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2. Contextualização e Enquadramento Teórico

2.1. A convergência dos media noticiosos

2.1.3. As dimensões da convergência nos media noticiosos

2.1.3.3. Dimensão profissional

Na era da convergência noticiosa, as práticas jornalísticas também estão a passar por um processo de redefinição, visto que este fenómeno, o da convergência, está a provocar mu- danças muito significativas na atividade dos profissionais da informação jornalística (Cottle e

9 A promoção cruzada (cross-promotion) é considerada como a mais simples forma de cooperação entre redacções jornalísticas, visto que não pressupõe a produção de conteúdos jornalísticos em parceria, mas sim- plesmente a divulgação de conteúdos produzidos por outros órgãos de comunicação social, geralmente per- tencentes ao mesmo grupo de media. Por exemplo, no final de um serviço noticioso televisivo, o Pivot pode informar os telespetadores que, sobre o tema que acabaram de ver, amanhã vai sair num jornal uma reporta- gem mais desenvolvida (Dailey et al., 2005; Micó et al., 2009).

Ashton, 1999; Pavlik, 2000, 2004; Deuze, 2004; Domingo et al., 2007; Micó et al., 2007; Sa- laverría, 2009, 2010; Agudo e Palomo Torres, 2010). Para Ramón Salaverría (2009, 2010), o denominador comum para todas as alterações verificadas no exercício da atividade profissional dos jornalistas poderia ser expressa por uma única palavra: polivalência.

Ainda há pouco tempo, nas diversas redações dos media noticiosos, as funções e/ou as tarefas de cada profissional da informação jornalística estavam bem definidas. Na imprensa, o jornalista, após contactar as diversas fontes de informação, escrevia o texto, o fotógrafo encar- regava-se de registar as fotografias para acompanharem o texto e o paginador inseria o texto e a(s) fotografia(s) no ficheiro da publicação para, posteriormente, ir para a gráfica. Hoje, em muitas redações de publicações noticiosas, principalmente em órgãos de comunicação social de âmbito regional e local, os jornalistas, equipados com câmaras fotográficas digitais, tiram as fotografias para serem usadas nas suas peças informativas e, depois da notícia escrita e da es- colha da(s) fotografia(s), colocam estes elementos informativos diretamente no ficheiro da publicação.

Em relação à rádio, o jornalista, através de um gravador analógico de áudio, que usa como suporte de gravação uma cassete ou uma microcassete, registava os depoimentos das fontes de informação e, quando chegava à redação, dava o material sonoro gravado a um técni- co de áudio para, em conjunto, efetuarem a respetiva montagem. Na atualidade, os jornalistas radiofónicos fazem uso de gravadores digitais de áudio para recolherem os depoimentos das fontes de informação, e, já na redação, transferem os ficheiros de áudio do equipamento de gravação para o seu computador e editam, através de um software de edição de áudio, os seus conteúdos noticiosos, sem o apoio de qualquer técnico de som.

No que se refere à televisão, o processo tradicional de produção noticioso pode ser de- senvolvido por uma equipa profissional, constituída por dois ou três indivíduos. Em redações de maiores dimensões, a equipa de reportagem é composta por três elementos, um jornalista, um repórter de imagem e editor de imagem. Cabe ao jornalista estruturar a notícia e chefiar a equipa, ao repórter de imagem compete a recolha audiovisual e o editor de imagem, com a colaboração do jornalista, tem por função editar em vídeo a informação noticiosa. Por outro lado, em redações mais reduzidas, como são tipicamente as das delegações regionais dos media internacionais e nacionais, a equipa de reportagem é composta, normalmente, por dois elemen- tos, isto é, um jornalista e um repórter de imagem. Para além de efetuar a captação audiovisual, compete também ao repórter de imagem a edição em vídeo do conteúdo informativo (Canelas, 2008). No presente parece ser uma tendência os jornalistas televisivos assumirem a função/ tarefa de editar em vídeo os seus conteúdos noticiosos (Pavlik, 2000; Crocomo, 2001; Croco-

mo e Lage, 2001; García Avilés, 2002, 2006a, 2006b, 2007b; García Avilés et al., 2004; Rinta- la e Suolanen, 2005; Silcock, 2007; Cabral, 2008; Canelas, 2008; Salaverría e García Avilés, 2008; Scolari et al., 2008; Canavilhas, 2009a; Wallace, 2009, 2013; García Avilés, 2010; Wal- dman et al., 2011; Filho e Correia, 2012; Henderson, 2012).

Retomando a polivalência jornalística, os autores Carlos Alberto Scolari et al. (2008) e Ramón Salaverría (2009, 2010) falam em três tipos, a saber: funcional; temática e mediática.

No que toca ao primeiro tipo, a polivalência funcional, a partir de uma perspetiva tec- nológica, que na ótica de Salaverría (2009) também se poderia designar por multitarefa, verifi- ca-se quando os jornalistas assumem funções e/ou tarefas que, ainda não há muito tempo, eram realizadas por outros profissionais, nomeadamente tarefas técnicas executadas por especialis- tas, como sejam a edição de áudio e vídeo (García Avilés, 2002, 2006a, 2006b, 2007b; Deuze, 2004; Rintala e Suolanen, 2005; Salaverría e García Avilés, 2008; Scolari et al., 2008; Micó et

al., 2009; Salaverría, 2009, 2010; Agudo e Palomo Torres, 2010). Tal como se viu anterior-

mente, alguns jornalistas, quer da rádio quer da televisão, editam os seus conteúdos informati- vos.

Ainda sobre a polivalência funcional, parece ser uma tendência, principalmente para os jornalistas mais jovens, considerados por Marc Prensky10 (2004) como os nativos digitais, o desempenho de diversas tarefas, especialmente nas redações noticiosas de media de pequenas dimensões, tal como nos regionais e locais e nas delegações regionais dos media internacionais e nacionais (Domingo et al., 2007; Scolari et al., 2008; Salaverría, 2009). Os atuais jornalistas, independentemente do órgão noticioso para o qual trabalham, recolhem e tratam informação em forma de texto, áudio e imagem (fotografia e vídeo).

Por seu turno, a polivalência temática diz respeito à especialização dos jornalistas em determinados temas. As redações noticiosas dos media informativos generalistas, sobretudo as de maiores dimensões, normalmente localizadas nas principais cidades, no caso português, situadas em Lisboa e Porto, estão organizadas por editorias, tais como: política; sociedade; economia; desporto; assuntos internacionais; cultura ou artes; saúde; entre outras editorias, variando as denominações de órgão para órgão (Canelas, 2008). Neste caso, os jornalistas são especializados em certos temas. No entanto, devido ao número reduzido de recursos, designa- damente os relativos aos recursos humanos, muitas das redações informativas, por norma as que se encontram sedeadas nas delegações regionais, são compostas por jornalistas generalis-

10 Para Marc Prensky (2004), os indivíduos que viveram todas as suas experiências educativas, profissionais e lúdicas em ambientes digitais são considerados nativos digitais. Por sua vez, os indivíduos que nasceram antes do surgimento e, sobretudo, da proliferação das tecnologias digitais e que, deste modo, tiveram de adaptar-se a elas são vistos como imigrantes digitais.

tas, ou seja, profissionais que trabalham sobre diversas áreas temáticas (Canelas, 2008; Sala- verría, 2010). Esta realidade não surgiu com a convergência jornalística, mas esta tendência está a ser reforçada nos últimos tempos e também está a chegar aos media de maior dimensões (Horton, 2007; Scolari et al., 2008; Salaverría, 2009, 2010).

Por último, a polivalência mediática tem a ver com a capacidade dos jornalistas em conceberem conteúdos noticiosos para multiplataformas. Dito por outras palavras, para além dos jornalistas realizarem mais do que uma tarefa na produção de conteúdos noticiosos, a poli- valência jornalística está, igualmente, relacionada com as competências do mesmo profissional em produzir conteúdos para outros media, mormente para o online (Dailey et al., 2005; Dupa- gne e Garrison, 2006; Domingo et al., 2007; García Avilés et al., 2009; Salaverría, 2009). Para García Avilés et al. (2009), os jornalistas polivalentes produzem notícias para duas ou mais plataformas, usando ferramentas disponibilizadas pelas tecnologias digitais em todo o processo produtivo noticioso. Para além disso, os jornalistas têm a capacidade de adaptar as «estórias11» a cada uma das plataformas, tendo em conta as especificidades de cada órgão de comunicação social, assumindo todas as etapas de produção. Num estudo efetuado, em 2008, pela Zogby International12, a pedido da World Editors Forum e da Reuters, que contou com a participação de mais de 700 editores e coordenadores de informação noticiosa de media impressos de 120 países, 83% dos inquiridos acreditam que os jornalistas deverão ser capazes, no prazo de 5 anos, de produzir conteúdos noticiosos para qualquer media (Chainon, 2008).

Os níveis de polivalência variam de órgão para órgão e, dentro da mesma redação noti- ciosa, variam de jornalista para jornalista (García Avilés, 2002, 2006b; Domingo et al., 2007; Scolari et al., 2008; García Avilés et al., 2009). Tal como ressalvam Carlos Alberto Scolari et

al. (2008), a polivalência jornalística afeta tanto os media noticiosos de âmbito internacional

ou nacional como os órgãos de comunicação social de âmbito regional e local, sejam públicos ou privados.

A priori, a polivalência jornalística parece apresentar vantagens importantes, como se- jam: o jornalista adquire e desenvolve mais competências para serem postas em prática no pro- cesso de produção noticioso (Cottle e Ashton, 1999); o jornalista detém um maior controlo no processo produtivo informativo, possuindo o produto final, desta forma, maior unidade e coe- rência (Cottle e Ashton, 1999; Domingo et al., 2007; Micó et al., 2009; García Avilés, 2010);

11 Tal como explica Nelson Traquina (1999: 43), «o termo “estória” é muito utilizado na gíria dos jornalistas norte-americanos, e cada vez mais em Portugal, para referir simultaneamente acontecimento e notícia». 12 A Zogby International, fundada em 1984 por John Zogby, é uma empresa norte-americana que se dedica à pesquisa de opinião e aos estudos de mercados. Para mais informações sobre esta organização, consultar: <http://www.zogby.com/index.cfm>.

verifica-se um aumento da produtividade laboral e a redução dos respetivos custos de produção (Quinn, 2005; García Avilés, 2006b; Salaverría e García Avilés, 2008), ou seja, com a poliva- lência jornalística, os media noticiosos pretendem retirar o máximo rendimento dos seus recur- sos (materiais, tecnológicos e humanos).

Neste cenário, tal como alertam Josep Micó et al. (2009), a polivalência jornalística pode ser usada como desculpa, por parte das empresas noticiosas, para reduzir o número de recursos humanos, isto é, para despedir jornalistas e outros profissionais da informação notici- osa.

Por outro lado, como destacam Simon Cottle e Mark Ashton (1999), a polivalência contribuiu para uma sobrecarga laboral dos jornalistas e para um tratamento superficial do con- teúdo da informação jornalística. Da mesma opinião, diversos autores (Pavlik, 2000; Deuze, 2004; Dupagne e Garrison, 2006; García Avilés, 2006b; Micó et al., 2009; entre outros) pen- sam que a polivalência acarreta um aumento da carga de trabalho do jornalista, provocado pela automatização do sistema e pela concentração de funções e/ou tarefas que antes eram desem- penhadas por diversos profissionais. Josep Micó et al. (2009) lembram que a sobrecarga de funções/ tarefas levadas a cabo pelos jornalistas pode diminuir o tempo que este profissional dedica à elaboração da notícia. Assim, os conteúdos noticiosos serão superficiais e incomple- tos.

Por conseguinte, se as organizações noticiosas tiverem como principal critério a dimen- são económica, esta estratégia poderá resultar prejudicial para a qualidade do produto informa- tivo (Pavlik, 2000; García Avilés, 2006b). Como assinala José Alberto García Avilés (2006b), a principal crítica da polivalência reside no facto das empresas noticiosas “espremerem” os seus jornalistas, o que contribui para a diluição e homogeneização do produto informativo.

Deste modo, outra grande desvantagem apontada à polivalência jornalística é a homo- geneização dos conteúdos noticiosos distribuídos através de diversas plataformas (Cottle e Ashton, 1999; García Avilés e Benvenido, 2002; Huang et al., 2004; Micó et al., 2009). Nesta nuance, a polivalência noticiosa pode levar à homogeneização dos conteúdos jornalísticos, tanto no que diz respeito à forma como ao conteúdo, e à consequente perda de pluralismo, tan- to mais que quando os jornalistas não têm em consideração as especificidades da linguagem de cada órgão noticioso e quando o imediatismo sobrepõe-se à análise e à reflexão, a qualidade dos conteúdos noticiosos produzidos também diminui.

Por sua vez, a polivalência temática também poderá apresentar desvantagens. Os jorna- listas devem ser especialistas, ou pelo menos serem possuidores de bons conhecimentos em determinadas áreas e subáreas. Por exemplo, a cobertura noticiosa de um acontecimento des-

portivo só poderá ser efetuada de uma forma adequada se os jornalistas envolvidos nesta co- bertura tiverem os conhecimentos suficientes sobre a modalidade desportiva em questão. Nesta situação, o profissional da informação noticiosa tem de conhecer as regras que regem a moda- lidade, ter informações sobre os intervenientes (jogadores, treinadores, …), entre outros conhe- cimentos importantes. Se as organizações noticiosas optarem por jornalistas generalistas, em detrimento de jornalistas especializados, poderão pôr em causa a qualidade noticiosa dos con- teúdos informativos.

Neste âmbito, a polivalência jornalística possui implicações na forma de se fazer jorna- lismo, visto que afeta a qualidade do trabalho dos jornalistas e dos conteúdos noticiosos (Gar- cía Avilés, 2002). À parte disso, o jornalista polivalente corre o risco de ser um jornalista mul- tiuso, “pau para toda a obra” (García Avilés, 2006b), e, apesar de os jornalistas começarem a exercer outras funções e/ou tarefas, este esforço não é, na maior parte dos casos, reconhecido e, sobretudo, recompensado, nomeadamente financeiramente (Domingo et al., 2007; Salaverría, 2010).

No presente, os media noticiosos, quando pretendem recrutar novos profissionais, estão a valorizar a polivalência informativa, ou seja, procuram jornalistas que sejam capazes de de- sempenhar várias funções/ tarefas e que consigam produzir conteúdos noticiosos para multipla- taformas, tendo em conta as especificidades da linguagem de cada plataforma (Scolari et al., 2008; Salaverría, 2010). Todavia, a polivalência multimédia é mais uma exceção do que a re- gra (García Avilés et al., 2009).

Noutra vertente, a polivalência jornalística exige, hoje, formação em diferentes áreas do jornalismo (Domingo et al., 2007; Salaverría e García Avilés, 2008; Scolari et al., 2008; Canavilhas, 2009a). Para Carlos Alberto Scolari et al. (2008) é mais do que evidente que as competências adquiridas pelos jornalistas, aquando da sua formação inicial, não serão as sufi- cientes para toda a sua vida profissional. Nesta lógica, os jornalistas deverão atualizar-se conti- nuamente ao longo do seu trajeto profissional, quer nas áreas tecnológicas quer nos procedi- mentos laborais (Scolari et al., 2008).

Nesta conjuntura, as atuais exigências fazem com que as organizações de ensino e/ou de formação de jornalistas formem profissionais polivalentes, o que pressupõe a inclusão de novas disciplinas e/ou unidades curriculares. Neste enquadramento, a captação e a edição digi- tal audiovisual (imagem e áudio) devem ser conteúdos obrigatórios (Canavilhas, 2009a). Con- tudo, não basta que os jornalistas saibam usar os diversos programas informáticos de edição digital, sendo necessário que estes conheçam e dominem a linguagem audiovisual (Jespers, 1998; Barroso García, 2001; García Avilés, 2006d; Canavilhas, 2009a).