• Nenhum resultado encontrado

5 ASPECTOS MACROSSOCIAIS: SALVANDO A LAVOURA ENTRE OS

5.3 A escola superior: aspectos institucionais

A educação superior chegou ao país tardiamente, pois houve grande resistência à criação de escolas superiores desde o período Brasil-Colônia. Durante séculos, as opções das elites brasileiras eram Teologia e Direito em Portugal e Medicina na França. Fora isso, só tínhamos cursos propedêuticos, uma situação bem diferente da América Espanhola, em que as universidades já estavam presentes desde o início da colônia. A Universidade de São Domingos foi a primeira a ser criada em 1538. A Universidade da Cidade do México e a Universidade de Lima, no Peru, foram criadas em 1551; a de Santa Fé, de Bogotá, em 1573; em Córdoba, Argentina, em 1613; Caracas, em 1721; em Santiago do Chile, em 1738, e a de Quito, em 1791, de modo que o ensino superior sempre foi deixado em segundo plano no Brasil e, apesar de planos e projetos, essa situação perdurou por todo o período Imperial.

Quanto ao ensino agrícola no Brasil, a situação não era muito diferente, apesar de uma aparente preocupação, pois o regente D. João VI já apresentava, oficialmente, algum sinal com a criação do Horto Real em 1808 e com os que vieram em seguida, como espaços para estudos e pesquisas. Ainda tivemos outros atos do governo durante o período Imperial, tendo, no final desse período, iniciado o primeiro curso na área de ciências agrárias na Bahia, em 1877, com a Escola Superior de Agricultura de São Bento das Lages.

Segundo Capedeville (1991), o Regente já tinha conhecimento de que o Brasil não obtinha êxito de todo proveito da agricultura por falta de bons princípios e por ignorância nos processos, o que explicava o vagaroso progresso e melhoramento nessa área. A tentativa de mudança foi oficializada pela Carta Régia de 25 de junho de 1812, para a implantação do ensino agrícola, porém, as próximas escolas só vão surgir mesmo no período da República, em 1891: a Escola Superior de Agricultura Eliseu Maciel, em Pelotas, Rio Grande do Sul;

em 1901, a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, em Piracicaba, São Paulo; e, em 1908, a Escola Agrícola de Lavras, Minas Gerais, que, em 1938, passa a denominar Escola Superior de Agricultura de Lavras (ESAL).

Somente em 1910, quase um século depois da decisão do Regente D. João VI, o ensino agrícola é regulamentado no país e, nesse mesmo ano, é criada a primeira Escola Superior de Agricultura e Veterinária do Brasil no Rio de Janeiro, atual Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), mas que só entra em funcionamento em 1913. Nesse período, o país apresentava somente cinco escolas superiores, além de patronatos agrícolas e escolas agrícolas de primeiro grau. Entre 1910 a 1929, mais 15 escolas foram criadas, dentre elas, a ESAV, em Viçosa. Destas, muitas foram extintas, mesmo as criadas posteriormente, entre 1930 e 1961. Tais escolas se caracterizavam pela oferta do curso de Agronomia ou Veterinária, ou ambos.

Somente a partir de 1961 surge o primeiro curso de Engenharia Florestal do país, em Viçosa. O Brasil contava, nesse ano, com apenas 12 cursos de Agronomia e oito de Veterinária. Em 1971, os de Agronomia já eram 22; os de Veterinária não passavam de 17; os de Engenharia Florestal, cinco, e os de Zootecnia, quatro. Cabe destacar que o ensino agrícola e veterinário eram vinculados ao Ministério da Agricultura e só foi incorporado ao Ministério da Educação em 1967, véspera da Reforma Universitária de 1968.

Esse lento crescimento da área de ciências agrárias no Brasil passa por uma mudança quando da criação, em Viçosa, da primeira pós-graduação brasileira na área de ciências agrárias e, por consequência, também a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) e da Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMBRATER), ambas em 1973.

Quanto ao motivo principal da criação da ESAV, Borges (2006, p.56) afiança que o Presidente Arthur Bernardes, em seu discurso de inauguração,

confirma que “o grande interesse do Brasil estava ainda na agricultura, no aumento da produção como solução de todas as dificuldades financeiras”. Porém, até a inauguração, foram vários os desafios, desde a dificuldade no processo de compra, devido à resistência de alguns proprietários, até à própria construção do campus em uma região com vários problemas de capital humano e disponibilidade de recursos materiais para a construção da escola.

Dos aproximadamente 500 operários contratados para a obra, 92% eram analfabetos e 98% apresentavam algum tipo de verminose, além dos graves problemas de saúde, educação, falta de mão de obra, obtenção de materiais para a construção, localização geográfica, falta de água encanada, luz elétrica, dentre outras questões. De fato, o responsável pela empreitada de fundar uma escola superior modelo internacional esteve diante de um desafio. Em um dos relatos um servidor sintetiza: “Rolfs era um cara arrojado, aventureiro, saiu de lá e parar num país tropical montar um curso agrícola numa cidade pequena que não tinha mão de obra, teve que treinar a mão de obra. Imagina você hoje ser chamado pra ir lá pra África abrir uma escola lá no meio do nada, começar tudo do zero, foi mais ou menos isso!”E34 (Figura 5).

Figura 5 – Campus ESAV, 1929.

Fonte: ACH – UFV (2015).

Parecia uma missão impossível, mas foi justamente parte dessas dificuldades que deu início a uma das principais estratégias como práticas

sóciodiscursivas da universidade. Suas práticas de proteção, segurança e bem- estar social passaram a ser consideradas modelos no país, nas áreas de educação infantil, proteção social ao servidor, sistema de assistência nas áreas de saúde e previdência complementar, sistema de consumo com as cooperativas e supermercado e o conhecido sistema de assistência estudantil, com seu internato, bem como as diversas modalidades de bolsas para estudantes que, no capítulo sete – Cuidando da Grande Família Ufeviana, serão analisadas e contextualizadas.

A partir de sua criação, a ESAV desempenhou um importante papel de alfabetização de operários (Figura 6), de seus filhos e de parte da população das cidades vizinhas, distantes até 25 km, que se deslocavam a cavalo para se alfabetizarem. Nesse processo, em particular, tivemos a participação da esposa de Rolfs, a Sra. Effie Rolfs, que visitava os casebres na área rural, no entorno da universidade, incentivando os pais para que seus filhos frequentassem a escola de alfabetização no campus da ESAV. (Figura 7).

Figura 6 - Escola de alfabetização.

Fonte: ACH-UFV (2015).

Figura 7 - Effie e Clarissa Rolfs visitando casebre na área rural.

Fonte: ACH-UFV (2015).

A Sra. Rolfs participou ativamente do processo de construção e formação da ESAV até o seu falecimento, em 1929. As ações de Effie Rolfs nos poucos anos em Viçosa tiveram desdobramentos sociais com impactos que chegam aos nossos dias. As atividades de alfabetização nunca foram interrompidas em mais de 90 anos (VER ANEXO A). Assim, temos um caso peculiar em um campus de uma universidade federal, uma escola de ensino fundamental e médio, a Escola Estadual Effie Rolfs.

A primeira década em Viçosa foi fundamental para o início de diversas práticas de bem-estar social que demarcam a trajetória institucional da UFV, com consideráveis transformações nos aspectos educacionais, de saúde, lazer e culturais para a região. Segundo Borges e Sabioni (2006), a Escola, já no início, providenciou a formação da Banda de Música da ESAV. Às quintas-feiras, no Salão Nobre, eram apresentadas leituras, declamações e números de canto.

Ademais, após a aquisição do terreno necessário para o início das obras e o lançamento da pedra fundamental, os pioneiros tiveram mais um trabalho paralelo de combate à saúva, com a extinção de mais de mil formigueiros, somente na parte principal da Escola. Ao se iniciarem os trabalhos agrícolas, ocorreu um fato pitoresco: não havia burros na região que soubessem puxar

arado. Foi então que o Prof. Rolfs disse: “os burros daqui não podem ser mais burros de que os burros do meu país”. Assim, mais um trabalho extra: a famosa mula Ruana foi adestrada pelo próprio diretor para o desempenho de suas tarefas.

Na inauguração oficial da Escola no dia 28 de agosto de 1926, data de aniversário de Arthur Bernardes, a ESAV era considerada a maior escola agrícola da América Latina. Estavam presentes o Presidente Arthur Bernardes e Fernando de Mello Viana, que estava a frente do governo de Minas Gerais. A cerimônia foi presidida pelo Prof. Rolfs e, no dia 29, foi hasteada a bandeira brasileira. Embora a bandeira estadunidense estivesse sempre presente, durante as consultas documentais foi possível identificá-la por diversas vezes, nas paredes de espaços fechados e no topo do Prédio Principal em construção. (Figura 8).

Figura 8 - Bandeira estadunidense no topo do prédio principal.

Fonte: Livro 70 anos – a trajetória da escola de Viçosa (2015).

Todavia, a primeira aula só teve início no dia 1º de agosto de 1927, com o curso Médio, ministrada pelo Prof. Diogo Alves de Mello, com uma formação e carreira na área de agricultura, desenvolvida nos Estados Unidos.

Apesar da denominação de Escola Superior, importa ressaltar, segundo Potsch (1991), que eram nos níveis fundamental e médio que se desenvolviam as primeiras etapas na escala de evolução do ensino prático agrícola. Já nesse período, foi iniciada a organização da biblioteca, hoje uma das maiores da América Latina. O curso superior só ofereceu a primeira aula no dia 1º de março de 1928, ministrada pelo Prof. Hermann Rehaag, da área de Zootecnia. O internato, por sua vez, só foi inaugurado no dia 26 de junho de 1928.

Passados alguns anos, a instituição dá início à formação da sua identidade, com o professor João Moogen de Oliveira que, considerando a própria sigla da ESAV, criou a expressão “Estudar, Saber, Agir e Vencer”, modificada para “Ensinar, Saber, Agir e Vencer”, como também foram traduzidos para o latim “Ediscere, Scire, Agere e Vincere”, vocábulos imortalizados pelo brasão da UFV e inscritos nas quatro pilastras, marco inspirado por Rolfs na sua alma mater, Universidade Estadual de Iowa, e construído pelos servidores da ESAV em homenagem ao fundador, por ocasião da sua saída da escola e mudança para Belo Horizonte, em 12 de dezembro de 1929. Esse marco se encontra no limite da cidade que dá acesso ao campus, sendo uma referência simbólica das fronteiras dos campos científico e empírico, do lado externo as palavras estão em latim e na parte interna do campus, as traduções para o português.