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2. Contextualização e Enquadramento Teórico

2.3. Os jornalistas televisivos e a edição de imagem de conteúdos noticiosos

2.3.2. A edição de vídeo

2.3.2.2. A estética

2.3.2.2.1. A escola norte-americana

Apesar da montagem cinematográfica ter surgido, em 1900, pelas mãos da Escola de Brighton, na Inglaterra (Sadoul, 1983), o atual cinema narrativo teve a sua génese na monta- gem exposta e desenvolvida nos Estados Unidos da América, tendo como grandes impulsiona- dores os cineastas Edwin S. Porter e, principalmente, David W. Griffith (Crittenden, 1995; Eisenstein, 2002a; Martin, 2005; Dancyger, 2010; Marner, 2010; Reisz e Millar, 2010).

2.3.2.2.1.1. Edwin S. Porter

Ainda que não tenha inventado a montagem cinematográfica, o norte-americano Edwin S. Porter (1870-1941) foi o primeiro cineasta a fazer um real uso dela em termos narrativos, com a realização dos filmes Life of an American Fireman e The Great Train Robbery, ambos exibidos no ano de 1903 (Crittenden, 1995; Martin, 2005; Wolsky, 2005; Marner, 2010; Dancyger, 2010; Reisz e Millar, 2010).

No filme Life of an American Fireman é contada a história de um corpo de bombeiros que vão resgatar mãe e filha que se encontram encurraladas num edifício em chamas. Este fil- me é composto por planos retirados de um filme documental sobre bombeiros e por planos resultantes de encenação, os referentes à mãe e filha, gravados em estúdio. A conjugação des- ses planos, que inicialmente não tinham qualquer relação entre si, criou a história do salvamen- to (Viveiros, 2005; Dancyger, 2010; Reisz e Millar, 2010). Pela análise deste filme, concluiu- se que o sentido do plano não é necessariamente independente, podendo ser alterado e subordi- nado a outros planos (Reisz e Millar, 2010). Dito por outras palavras, dois planos filmados em lugares diferentes, com objetivos distintos, podem, quando ligados, significar algo maior do que a mera soma das duas partes (Dancyger, 2010). Nesta medida, a justaposição podia gerar uma nova realidade, maior do que a de cada plano individual (Dancyger, 2010). Pela primeira vez na curta história do cinema, o plano não possuía significado próprio, dependia da relação com os restantes planos (Reizs e Millar, 2010).

Desta forma, Porter estabeleceu o princípio básico da montagem, ao demonstrar que o plano é a unidade a partir da qual os filmes devem ser produzidos (Wolsky, 2005; Reisz e Mil- lar, 2010) e que a combinação de planos provoca um sentido diferente da soma de cada plano (Goliot-Leté et al., 2011).

No filme The Great Train Robbery, cuja história passa pelo relato de um assalto a um comboio, Porter expôs uma narrativa ainda mais refinada (Dancyger, 2010). Filmando planos

em interiores e exteriores, Porter uniu-os de modo a criar uma determinada identidade de ima- gem/tempo (Marner, 2010). Dentro do plano, deu atenção também ao espaço e estabeleceu relações entre distintos elementos e, para além disso, relacionou imagens individuais entre si, alcançando a continuidade temporal, espacial e emocional (Marner, 2010). Este filme é consi- derado o primeiro realmente cinematográfico devido à fluidez e coerência da narrativa (Sán- chez-Biosca, 1996; Martin, 2005; Carvalho, 2007).

Em síntese, o grande contributo dado por Porter à montagem cinematográfica foi a or- ganização dos planos com o propósito de expor uma continuidade narrativa (Crittenden, 1995; Dancyger, 2010). Porter foi quem instituiu a forma narrativa ao ser o primeiro a utilizar uma série de artifícios e efeitos visuais que mais tarde se converteriam em convenções específicas do género e que, ainda hoje, são fundamentais para que o público compreenda a sequência narrativa das ações presentes nas produções cinematográficas (Marner, 2010).

Porém, se Porter inventou a montagem narrativa, foi outro norte-americano, David W. Griffith, que a desenvolveu, ficando o seu nome registado para sempre como uma das grandes referências da montagem cinematográfica e, por consequência, do cinema (Sánchez-Biosca, 1996; Eisenstein, 2002a; António, 2010; Dancyger, 2010; Reisz e Millar, 2010).

2.3.2.2.1.2. David W. Griffith

Tendo iniciado a sua vida como realizador em 1908, David W. Griffith (1875-1948) é considerado o pai da montagem cinematográfica no sentido moderno, tendo sido o grande im- pulsionador do cinema, quer nos Estados Unidos da América, quer no resto do mundo (Crit- tenden, 1995; Eisenstein, 2002a; Dancyger, 2010). Tal como sublinha Sergei Eisenstein (2002a), o nascimento da montagem estará eternamente associado ao nome de Griffith. Tanto mais que, sendo reconhecido como o primeiro grande mestre do cinema norte-americano (Pi- nel, 2004), Grifftih foi um dos pioneiros da linguagem cinematográfica (Bazin, 1991; Amiel, 2010).

Os contributos de Griffith, para a evolução da montagem cinematográfica e, conse- quentemente, do cinema, foram inúmeros, destacando-se: a variação de planos para criar im- pacto emocional nos espetadores; o grande plano; o insert (plano de pormenor de um objeto); a câmara subjetiva (o ponto de vista da personagem); o travelling (deslocação da câmara de fil- mar no espaço); a montagem alternada; a montagem paralela; o flashback (recuos no tempo); a variação de ritmo; entre outras grandes contribuições (Bazin, 1991; Crittenden, 1995; Goscio-

la, 2003; Deleuze, 2004; Pinel, 2004; Martin, 2005; Viveiros, 2005; Wolsky, 2005; Amiel, 2010; António, 2010; Dancyger, 2010; Reisz e Millar, 2010). Todos estes procedimentos são atribuídos a Griffith, muito embora a grande parte destes não tenha sido descoberto por ele (Sadoul, 1983; Crittenden, 1995; Martin, 2005; Mazzoleni, 2005; Amiel, 2010; António 2010; Dancyger, 2010). A este propósito, Georges Sadoul (1983) e Vicent Amiel (2010) enaltecem que o grande mérito do génio de Griffith foi o de assinalar as descobertas dispersas de várias escolas e realizadores e sistematizá-las. Na verdade, Griffith foi o primeiro cineasta a organizar estas descobertas e transformá-las num “meio de expressão” (Martin, 2005; Amiel, 2010; An- tónio, 2010). O próprio Griffith reconhecia que não tinha sido o inventor da montagem, mas um pioneiro na sua aplicação, abrindo novos caminhos no cinema (Eisenstein, 2002a).

Com o recurso à montagem, Porter pretendeu incutir uma maior clareza nas narrativas cinematográficas, enquanto Griffith procurou criar um maior impacto dramático nos espetado- res, recorrendo à justaposição de planos (Dancyger, 2010). Desta forma, as diferenças entre a montagem apresentada por Porter e a desenvolvida por Griffith são mais do que evidentes. A título de exemplo, quando Porter mudava de plano era quase sempre por razões físicas, en- quanto Griffith alterava de plano por razões dramáticas, mostrando um novo pormenor ao es- pectador que permitisse aumentar o interesse do drama em determinado momento (Reisz e Millar, 2010). Ainda a este respeito, Griffith demonstrou que, através da montagem, uma cena podia ser constituída por planos gerais, planos médios e planos próximos com o intuito de o público sentir progressivamente a sua emoção (Dancyger, 2010).

Outra grande diferença era que Griffith estruturava a ação em diversos planos que, através da montagem, eram reagrupados para construir cenas (Reisz e Millar, 2010). Esta prá- tica apresentava duas grandes vantagens em relação ao método usado por Porter (Reisz e Mil- lar, 2010). Primeira, o realizador podia atribuir sentido à narração cinematográfica com maior profundidade, ou seja, apresentar uma maior variedade de pormenores. Segunda, o realizador podia usufruir de uma posição mais vantajosa para provocar as reações emocionais no especta- dor, na medida em que podia escolher tanto os detalhes que este devia ver, como o momento mais adequado para os mostrar.

Ainda que o grande plano já tinha sido usado por outros cineastas (Sadoul, 1983; Mar- tin, 2005), Griffith foi o primeiro a aproximar a câmara de filmar dos atores com propósitos dramáticos, realçando as emoções e as expressões dos atores, o que reforçava a ligação emoci- onal dos espetadores com as personagens representadas pelos atores (Carvalho, 2007). Com os seus filmes, Griffith pretendia que o público se envolvesse emocionalmente com a história narrada (Crittenden, 1995; Dancyger, 2010).

No filme The Lonely Villa, exibido em 1909, Griffith expôs a montagem alternada, com o objetivo de criar suspense (Pinel, 2004; Mazzoleni, 2005; Dancyger, 2010). A monta- gem alternada intercala os planos de duas ou mais cenas e/ou sequências, apresentando ações que se desenrolam ao mesmo tempo em locais diferentes, mas que estão diretamente relacio- nadas (Journot, 2005; Mazzoleni, 2005). Neste filme, Griffith apresentou alternadamente cenas de uma família, mãe e filhas, que está a ser assaltada na sua própria casa por um grupo de la- drões, com cenas do pai, que, encontrando-se fora de casa, que vem em seu auxílio (Dancyger, 2010). Através da montagem alternada, Griffith procurou que o espetador percebesse que não há somente sucessão entre as cenas, mas simultaneidade (Amiel, 2010). A par disso, Griffith apresentou cenas compostas com planos com uma duração cada vez mais curta, acelerando o ritmo, para aumentar a dramaticidade (Dancyger, 2010). Dito por outros termos, a duração dos planos vai ficando mais curta à medida que a tensão aumenta, o que reforça as potencialidades dramáticas da situação (Carvalho, 2007). Tal como é evidenciado por Ken Dancyger (2010), o tempo dramático passa a substituir o tempo real como critério para a montagem.

Em 1915, com o filme The Birth of a Nation e, em 1916, com Intolerance, Griffith fez uso de todos os procedimentos de montagem desenvolvidos até então, que converteram estas duas obras fílmicas em dois marcos históricos da montagem cinematográfica e, por consequên- cia, do cinema (Pinel, 2004; Carvalho, 2007; António, 2010; Dancyger, 2010; Reisz e Millar, 2010).

A obra cinematográfica The Birth of a Nation, com uma duração aproximadamente de três horas, marcou a história do cinema, tendo revolucionado a produção do cinema norte- americano (Crittenden, 1995; Carvalho, 2007). Este filme teve um sucesso nunca visto até essa altura, tanto em termos de bilheteira como em termos de críticas (António, 2010). Todavia, este filme causou uma enorme polémica, devido às referências racistas (António, 2010).

No filme Intolerance, Griffith produziu uma outra conceção de montagem, não unica- mente por narrar histórias mais complexas e potenciar emoções, mas por relacionar ideias. Ao associar quatro histórias (contemporânea, massacre de S. Bartolomeu no século XVI, vida de Cristo e queda da Babilónia) teve-se acesso a um novo nível de abstração que permitiu extrair do paralelo um conceito: a intolerância (Viveiros, 2005). Nestes quatro episódios mostrados alternadamente, Griffith atribui um valor estético e dramático à montagem paralela. A monta- gem paralela alterna sequências e/ou cenas que não têm entre si qualquer relação de simulta- neidade, sendo discursiva e não narrativa, podendo ser usada com fins retóricos de simboliza- ção, para criar efeitos de comparação ou de contraste (Journot, 2005).

Em forma de síntese, o génio de Griffith destacou-se fundamentalmente pelas suas qua- lidades narrativas e o seu grande contributo foi a aplicação de modos de montagem que aumen- taram e enriqueceram as possibilidades do relato cinematográfico (Reisz e Millar, 2010). Tanto mais que os filmes de Griffith tiveram grandes repercussões mundiais, nomeadamente nos rea- lizadores da então União Soviética (Crittenden, 1995; Sánchez-Biosca, 1996; Pinel, 2004; Dancyger, 2010; Reisz e Millar, 2010).