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Capítulo I – Deficiência mental

II. 2.1 A escola de massas

A partir dos anos sessenta, do século XX, com o aumento da escolaridade obrigatória e sequenciada nos anos setenta com a democratização do ensino, foi impulsionada uma nova visão de escola, tal como referimos anteriormente, e nesta circunstância, em termos organizativos, sujeita a uma definição normativa e a um controlo pelos órgãos centrais do Ministério da Educação. Surgiu com a revolução industrial e chegou ao século XXI. Diríamos que em dois séculos mudaram os alunos, mudou a sociedade, mudou o mercado de trabalho e mudou a escola?

Sem evasivas respostas, constatamos que a chamada “escola de massas” conduziu a uma heterogeneidade social relativamente à composição do seu corpo discente, que na reflexão de Formosinho (1987:8) “congrega crianças e adolescentes das várias posições sociais, de variados meios rurais, suburbanos, urbanos, o que implica grande diversidade de educações informais familiares e de valorizações da educação escolar”. Surgem nesta situação, a multiplicação de interesses, motivações, necessidades e projetos

de vida que conduzem a diferentes esforços e implicações educativas reais, assim como a nível local, o que leva as escolas a começarem a ser edificadas em contextos rurais e suburbanos, direcionadas numa heterogeneidade contextual. Perante este cenário, concordamos com a ideia expressa por Roldão (1999:28) ao considerar que surgiu um “reinventar da escola” traduzido no “reconhecimento efetivo do direito de todos a uma educação de qualidade” e como tal, a necessidade de construir um currículo diferenciado e significativo que possa “tornar mais semelhante o nível de competências à saída do sistema escolar” e que será um fator influenciador no sucesso social e pessoal dos alunos.

Sendo assim, a definição de escola de massas poderá ter um sentido hibrido na sua contextualização. Referimo-nos à sua aplicabilidade positiva, quando mencionamos a igualdade de oportunidades educativas dos diferentes grupos sociais, implementada com a determinação da escolaridade obrigatória e, por outro lado, a face menos visível da ideologia, mas sentida na prática educativa, com a introdução de um clima organizacional modificado, com objetivos mais abrangentes.

Numa contextualização paralela ao fenómeno de massificação, encontrámos com a LBSE e a Reforma do Sistema Educativo (1987-1988), a superação do paradigma normativo prescrito na pedagogia, com uma referência à didática geral e do paradigma centralista na organização das escolas, em que se definia o papel da disciplina do currículo. Pretendia-se sobretudo, ensinar os melhores métodos e técnicas de transmissão de conteúdos pré-definidos. Introduz-se assim, o conhecimento do desenvolvimento curricular, em que o professor torna-se um agente ativo na forma como analisa o currículo em geral, no pensar, “a formular objetivos, a selecionar conteúdos e métodos que melhor sirvam a diversidade dos alunos que encontra na escola de massas e nas suas turmas”, tal como nos refere Formosinho (1991a:8). Esta atitude surge numa contradição à homogeneização dos alunos em que Barroso (2003:79-106) identificou a escola como “uma coleção de salas de aula e o ensino, uma repetição de atividades pré-formatadas, iguais todos os anos”.

Recordamos que a massificação da escola e a oferta curricular para públicos com destinos sociais diferentes provocou o movimento da unificação e da extensão da escolaridade, conduzindo a um único currículo, igual para todos.

Pois foi precisamente esta massificação e uniformização que acarretaram o insucesso, quando confrontados com a inalterabilidade escolar e curricular, fazendo emergir a necessidade de diferenciar, transformando-o numa solução, quando até então este conceito era a raiz do problema. Esta representação da escola trouxe outros fatores subjetivos, tais como os problemas sociais do trabalho infantil, a delinquência infantil e o conflito de grupos sociais, que conduziram à crise na educação escolar.

Contudo, não é de mais lembrar que estes problemas já existiam na sociedade, mas a determinação da escolaridade obrigatória contribuiu para a sua visibilidade, assim como para a atribuição do papel da escola na homogeneidade das componentes curriculares e organizacionais, ou seja, a escola de massas correu o risco de sentir uma inadaptação do sistema escolar, quer a nível dos elementos diretivos, quer a nível da organização pedagógica. Parafraseando Formosinho (1997:11) “a escola de massas é uma organização que nasceu já em crise, ou melhor, é uma organização cuja construção incorporou desde o início essa representação de crise”, e num complemento desta linha acresce o facto de ser requerido à escola enquanto instituição de função social, a reconfiguração de tarefas na sua intervenção ativa do sistema escolar.

Deparamo-nos perante uma reconceptualização de conceitos que conduzem a novas modalidades de diferenciação com abolição discriminatória, que nas palavras de Canário (1999, citado por Roldão, 2003:59) “transportam a exclusão para dentro da escola”. Por assim dizer, procura-se resposta na diferenciação identificadora e estruturadora de prováveis quadros de ação curricular, com fundamento na escola que a organiza, e de todos os elementos que dela fazem parte, sendo o professor um elemento chave para a concretização destas tarefas. A tipologia destas novas funções da escola de massas é definida por Formosinho (1997:11) como uma divisão em “tarefas organizacionais” que pelo facto de obrigatoriamente manter os adolescentes na escola, deve velar pela sua segurança e prestar os cuidados básicos da sua mobilização para a mesma, com fundamento na denominada “ação social escolar”. Ainda nesta dinâmica, deve a escola promover ações e programas que “resultem na prevenção do abandono escolar”, atendendo à diversidade de

comportamentos agora nela existente, e à resolução encontrada para a sua solução, na atribuição de uma função de prevenção social.

A implementação de uma escola de massas frequentada por alunos que, na opinião de Becker (1977, citado por Leite, 2003:13), não correspondem ao perfil de “cliente ideal” e em que prevalece um “ensino-padrão” tão sistematicamente caraterizado pela escola tradicional e adepto das regras valorizadas por este modelo, também denominado de “modelo-padrão” (Leite, 2003:15). Esta ideologia é reforçada por Zabalza (1998:28) quando afirma que o planeamento do ensino diversificado passa pela determinação dos objetivos educacionais e ressalta que “um modo de determinar os objetivos ou finalidades da educação consiste em fazê-lo em relação às capacidades que se pretende desenvolver nos alunos”, num perfil de “escola democrática”.

Apelamos aqui a Freire (1987:33) quando contesta sobre o conceito de democratização da escola e o alcance dos seus objetivos. Efetivamente, considerar a “democratização da escola”, pelo facto de anualmente o número de alunos que a concluem e obtêm diplomas ser maior, não é compatível com o outro conceito de democratização associado a alunos oriundos de diferentes “meios sociais e culturais” e, em nossa opinião, acrescentamos com características específicas e diferenciadas, em que as “mesmas chances de êxito estão ainda condicionadas e questionam este poder democrático”.

Uma outra questão, já no plano curricular, é apresentada por Delors (1996, citado por Roldão e Marques, 2001:127) e traduzida no “que fazer”? Numa perspetiva dirigida aos efeitos de quebra, ocasionados pela massificação da escola, propõe avançar com respostas renovadas e renovadoras da própria “lógica da instituição escolar e do seu funcionamento curricular”.

É evidente a aquisição de novas tarefas que a escola tem de preconizar frente aos novos utentes que comporta e o modo de aplicação dos novos desafios pedagógicos, reproduzidos nos sucessivos apoios aos alunos de forma direta ou com mediação, como é o caso dos prestados pelo professor. A verdade é que ao professor deixou de lhe ser atribuído o papel de transmissor de conteúdos, de forma sistemática num tempo determinado, e foi-lhe atribuído uma cultura burocrática acrescida pela intensidade e diversidade de tarefas a desempenhar, assumindo assim que ser professor na escola de massas significa na conceção de Formosinho (1997:18) “ser responsável pelo apoio

específico a um grupo de alunos, avaliar compreensivamente o progresso dos alunos, apoiar os alunos com necessidades educativas especiais presentes nas suas classes”, entre outras funções que requerem a maior parte das vezes diferentes níveis de especialização.

Perante esta situação controversa, com a entrada de novos públicos assistimos a uma divisão do poder pela presença de grupos numerosos de alunos com interesses, saberes, experiências e valores muito diversificados, que agitam a escola, até aí habituada a lidar com um público bastante homogéneo. Este facto requer o saber lidar com a diversidade, sendo este também, um dos problemas apresentados à escola e aos professores. Instalados nesta mudança por parte da escola e na resistência por parte dos professores em aceitar a diversidade, ocorre num “daltonismo cultural”, exposto por Cortesão e Stoer (1999:5), esquecendo as multiplicidades socioculturais que eles representam e é neste sentido que é importante apresentar respostas flexíveis e variadas de ensino e aprendizagem, que fomentem uma boa gestão da heterogeneidade.