as individuais, pois, enquanto o indivíduo é sensível até mesmo a pequenas mudanças que se produzem em seu meio interno ou externo, só eventos suficientemente graves conseguem afetar o equilíbrio mental da sociedade.

(DURKHEIM, 1968, p.325 apud MOSCOVICI, 2001, p. 48).

A consciência coletiva é a força exercida sobre o indivíduo, acarretando que ele viva em conformidade com as normas sociais. Ela exerce força coercitiva sobre a coletividade desde o nascimento; controla o indivíduo pela pressão moral, psicológica, ditando sua conduta.

A coerção social em Durkheim tem a função de sobrepor limites para estruturar a vida humana e suas ações, levando o indivíduo a “agir de certo modo”, por meio dos fatos sociais. Os fatos sociais têm efeito na vida do indivíduo e independe das individualidades. Esses, denominados o objeto da sociologia pelo autor, diz respeito à consciência coletiva da sociedade; aos sentimentos, maneiras de agir, pensar, exteriores ao indivíduo, dotados de um poder coercitivo que lhe impõem. Assim, compreendemos junto a (NOBREGA, 2001, p. 57) que:

[...] a noção durkheimiana das representações coletivas é uma espécie de guarda- chuva que reúne uma larga gama de diferentes formas de pensamento e de saberes partilhados coletivamente (crenças, mitos, ciência, religiões, opiniões), cuja característica consiste em revelar o que há de irredutível à experiência individual e que se estende no tempo e no espaço social.

Essa noção de coletividade em Durkheim adquiriu um caráter estático e homogêneo, uma vez que a concepção do indivíduo e do social são antagônicas. O social para Durkheim independe do indivíduo, e, este último é considerado produto das ações coletivas, não havendo consenso entre ambos. Para ele, as relações sociais empreendidas principalmente pelas formas elementares da vida, como as religiões, é que ditam as condutas individuais, criando um clima harmônico e gerando uma conduta social homogênea.

Em Durkheim tem-se uma interpretação dicotômica entre o indivíduo e o social; o indivíduo é concebido como mero receptor das informações de sua cultura e seu papel é adequar-se as regras sociais. O social, na concepção durkheimiana, é estático e impermeável; é um núcleo duro, impenetrável, no qual há pouca ou nenhuma condição de mudança. Assim, nas

representações coletivas, o social é partilhado igualmente para todos de uma realidade comum e os indivíduos são produtos de suas determinações.

Compreendendo a condição histórica na qual Durkheim produziu sua teoria, em um contexto de uma sociedade pouco diversificada e com relações mais “harmônicas”, Moscovici retoma os conceitos sociológicos do referido autor e parte das lacunas existentes na teoria das representações coletivas para pensar uma sociedade mais dinâmica, com relações conflituosas geradas pela divisão do trabalho e pelo advento da modernidade (NOBREGA, 2001). É nesse viés que Moscovici introduz na década de 50 um estudo sobre a apropriação, pelo público francês, da psicanálise.

O campo de estudo se tornou fecundo às investigações do autor, visto que a psicanálise era, na época de sua pesquisa, um objeto de conhecimento que representava a difusão do conhecimento científico. Dessa forma, Moscovici engenhosamente observou como os diferentes grupos construíam e partilhavam os conhecimentos novos referentes à psicanálise de Freud, na sociedade francesa. O fruto desse trabalho culminou na obra “A Psicanálise, sua imagem e seu público” publicada em 1961.

A partir de então, Moscovici rompe com a visão positivista da ciência e de uma sociedade estática, na qual as relações são lineares e homogêneas. Para ele, o primeiro ponto questionável da teoria das representações coletivas é a cisão do indivíduo e do social. Moscovici considera que não pode haver divisão entre o indivíduo e o seu meio; eles estão intimamente entrelaçados e as relações sociais são estabelecidas justamente na interseção do individual e do social. As relações sociais são frutos de uma elaboração do sujeito a partir de um objeto e estes se entrecruzam, num movimento contínuo, gerando representações e criando comportamentos.

Nesse sentido, há uma mudança de terminologia no que diz respeito ao conceito de representação coletiva. Emerge então, o termo representações sociais por denotar a perspectiva de um social que se modifica, por meio da própria dinâmica da vida social. Diferentemente da teoria durkheimiana em que o social é a soma dos indivíduos, nas representações sociais esse coletivo só existe na interdependência dos sujeitos com os sistemas os quais integram. É nessa conjuntura que Moscovici desenvolve sua teoria, evidenciando que toda representação construída e partilhada nasce na fronteira da dimensão cognitiva e da dimensão social. Sendo assim, as representações sociais não se encontram somente no âmbito da Sociologia – como em Durkheim – mas no limiar da sociologia e da psicologia, captando assim um novo campo, a psicossociologia.

Na psicologia social, a definição de indivíduo é engendrada a partir da noção do outro, isto é, nos tornamos nós mesmos por meio das relações com os grupos sociais que fazemos parte (LANE, 2006). Somos seres singulares, pois somos constituídos por características particulares que nos caracterizam como pessoas. No entanto, essa identidade social é estruturada pelo conjunto de papéis que desempenhamos socialmente e, são “[...] as condições sociais decorrentes da produção da vida material que determinam os papéis e a nossa identidade social” (LANE, 2006, p. 22). Essa conceituação de indivíduo não o reduz a um mero produto das relações sociais, uma vez que essa relação do individual com o social não é linear, nem acrítica. Ela se efetiva na dinâmica do conjunto das relações no seio social. Assim,

[...] se questionarmos o quanto a nossa história de vida é determinada pelas condições históricas do nosso grupo social, ou seja, como estes papéis que aprendemos a desempenhar foram sendo definidos pela nossa sociedade [...] constataremos que nossos papéis e a nossa identidade reproduzem, no nível ideológico (do que é idealizado, valorizado) e no da ação, as relações de dominação, como maneiras “naturais e universais” de ser social, relações de dominação necessárias para a reprodução das condições materiais de vida e manutenção da sociedade de classes onde uns poucos dominam e muitos são dominados através da exploração da força de trabalho” (LANE, 2006, p. 23).

Entretanto, quando adquirimos consciência de si, através dos tensionamentos provocados nos grupos, questionando o porquê agimos de tal maneira e nos damos conta dos processos históricos que moldam nosso agir dentro de tais grupos, é que o grupo o qual o indivíduo é constituinte poderá se tornar agente de intervenção social, sendo coparticipante dos processos de mudanças sociais e não apenas produto de determinações sociais. Contudo, esse processo não é simples, “pois os grupos e os papéis sociais que os definem são cristalizados e mantidos por instituições [...] bem aparelhadas para anular ou amenizar os questionamentos e ações de grupos [...]” (LANE, 2006, p. 24).

É essa natureza complexa que interessa à representação social; compreender os processos simbólicos que constituem as representações sociais dos indivíduos e como estes são moldados por estas representações

porque toda “cognição”, toda “motivação”, e todo “comportamento” somente existem e tem repercussões uma vez que eles signifiquem algo e significar implica, por definição, que pelo menos duas pessoas compartilhem uma linguagem comum, valores comuns e memórias comuns. É isto que distingue o social do individual, o cultural do físico e o histórico do estático. Ao dizer que as representações são sociais nós estamos dizendo principalmente que elas são simbólicas e possuem tantos elementos perceptuais quanto os assim chamados cognitivos. (MOSCOVICI, 2015, p. 105).

Portanto, a Teoria das Representações Sociais, sendo, pois, um ramo da psicologia social busca compreender a produção representações/significações gestadas na interdependência do social e do individual. Dessa forma, os comportamentos são fenômenos observáveis em todos os contextos da vida cotidiana que têm influência social.