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A Escola – factor e motor da construção da Cidadania Europeia

Capítulo VII: Disposições gerais.

4. A Escola – factor e motor da construção da Cidadania Europeia

Refere-se no prefácio do documento A Educação para a Cidadania nas Escolas da Europa 5 que a Comissão Europeia elegeu como uma das suas prioridades a

promoção da coesão social e uma participação mais activa dos cidadãos na vida política e social, identificando o desenvolvimento da cidadania europeia como uma das principais prioridades da actuação da União Europeia.

Com o objectivo enunciado, foi criado o programa comunitário “Cidadãos para a

Europa”, com a vigência de sete anos (2007-2013), visando promover a participação

cívica e a consciência de cidadania, apoiando projectos e iniciativas que visam consciencializar os europeus relativamente aos seus direitos e responsabilidades enquanto cidadãos, envolvendo-os activamente no processo de integração europeia, de forma a «desenvolver entre eles um sentimento de pertença e de identidade europeias».

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Considera-se, no prefácio do citado documento, que o desenvolvimento de um comportamento cívico responsável deve ser encorajado desde muito jovem, e que a educação para a cidadania, que compreende a aprendizagem dos direitos e dos deveres dos cidadãos, o respeito pelos valores democráticos e pelos direitos humanos, bem como a importância da solidariedade, da tolerância e a participação numa sociedade democrática, é um meio de preparar crianças e jovens para se tornarem cidadãos responsáveis e activos.

Finalmente, aludindo à inclusão social e cidadania activa, como objectivos políticos importantes e centrais no chamado “processo, ou estratégia de Lisboa”6, conclui-se no documento em análise, que o sistema educativo pode ser considerado como o meio mais importante através do qual será possível transmitir e demonstrar os princípios da equidade, inclusão e coesão. Por conseguinte, a inclusão social e a cidadania activa ocupam um lugar proeminente nos três objectivos estratégicos para os sistemas europeus de educação e de formação adoptados pela Comissão Europeia em Março 2001, que abarcam a qualidade da educação europeia, o acesso a esta e a sua abertura ao mundo.

Incumbe assim às Escolas da União Europeia, um papel fundamental na formação dos «cidadãos» da União, de forma a que estes, para além das normais competências escolares, adquiram uma consciência cívica, uma vivência de valores de cidadania, de direitos, deveres, liberdades e garantias, factor fundamental de inclusão e de coesão.

Citando António Sérgio, diz Sarmento (2000), que, tal como para se aprender a tocar piano ou a praticar esgrima é necessário tocar nas teclas e esgrimir com a espada, para se aprender a cidadania é mesmo indispensável praticar a cidadania nos contextos de aprendizagem.

Sobre a vivência indispensável da cidadania na escola, refere Sarmento que a educação cívica, promotora de uma cidadania activa, não pode ser considerada como uma mera área curricular, mesmo se transversal e interdisciplinar, mas carece de ser considerada, prioritariamente, como algo inerente ao alargamento de participação dos

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Na Cimeira de Lisboa, em Março de 2000, os Chefes de Estado e de Governo da UE chegaram a acordo relativamente a um novo objectivo estratégico para a União Europeia: tornar a UE "na economia baseada no conhecimento mais dinâmica e competitiva do mundo, capaz de garantir um crescimento económico sustentável, com mais e melhores empregos, e com maior coesão social".

alunos - enquanto alunos e enquanto cidadãos - nas decisões fundamentais da vida das instituições escolares.

Com efeito, como se pode ser um cidadão activo, se se aprendeu uma “cidadania” de manual, se o exercício dos direitos se transformou numa retórica insustentável sobre o “direito aos direitos”, se o espaço-tempo da instituição escolar se constituiu numa sucessão de actos de recepção passiva e crítica de lições comunicadas “ex cathedra”?

(Sarmento, 2000:1)

Esta perspectiva de “vivência” dos valores, como a melhor forma de aprendizagem da cidadania, encontra eco numa frase lapidar de John Dewey citado por Gambôa (2004): «A educação não é preparação para a vida, é a própria vida».

Encontramos o desenvolvimento da mesma ideia, no texto de Delors (1996), inserido no Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI, identificada como um dos quatro pilares da educação: «Aprender a viver juntos, aprender a viver com os outros». Delors explica desta forma a essência deste “pilar”:

«Trata-se de aprender a viver juntos, desenvolvendo o conhecimento acerca dos outros, da sua história, tradições e espiritualidade. E a partir daí, criar um espírito novo que, graças precisamente a esta percepção das nossas crescentes interdependências, graças a esta análise partilhada dos riscos e dos desafios do futuro, conduza à realização de projectos comuns ou, então, a uma gestão inteligente e apaziguadora dos inevitáveis conflitos. Utopia, pensarão alguns, mas utopia necessária, utopia vital para sair do ciclo perigoso que se alimenta do cinismo e da resignação».

Delors (1996:19)

Jacques Delors, um dos mais brilhantes arquitectos da Europa do nosso tempo, sabe como ninguém, que a vivência da «unidade na diversidade», é um imperativo da coesão da União, e que a aprendizagem da tolerância é, sobretudo, a sua vivência.

Como constatam Tomlinson & Allan (2002), a sala de aula constitui um espelho de cada país (e da Europa), reflectindo todas as suas realidades, incluindo a diversidade cultural, num mosaico variado e colorido: alunos de múltiplas culturas, alguns dos quais procuram estabelecer a ponte entre as línguas e comportamentos de dois mundos; estudantes com capacidades de aprendizagem bastante avançadas sentados lado a lado com alunos que revelam grandes dificuldades numa ou mais disciplinas

escolares; crianças com experiências sociais e culturais amplas e gratificantes, capazes de suportar os desafios da vida académica, a partilhar o espaço com colegas cujo mundo está circunscrito aos poucos quarteirões do seu bairro.

Nesta proposta de superação da diversidade, como factor de desagregação e de exclusão, tornando-a factor de enriquecimento do próprio processo educativo, vemos a escola como local de vivência de valores e princípios susceptíveis de «unir na diversidade», criando uma dinâmica de compreensão e respeito pela diferença, capaz de integrar e de não rejeitar o que é diferente.

Um dos problemas fundamentais actuais da escola traduz-se no desafio social da diversidade, da diferenciação, do multiculturalismo, assumindo que educar para a cidadania é, também, educar para o reconhecimento, para o respeito e para a cultura da diferença.

Talvez nenhuma definição sintetize de forma tão harmoniosa os valores que integram o conceito de cidadania, como a que propõe Letria (2000), no seu diálogo com os jovens:

«Caro jovem leitor (…) A Cidadania é, afinal, o conjunto de muitas coisas que, habitualmente, nem sequer relacionamos com ela. É o caso da solidariedade, da tolerância, da cooperação, da responsabilidade, do civismo, do respeito pela liberdade alheia, da participação na vida colectiva e do conhecimento rigoroso dos direitos e dos deveres que transformam os indivíduos em cidadãos».

Letria (2000:7)

O conceito de cidadania, como aprendizagem e vivência de valores fundamentais (direitos, deveres, liberdades e garantias inerentes à condição e à dignidade da pessoa humana), surge assim, numa dupla vertente: não só como consequência do aprofundamento da unidade europeia, mas como um factor essencial para que essa unidade seja possível, e ela só será viável com um absoluto respeito pela pluralidade e pela diferença.

A vivência na escola, no âmbito da formação cívica, de direitos, liberdades e garantias fundamentais, nas quais se alicerça o conceito de cidadania e o próprio regime democrático, assente na «dignidade da pessoa humana», revela-se como um factor decisivo na integração de toda a diversidade, cimento de uma comunidade educativa coesa na sua heterogeneidade, garantia de realização do ideal de uma harmoniosa

integração europeia, respeitadora de todas as diferenças - culturais, étnicas, religiosas, e outras – preservando a individualidade de cada nação, no contexto de uma União que sai enriquecida pelas diversidades que a integram.

CAPÍTULO 3

O PROGRAMA SÓCRATES / COMENIUS, COMO DISPO-