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Capítulo I – Deficiência mental

II. 2 – A uniformidade curricular

Na década de 1970 surgiu em Portugal a denominada “escola de massas” que veio alterar a dinâmica educativa, não só pela entrada massiva de alunos com variadas educações informais, aptidões diferenciadas, motivações, interesses e projetos de vida, mas também a obrigatoriedade de recrutar um grupo de professores que desse resposta a esta diversidade cultural.

Com este fenómeno, a escola teve necessidade de se organizar, descolando- se do modelo centralizado e burocrático, dirigido a um currículo uniforme construído à volta de um aluno médio, para um alargamento de todo o seu público escolar. Percebe-se também, que o ensino de métodos e técnicas para a transmissão de conteúdos programáticos, definidos pelo poder central, tornaram-se inadequados e desajustados.

Nesta visão, Leite (2005:17) considerou os currículos emanados da administração central assentes em “lógicas uniformes e uniformizantes que ignoram as realidades locais”. Em complemento desta situação, surge também a dificuldade em ensinar “todos eficazmente”, como esclarece Roldão

(2003:11), uma vez que a extensão da escola se alargou a públicos mais diferenciados social e culturalmente. Assim, assegurar que todos aprendam mais e com qualidade, passa pela capacidade de diversificar e adaptar o ensino aos alunos e permitir-lhes o direito de aprenderem aquilo que vão necessitar ao longo da vida.

Nesta contextualização, este uniformismo assente num currículo uniforme é referido por Machado e Gonçalves (1991:262) como uma hierarquia da filosofia curricular em que predomina “uma organização de centralização estabelecida em dois papéis distintos” atribuídos na seguinte configuração: aos órgãos da tutela a “conceção”, e aos professores, a “execução”.

Os referidos autores focalizam as caraterísticas essenciais deste currículo no denominado “currículo pronto-a-vestir de tamanho único” (cf. Formosinho,1987), ao estabelecer o conjunto de conhecimentos a serem ensinados, agrupados em disciplinas: o “iluminismo”, planeado centralmente por um grupo de pessoas; o “centralismo”, adaptado e determinado executar pelos serviços centrais; o “enciclopedismo”, integrado por um saber fracionado conduzido pelo lema “um pouco de tudo”; o “uniformismo”, dirigido a todos os alunos, a todas as escolas, a todos os professores, independentemente das aptidões de quem o transmite, das particularidades de quem o recebe e das condições da sua implementação e o “sequencialismo”, preparado necessariamente para o grau escolar imediatamente superior, sem alternativa na diversificação de percurso.

Esta conceção ilustra a especificidade de um currículo uniforme que comporta também um uniformismo curricular, destacado pela atribuição de uma organização homogénea das disciplinas e da carga horária atribuída a todos os alunos, independentemente das suas necessidades, interesses, orientações vocacionais, caraterísticas psicológicas e até da sua educação informal familiar que reporta para a escola, e que definitivamente difere dos seus pares, o que implica diferentes necessidades educativas entre si.

A par deste panorama educacional, há também uma notória indiferença do currículo uniforme em relação à aprendizagem real, evidenciando o estigma burocrático e centralista que o define. É neste sentido, que Machado e Gonçalves (1991:265) sintetizam, quando afirmam que “o currículo uniforme é por consequência, completamente indiferente à eficácia da sua aplicação” e

Roldão e Marques (2001:127) destacam como o reconhecimento da “inadequação dos currículos uniformes, de sistemas educativos demasiado centralistas e organizados de uma forma rigída; a necessidade de reforço do poder decisor das escolas no plano curricular e organizacional e a necessidade de diferenciação curricular”, dirigida à organização dos conteúdos de aprendizagem e também nos procesos e métodos de ensino. Isto, porque, “manter a igualdade de tratamentos uniformes para públicos diversos” segundo Roldão (1999:50), mais não é do que acentuar “graves assimetrias sociais”. Nesta ausência de interesse pelas particularidades dos alunos, Pacheco (2005:174) afirma o “compromisso do currículo para com a sociedade que o legitima e reforça” por um lado, os aspetos que só podem ser organizados através de estruturas que favoreçam a aprendizagem e por outro, os aspetos particulares que se prendem com a realidade de cada um.

Neste sentido, importa saber como entende o professor o conceito de currículo e como o aplica na sua prática pedagógica, numa contradição da proposta uniforme de um dado conjunto de aprendizagens a promover e os objetivos a atingir pelos alunos, a que Correia (2008:122) o retrata como “o conjunto de experiências a que o aluno é exposto nos ambientes onde interage (escola, casa, comunidade). Estas experiências devem reportar-se à forma como a informação deve ser selecionada, priorizada, sequenciada e organizada”, completando a ideia de Patton e Serna (2001) citados pelo mesmo autor ao referir-se a todas “as experiências de aprendizagem planeadas e orientadas pela escola”.

Cada vez mais o currículo tem como missão garantir um corpus comum de saberes, de competências, que crie condições para um melhor percurso individual do aluno. Este facto, torna-se cada vez mais fragilizado no seu sucesso, ao manter-se a “estrutura e os modos organizativos e metodológicos de matriz uniforme que marcam o funcionamento das práticas curriculares de escola” tal como nos referenciam Barroso (1999), Rodrigues (2001) citados por Roldão (2003:51).

A proposta de uma alternativa a este currículo passa no entender de Machado e Gonçalves (1991:267) por um outro modelo curricular, em que a nível central sejam determinados alguns conteúdos do saber, que a nível da escola sejam ajustados às necessidades dos alunos concretos numa “substituição do

iluminismo e do centralismo”; com possibilidade de aprofundar certos assuntos, numa referência à “substituição do enciclopedismo”; a carga horária por ano e por disciplina possa ser diferente para cada aluno na parte base e obrigatória de cada disciplina, mas com a possibilidade de introduzir outras disciplinas opcionais, numa “substituição do uniformismo” e que cada ciclo tenha finalidades próprias condizentes com o “fim do sequencialismo”.

Em suma, diríamos que a construção de uma escola unificada que contrarie os pressupostos do uniformismo curricular alicerça-se num currículo planeado em grande parte pelo professor, com um caráter opcional, flexível e aberto, com objetivos bem definidos e com uma adequação centrada na heterogeneidade dos alunos.

Sendo assim, torna-se relevante perceber como foram inseridas as modificações na escola face ao uniformismo e consequentemente, a interpretação atribuída à entrada deste público heterogéneo que por um lado, uniformizou as práticas educativas e por outro, distanciou o papel atribuído à escola.