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Alfabetização, letramento e especificidades da alfabetização de jovens e adultos

2 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

2.5 Alfabetização, letramento e especificidades da alfabetização de jovens e adultos

O conceito de alfabetização está estritamente ligado ao conceito de linguagem. Por muito tempo a linguagem foi concebida como meio de comunicação e como expressão do pensamento. Ambas as abordagens concebiam a linguagem desvinculada de seus usos e de seus contextos de produção. Assim, a língua constituía-se em mero código de comunicação entre emissor e receptor, sendo a língua considerada inata ao homem. Nessa perspectiva, os estudos da alfabetização estavam fundamentados numa concepção mecanicista na qual a leitura e a escrita eram entendidas como o desenvolvimento de habilidades mecânicas de treino e decifração de códigos escritos.

Em contrapartida, surgem os estudos sociointeracionistas da linguagem que passam a considerá-la sob o fenômeno da interação social (VYGOTSKY, 1988). Vygotsky postula que a linguagem não é só meio de comunicação e de expressão de pensamento. Mais do que isso, a linguagem é o trabalho humano de constituição de sentidos nos contextos de interação em que ela se faz presente. A linguagem é ação efetiva subjacente aos fenômenos sociais e culturais. Portanto, não é inato ao indivíduo, mas construída na e para as interações sociais.

Nessa perspectiva, os estudos da alfabetização reconfiguram-se no cenário educacional brasileiro, mas especificamente com as contribuições de Ferreiro e Teberosky (1985) através dos estudos da Psicogênese da língua escrita que ocasionaram significativas mudanças no âmbito da alfabetização. Tais estudos apontam que o aprendizado do Sistema de

Notação Alfabética não é mecânico, ou como disse Vygotsky (1988), “escrever não é apenas ato de mãos e dedos”. É uma atividade cognitiva que envolve a construção de conceitos, a saber: 1) o que é a escrita 2) o que a escrita representa/nota 3) como representa/nota. Estes estudos também redirecionam o olhar docente para a necessidade de se conceber o sujeito aprendiz como potencial construtor do conhecimento. Esse por sua vez, não apenas recebe influências da língua – como enfatizado na abordagem mecanicista da alfabetização – mas também a significa, construindo hipóteses e buscando regularidades no sistema de escrita. Dessa forma, os estudos de Ferreiro e Teberosky não consistem na apresentação de um novo método de alfabetização, mas sim na reconfiguração conceitual e prática do termo, uma vez que o foco passa do como ensinar a quem se ensina – o alfabetizando como sujeito ativo no processo de ensino-aprendizagem.

Nesse sentido, houve um redirecionamento da definição da alfabetização no Brasil. A alfabetização passa a ser entendida como o processo específico de apropriação do sistema de escrita que envolve duas dimensões indissociáveis: a apropriação do sistema de notação alfabética – a compreensão pelo aprendiz do funcionamento da língua. E o desenvolvimento de habilidades de produção de escrita e compreensão dos diversos gêneros discursivos (VIEIRA, 2010).

Concomitante às novas ideias de alfabetização, surgem os estudos sobre Letramento. O termo Letramento traduzido da palavra inglesa “literacy” que vem do latim “litera” (letra), aparece pela primeira vez no Brasil em 1987 na obra de Mary Kato (No mundo da escrita) e a partir da década de 1990 se vincula ao termo da alfabetização. O letramento designa a condição do sujeito que se apropria do sistema de escrita, isto é, o letramento torna-se imprescindível à alfabetização, uma vez que se refere aos usos da linguagem escrita em diferentes contextos sociais (SOARES, 2017).

O letramento é a inserção dos indivíduos nas práticas sociais de leitura e de escrita. Por se tratar de um elemento social, esse não pode ser estudado como universal. Conforme Vieira (2010):

O conceito de letramento não pode ser estudado como um fenômeno universal, indeterminado social e culturalmente, e sim, como um conjunto de práticas sociais de leitura e de escrita, em contextos específicos, para objetivos específicos. Desse modo, o letramento é um fenômeno social que é definido e reelaborado em cada cultura, em cada grupo e, por contraste e diferenciação, entre vários grupos (VIEIRA, 2010, p.115).

Sendo assim, o letramento deve ser compreendido dentro de um determinado contexto social, de uma determinada cultura produzida pelos seus sujeitos constituintes. Desse modo,

entendemos que não basta adquirir as habilidades da leitura e da escrita. É preciso saber utilizar esses conhecimentos nas situações sociais que exigem de nós as competências do saber ler e escrever, pois a escrita existe para atender as demandas sociais de interação entre os indivíduos. Dessa forma, um sujeito é considerado letrado quando é capaz de utilizar a linguagem escrita em resposta às exigências do contexto social que demandam de nós tais competências e quando utiliza à escrita e a leitura como forma de mediar sua ação com o mundo; para o dizer, interpretar, significar e transformar.

Não obstante a alfabetização e o letramento possuem especificidades, visto que a alfabetização se refere à apropriação do Sistema de Escrita Alfabética (SEA) e o letramento diz respeito aos usos efetivos da leitura e da escrita em diferentes contextos, esses dois conceitos são indissociáveis, simultâneos e interdependentes, uma vez que a alfabetização só se torna eficaz quando ocorre no contexto das práticas reais dos usos da linguagem escrita. Adquirir as tecnologias do ler e escrever não é suficiente para atender as demandas de uma sociedade grafocêntrica que tem como fio condutor da interação entre os indivíduos a linguagem, seja ela escrita ou falada.

A partir dessa compreensão do que é a alfabetização e o letramento, ressaltamos a necessidade da prática pedagógica de alfabetizar na perspectiva do letramento, tendo em vista as implicações políticas e sociais inerentes a alfabetização.

Mas, em que consiste a prática pedagógica de alfabetizar letrando? A alfabetização foi por muito tempo privilégio de poucos. Ela determinava quem participava ou não das decisões políticas da nossa nação. Por isso, muitos jovens e adultos tiveram seus direitos negados por conta de suas condições de não alfabetizados. Hoje, ainda há marcas desse passado nebuloso que excluiu da esfera de participação social muitos indivíduos.

Freire (2011) diz que a alfabetização é um projeto político, no qual homens e mulheres reconstituem suas relações com a sociedade mais ampla. Nesse sentido, pensar a alfabetização de jovens e adultos requer o reconhecimento de que mais do que adquirir competências técnicas de leitura e de escrita, é preciso conceber a alfabetização ante a sua história política e cultural para então entendermos a necessidade de um público que busca por meio da linguagem escrita resgatar um direito que lhe foi negado por longos anos – o direito de inserção nas práticas sociais; seja por necessidade de trabalho e/ou por realização pessoal.

A respeito da alfabetização como projeto político, Freire (2011, p. 49) afirma que:

No sentido político mais amplo, compreende-se melhor a alfabetização como uma infinidade de formas discursivas e competências culturais que constroem e tornam disponíveis as diversas relações e experiências que existem entre os educandos e o

mundo. Em sentido mais especifico, a alfabetização crítica é tanto uma narrativa para a ação, quanto um referente para a crítica.

O referido autor traz em suas ideias de alfabetização a perspectiva do letramento, corroborando a noção que temos hoje da prática de alfabetizar letrando. Essa compreensão está ancorada no fato de que é a alfabetização está para além do domínio de códigos escritos. Ela é também e principalmente uma construção histórica imbricada de valores sociais e culturais que precisam ser ensinados aos sujeitos participantes direta ou indiretamente da cultura escrita.

A alfabetização, nesse aspecto, pode constituir-se para os educandos tanto um terreno de possibilidades – por meio da apropriação do SEA eles se tornam capazes de interagir nas diversas instâncias sociais que estão associadas aos usos da leitura e da escrita – quanto um terreno de dominação (através da negação do direito à alfabetização, em seu real sentido, o aprendiz fica impossibilitado de penetrar as práticas sociais ficando à mercê daqueles que detêm tais conhecimentos).

Em nossa sociedade as práticas que envolvem a leitura e a escrita estão mais vastas e complexas. A diversidade de gêneros textuais (discursivos) exige dos sujeitos as competências para o uso de cada um deles em contextos específicos. Estamos imersos na cultura escrita quer queira, quer não. Desde que nascemos adentramos o mundo da escrita antes mesmo de adquirir as habilidades dessa linguagem. A escrita se manifesta e permeia as várias esferas sociais: nas ruas, nos outdoors, nos rótulos de embalagens de produtos, nos transportes públicos, no trânsito etc. em toda conjuntura social existem marcas gráficas (algo sendo dito). Mas, a presença cotidiana da escrita na vida dos indivíduos não garante o aprendizado do Sistema de Escrita Alfabética, nem tampouco garante autonomia aos cidadãos de participarem das práticas sociais da linguagem escrita.

O ensino da linguagem escrita é indiscutivelmente atribuído à escola, pois essa é a instituição socialmente privilegiada de aprendizagens. A escola é o espaço no qual a prática de alfabetizar deve ser desenvolvida articulada ao letramento, isto é, o educando precisa ser assegurado por uma prática que lhe proporcione a apropriação do Sistema de Escrita Alfabética, bem como lhe proporcione autonomia nas práticas de produção da linguagem escrita; nas interações sociais em que circulam os gêneros textuais.

Nesse, víeis realçamos a necessidade de se adotar práticas em que seja possível alfabetizar letrando. A esse respeito Vieira (2010) destaca que alfabetizar letrando consiste no: “Ensino sistemático da base alfabética da língua escrita aliado à vivência cotidiana de práticas letradas que permitam ao aluno se apropriar das características fonológicas, finalidades e

composição dos gêneros textuais (orais e escritos) que circulam na sociedade.” (VIEIRA, 2010, p.113).

A prática de alfabetizar letrando está pautada no ensino do Sistema de Notação Alfabética, atrelado aos usos da língua em práticas sociais de leitura e escrita; a alfabetização na perspectiva do letramento é atribuir sentido ao ler e escrever, é fazer uso das habilidades da escrita e da leitura para fins específicos nas diversas situações sociais.

Na Educação de Jovens e Adultos a prática pedagógica de alfabetizar letrando torna- se imprescindível, haja vista a necessidade urgente dos aprendizes dessa modalidade de ensino em aprender a ler e escrever. Esses sujeitos ao ingressarem/retornarem à escola já possuem amplas experiências com eventos de leitura e escrita. Em alguns casos, muitos alfabetizandos chegam à escola com algum conceito chave do processo de alfabetização construído– que é a compreensão do que é a escrita. O que eles precisam é saber o que a escrita representa e como a escrita representa se apropriando do SEA e utilizando os conhecimentos desse objeto cultural – a escrita – em seu dia a dia, nas situações de interação em que a leitura e a escrita se faz necessária.

Conforme Kleiman (2013) o papel da escola, nesse sentido, é promover a apropriação de práticas “dominantes” e consideradas poderosas para e pelos sujeitos da EJA, ampliando seus repertórios e ressignificando aqueles conhecidos e elaborados por eles.

3 A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: O PERCURSO CONSTITUTIVO DA PESQUISA

Ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o caminho caminhando, refazendo e retocando o sonho pelo qual se pôs a caminhar. (FREIRE, 2015, p. 33, grifo nosso).5

Nesse capítulo apresentamos a Teoria das Representações Sociais, em seus aspectos epistemológicos, bem como os seus aspectos fundantes; trazemos a abordagem metodológica da pesquisa, a caracterização do campo e dos participantes desse estudo, além de um levantamento bibliográfico acerca dos estudos empreendidos na área da Educação de Jovens e Adultos.