• Nenhum resultado encontrado

I.1 – Identificação do problema

A deficiência mental como uma condição caraterizada por uma limitação na aquisição generalizada de competências, comprometimento permanente da racionalidade e no funcionamento individual do indivíduo foi, durante vários anos, sujeita a atitudes discriminatórias que contribuíram para a manutenção do rótulo, com dispersão recente, ocasionada por uma visão mais elucidativa e inserida nos diferentes contextos da sociedade.

A prática do seu reconhecimento comportou uma escala classificatória e categorial, reconhecida como uma condição individual, inerente e restrita ao indivíduo, com pouca importância atribuída aos fatores socioculturais, mas com a convicção de que se trata de uma condição complexa, cujo diagnóstico envolve uma ação combinada dos fatores etiológicos, biomédicos, comportamentais, sociais e educacionais.

É interessante constatar que a inovação de várias reflexões teóricas e empíricas concordantes e opositoras, tal como abordamos anteriormente neste estudo, aquando da definição de DM. Conduziu, gradualmente, a uma tendência para a mudança do conceito, na direção de uma perspetiva multidimensional, funcional e biopsicossocial, conduzindo a uma nova definição da DM com observância em três critérios: o funcionamento intelectual, o comportamento adaptativo e o início das manifestações ou sinais indicativos de atraso de desenvolvimento. Esta abordagem multidimensional permitiu ampliar o conceito de DM, excluir a medida QI para identificar a DM e relacionar as necessidades do indivíduo com os níveis de apoio apropriados, num desempenho de papel essencial na forma como a pessoa responde às demandas ambientais, além de propiciarem estímulo ao desenvolvimento e à aprendizagem da pessoa com deficiência mental, ao longo da vida.

Mas, a fragilidade e a complexidade do termo deficiência mental numa análise multidimensional, ocasionou a mudança de paradigma ssumindo a terminologia de dificuldades intelectuais e desenvolvimentais, justificável com o facto de explicitar estes três conceitos-chave nas limitações que colocam o indivíduo em desvantagem quando funciona em sociedade; no envolver da inteligência na

capacidade de pensar, planear, resolver problemas e compreender na sua interação com o meio; e o seu comportamento adaptativo, numa validação ecológica.

Eis, portanto, um grupo de alunos com determinadas caraterísticas específicas sobre o qual incide o nosso estudo, e também, considerado um grupo diferenciado com o qual diariamente privamos na nossa atividade profissional e que se tornou uma inquietação saber mais e perceber como a sua projeção futura pode depender de medidas organizativas e decisivas aplicadas nas diferentes escolas. E, se a forma como a sua resposta individual, em função das suas limitações e do seu funcionamento adaptativo no meio em que se insere, decorre progressivamente clarificado, cumpre-nos argumentar como se processa a resposta da escola para a sua diversidade educativa e contextual a nível micro, meso e macro.

No entanto, não nos podemos esquecer das profundas mudanças políticas, sociais e económicas que provocaram claros reflexos nas decisões educativas, nomeadamente com o aparecimento da escola de massas, que alargava a sua base de recrutamento, contrariando progressivamente uma sociedade até aqui, estruturada de forma homogénea. A passagem para uma população escolar cada vez mais heterogénea conduziu a solicitações mais exigentes e variadas feitas à escola e, no seu interior, ao próprio professor.

Surgiram, efetivamente, alguns dilemas no interior da escola quanto à sua organização e gestão curricular, assim como ao papel do professor no seu quotidiano, no trabalho com todos os alunos.

O desafio aqui eminente prende-se com a importância do saber trabalhar em educação, com públicos crescentemente heterogéneos em saberes, interesses, valores e códigos de conduta diversificados.

Face a esta amplitude cultural, também o sistema educativo teve necessidade de reestruturar a sua decisão curricular, e os professores como elementos fundamentais deste processo evolutivo, de se envolverem na existência de uma diversidade de recontextualização das propostas de ensino e de aprendizagem perante estes alunos, numa aposta na sua formação de docente, num processo de continuidade.

Paralelamente, torna-se visível um suporte legislativo emanado pelo poder central com o intuito de servir de base de ação à escola como sistema

organizacional, mas que de certa forma, como foi referenciado em capítulos anteriores, provoca um controlo da sua autonomia numa dicotomia entre o currículo nacional e o currículo local, e instiga um reajuste do segundo relativamente ao primeiro, numa ideologia de retorno de poder.

Confrontado este dilema, a questão é saber como se trabalha esta diversidade e como assumir uma postura e um plano de ação face à elaboração dos planos curriculares dos alunos com CEI do 2.º e 3.º ciclos, sem descurar a forma como a escola enquanto entidade organizacional, e os profissionais que a dinamizam, constroem um currículo de vida permeável ao meio envolvente, mas flexível na troca de saberes com a sociedade em que estão inseridos. Deparamo-nos assim com o fio condutor do nosso trabalho, traduzido na opinião de Quivy e Campenhoudt (2005:32-38) numa pergunta de partida, através da qual se pretende exprimir o mais exatamente possível o que se procura saber, elucidar e compreender melhor. A determinação da pergunta de partida requer o cumprimento de algumas qualidades entre as quais, a “clareza”, dirigida à precisão e concisão do modo de formular a pergunta; a “exequibilidade”, essencialmente ligada ao caráter realista ou irrealista do trabalho que a pergunta deixa antever e a “pertinência”, com incidência no uso do registo explicativo, normativo, preditivo em que se enquadra a pergunta de partida.

Reside aqui a ideia de inquirir a importância que os diferentes ambientes de aprendizagem podem ter para a sua construção, como um todo, que oportunidade de escolha tem o aluno perante as diferentes áreas curriculares disponíveis, como as poderá vivenciar dentro e fora da escola, e os benefícios e as consequências desta organização curricular projetada no seu plano de estudos e delineada numa questão considerada fundamental, a saber:

Quais as representações dos professores do ensino regular sobre a forma como a escola organiza o plano curricular dos alunos do 2.º e 3.º ciclos com CEI?

I.2 – Questões de investigação

Ao optarmos pela aplicação da investigação qualitativa como um termo genérico que abarca diversas estratégias de investigação que partilham determinadas caraterísticas, pressupõe-se que os dados recolhidos são designados por qualitativos, o que significa ricos em pormenores, descritivos relativamente a pessoas, locais e conversas (Bogdan e Biklen, 1994:16).

A importância da fase qualitativa recai sobre as conclusões suficientemente sólidas relativamente a tudo que possa ser conducente a uma inventariação mais ou menos estruturada, que, no entender de Ghilione e Matalon (1997:115) poderá relacionar-se com “atitudes, representações, comportamentos, motivações, processos” entre outros, que apesar de correr o risco de não poder inferir a sua importância, poderá contudo, constatar a sua existência, e também, ajudar a interpretar certos resultados inesperados.

Presume-se, então, que o estudo em questão não pretende ser construído de uma suposição que deve ser verificada como é o caso da hipótese, definida por Quivy e Campenhoudt (2005:150) como “uma proposição que prevê uma relação entre dois termos” que podem ser conceitos ou fenómenos. Deduz-se deste facto, que construir uma hipótese não é somente imaginar uma relação entre duas variáveis ou dois termos isolados, uma vez que a maior parte das vezes é construído um corpo de hipóteses que teorizam a problemática. Ao tornar operacionais as hipóteses é determinante identificar as variáveis correspondentes a cada uma delas, assim como a ligação que a hipótese sugere entre elas.

No presente estudo as questões a investigar não se determinam mediante a operacionalização de variáveis, pelo que se pretende estudar o fenómeno em toda a sua complexidade e em contexto ecológico. A nossa intenção não é partir de uma base de suposição, mas sim, analisar a interpretação das representações dos professores que lecionam os CEI, ou seja, pretendemos uma representatividade social, de uma pequena dimensão de sujeitos socialmente significativos.

Deste modo iremos estabelecer as questões de investigação que serão norteadoras do nosso percurso de investigação:

1. Que aspetos são valorizados na estrutura curricular do CEI? 2. Que articulação existe entre as várias disciplinas da turma?

3. Que disciplinas são propostas e quais os fundamentos da escolha? 4. Quais os fundamentos para a construção do CEI?

5. Que estratégias de diferenciação existem ao nível das atividades e recursos?

6. Que lacunas existem para trabalhar com estes jovens?

7. Que critérios são usados para o aluno de CEI e quem são os decisores? 8. Qual o contributo dos CEI para a transição à vida adulta?

Ao colocarmos estas questões, surge a inquietação e, com esta, uma pesquisa assertiva com o intuito de fundamentar e definir como principais objetivos do estudo:

i. Conhecer as linhas orientadoras em que se baseiam os professores do ensino regular para a construção do plano curricular dos alunos com CEI;

ii. Identificar e classificar as estratégias e recursos adotados para a sua construção;

iii. Perceber se existe a preocupação de ligar o plano curricular destes alunos com a transição à vida adulta;

iv. Percecionar se a formação profissional enquanto professor do ensino

regular corresponde à sua expetativa e motivação no trabalho diário com estes alunos.